O Ministério Público Federal (MPF) apresentou à Justiça Federal em Juína pedido para suspender os efeitos de decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública que desaprovou a delimitação da Terra Indígena Menkü, situada no município de Brasnorte (a 587 km de Cuiabá).
Na petição formulada em ação civil pública, o MPF solicita que a Justiça determine a emissão de outra decisão no lugar do despacho questionado para assegurar o respeito à Constituição, a entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e a decisões judiciais já proferidas no caso.
A Terra Indígena Menkü foi delimitada ainda na década de 1970, pelo próprio fazendeiro vizinho à região. Não houve qualquer estudo técnico, científico ou antropológico à época. Por ter sido feito em desacordo com a legislação atual, o procedimento passava por revisão para considerar a área de ocupação tradicional dos indígenas, análises demográficas, pareceres antropológicos, entre outros estudos.
Entretanto, a decisão do Ministério da Justiça – assinada em novembro do ano passado por Anderson Torres, então ministro – paralisou o processo, sob a alegação de suposta decadência do direito de revisão da demarcação por transcurso de prazo. Além disso, o MJ citou como precedente o entendimento do STF no caso Raposa Serra do Sol, que impediria a ampliação da área tendo em vista que os indígenas não a ocupavam no momento da promulgação da Constituição de 1988.
No pedido apresentado à Justiça, o procurador da República Ricardo Pael afirmou que o prazo de cinco anos para anulação de atos administrativos previsto artigo 54 da Lei 9.784/1999 não se aplica aos direitos assegurados pela Constituição, o que inclui o direito dos indígenas aos territórios de ocupação tradicional.
Para ele, um processo que pretende rever uma demarcação realizada sem observância das diretrizes do art. 231 da Constituição não está sujeito à decadência em prazo de cinco anos.
“Aplicar a decadência nesse caso consiste em violar duplamente a Constituição Federal, seja por admitir a convalidação de ato inegavelmente ilegal e inconstitucional, seja por utilizar a legislação infraconstitucional para restringir a efetivação de um direito assegurado na Constituição”, afirma o procurador. Ele lembra que os direitos territoriais dos povos indígenas são imprescritíveis, conforme art. 231, § 4º da CF.
Ao desconsiderar esses aspectos, o despacho do Ministério da Justiça contrariou diversas decisões do STF sobre a inaplicabilidade do prazo de decadência a atos inconstitucionais e também decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que, ao analisar a demarcação da Terra Indígena Menkü, entendeu que a sua revisão era viável.
Caso Raposa Serra do Sol
O procurador também defendeu que as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol (PET 3.388) não se aplicam ao processo que trata da Terra Indígena Menkü. Parecer da Funai que analisou o caso concreto apontou que a condicionante de não ampliação do território anteriormente delimitado não é válida nas hipóteses em que há vícios ou erros na demarcação original capazes de prejudicar os povos tradicionais. Como isso já havia sido analisado e afastado pela Funai, o ministro não poderia, sob o fundamento da inadequação, desaprovar a demarcação, defende o procurador.
Ricardo Pael lembrou ainda que a decisão do STF no caso Raposa Serra do Sol é válida apenas para aquele caso concreto, como reafirmou o próprio Tribunal em julgamentos posteriores.
Além disso, o despacho do MJ desrespeitaria a decisão proferida no julgamento da apelação em mandado de segurança, que expressamente afastou a aplicação da decisão da PET 3.388 ao caso da Terra Indígena Menkü.
Para o MPF, o despacho configura “via oblíqua de burlar as decisões” judiciais. Por isso, pede que a Justiça determine a emissão de nova decisão para dar andamento ao processo de demarcação do território.