Jurídico

Em tempos de paz, Justiça Militar não pode julgar civil, diz juiz federal

Em tempos de paz, a Justiça Militar se destina a preservar a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas. Como esses preceitos não são aplicáveis a civis, a Justiça Militar da União não tem competência para julgá-los. Isso porque a Constituição Federal de 1988 não reproduziu dispositivos das cartas anteriores que conferiam tal poder a esse ramo do Judiciário.

Com esse entendimento, a 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro declarou a competência da Justiça Federal para julgar ação penal em que um civil é acusado de desobedecer um oficial da Marinha.

O condutor da embarcação Ana Lúcia, que navegava na Baía de Guanabara, no Rio, foi denunciado por descumprir ordem de um capitão-tenente da Marinha. A desobediência teria ocorrido quando o homem foi abordado para que acompanhasse a embarcação oficial até a Capitania dos Portos.

O MPF argumentou que, como o réu supostamente descumpriu ordem legal de autoridade militar no exercício da função, em águas sujeitas à atuação da Marinha, ele deve responder por desobediência militar, crime previsto no artigo 301 do Código Penal Militar. Dessa maneira, o MPF opinou pela incompetência da Justiça Federal para analisar o caso, com a transferência do processo para a Justiça Militar da União.

Em decisão de 15 de outubro, o juiz federal Frederico Montedonio Rego reconheceu a “inconstitucionalidade, inconvencionalidade e não recepção” dos dispositivos do Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969, art. 9º, I e III, na redação dada pela Lei 13.491/2017) que tipificam crimes militares por civis em tempos de paz e atribuem a competência da Justiça Militar para julgar esses casos.

O juiz ressaltou que a Constituição de 1988 não prevê hipóteses de submissão de civis à Justiça Militar em tempos de paz, ao contrário do que ocorria nas Constituições anteriores desde 1934.

De acordo com Rego, a função essencial da Justiça Militar em tempos de paz é a preservação da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas. Tanto que o Superior Tribunal Militar é composto de 15 ministros, sendo cinco civis com graduação em Direito e 10 oficiais-generais, dos quais não se exige formação jurídica. Como os civis não estão, por definição, sujeitos à hierarquia e à disciplina militares, não se justifica que respondam na Justiça Militar, com tratamento equiparado ao de militares e mais gravoso que o dos crimes comuns, avaliou o juiz.

O julgador também destacou que os civis não respondem por crimes militares nos estados. Dessa maneira, não se justifica a diferença de tratamento na Justiça Militar da União. Ele ainda apontou que a submissão de civis à Justiça Militar contraria normas e decisões dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos aos quais o Brasil está sujeito. A prática também foi considerada violadora dos princípios da isonomia, do juiz natural e da imparcialidade objetiva do Poder Judiciário.

Caso no STF
Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 289, a Procuradoria-Geral da República pede que o artigo 9º, I e III, do Código Penal Militar seja interpretado como define a Constituição de 1988 e seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempos de paz. A PGR também requer que esses crimes sejam submetidos a julgamento pela Justiça Comum.

O ministro Gilmar Mendes é o relator da ação no Supremo Tribunal Federal. A ADPF chegou a ser pautada para julgamento em outubro, mas saiu do calendário sem ser apreciada.

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Processo 5038654-35.2019.4.02.5101

Redação

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