Por trás das startups mais valiosas do Brasil, há um grupo de investidores com muito dinheiro no bolso e pouco medo de errar. Reunidos em fundos de investimentos, eles são especializados em garimpar ideias que podem virar negócios bilionários, como Nubank, Movile, Stone, 99, PagSeguro e Gympass – empresas brasileiras que se tornaram unicórnios por ultrapassar a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado. Desde 2011, quando a onda do empreendedorismo digital começou a decolar no País, eles aportaram quase R$ 13 bilhões por aqui.
Só no ano passado, os fundos – chamados de venture capital – investiram US$ 1,3 bilhão (R$ 5,1 bilhões): volume 51% superior ao de 2017, segundo dados da Associação Latino-americana de Private Equity e Venture Capital (Lavca, na sigla em inglês). O montante representou 65% de todos os investimentos feitos na América Latina. Os números devem continuar em alta este ano. Em meados de março, a gigante japonesa Softbank anunciou o lançamento de um megafundo de US$ 5 bilhões (R$ 19,8 bilhões) para investir em startups na região. A expectativa é de que parte dos recursos seja alocada em empresas brasileiras.
Esse apetite faz parte de um movimento iniciado nos últimos anos por fundos como monashees, Kaszek, Redpoint eVenture, Valor Capital e 500 Startups. Na linha de frente desses fundos estão ex-executivos de grandes empresas, diplomatas e empreendedores que venderam seus negócios e são agora investidores. A lista inclui o fundador do Buscapé, Romero Rodrigues; os ex-Mercado Livre Hérnan Kazah e Nicolás Szekasy; o ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Clifford Sobel; e o herdeiro da família que controla o grupo Ultra, Fabio Igel. Eles integram o time dos principais “caçadores” de unicórnios do País.
A lógica de investimento deles é diferente da aplicada por outros fundos de mercado. Com maior apetite ao risco, investem quantias entre R$ 100 mil e R$ 300 milhões em várias empresas ao mesmo tempo. Eles sabem que a maior parte delas vai ficar pelo meio do caminho, mas aquelas que “vingarem” vão compensar os fracassos. A venda da 99 para a chinesa Didi, por exemplo, rendeu a investidores retorno 60 vezes o montante aplicado. O valor do negócio foi de quase US$ 1 bilhão.
“Investir em startups é pensar no que pode dar certo. Quanto mais nova, mais você precisa focar no time e no sonho”, afirma Anderson Thees, sócio do fundo Redpoint eVentures – que investe em startups como Viajanet, Gympass e Resultados Digitais. Segundo ele, a estratégia é bem diferente de investir numa empresa madura, na qual o foco está no negócio em si, no histórico e em como ela foi construída. “É futuro versus passado.”
Também não é fácil encontrar uma ideia capaz de virar um unicórnio. A sócia do fundo americano 500 Startups, Bedy Yang, conta que todo ano avalia 5 mil empresas no mundo para investir. A taxa de aceitação é de apenas 1%. O fundo tem 2 mil companhias no portfólio, sendo 10 unicórnios. No Brasil, já investiu em 40 startups e ainda não saiu de nenhuma.
‘Sonho de consumo’
Num país onde o crédito é escasso e caro, esses investidores viraram a principal fonte de recursos para desenvolver negócios em estágio inicial. Mais que isso: são o “sonho de consumo” de quase todo empreendedor. Exemplo disso é o total de acordos fechados no ano passado. Pelos dados da Lavca, foram 259 negócios ante 113 em 2017 – avanço de quase 130%.
“Mesmo com a crise econômica, a atividade desses fundos nunca foi tão intensa”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital, Piero Paolo Minardi. Para ele, esse movimento está engatinhando no Brasil. “Está tudo por fazer. Portanto, essa indústria tem potencial de dobrar de tamanho em pouco tempo.”
Para Paulo Veras, fundador da 99, a sociedade não tem noção de como esse mercado está quente. No passado, diz ele, o País tinha bons projetos, mas não tinha dinheiro para tirar do papel. Hoje, a situação é outra: “O mercado nunca teve tanto dinheiro para startup”.
De olho em startups brasileiras desde 2008, o sócio da Valor Capital, Michael Niklas, diz que o mercado amadureceu muito no período. “Em 10 anos, tivemos um boom na banda larga e tudo ficou mais fácil, porque o Brasil ficou mais conectado.”