Economia

Proposta de terceirização divide opiniões de especialistas

O projeto de lei que libera a terceirização no mercado do trabalho tem causado divergência por causa dos efeitos colaterais que a proposta poderá acarretar. Empresários e entidades patronais afirmam que a flexibilização das leis trabalhistas poderá acelerar o reaquecimento do mercado e ajudar o país a sair da crise econômica. 

No entanto, juristas e especialistas em legislação trabalhista afirmam que a alta rotatividade de empregados que a terceirização provoca irá relaxar direitos hoje garantidos por lei, como piso salarial, férias e medidas de segurança do trabalho.

O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Amatra) da 23ª Região, juiz Agnaldo Locatelli, afirma que o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados possibilita a terceirização irrestrita de empresas, com maior tempo de validade desse tipo de trabalho, de seis para nove meses.

Hoje, o contrato de terceirização está limitado a três meses e em caso de estourar esse prazo de permanência, o empregador tem a obrigação de cobrir os direitos trabalhistas previstos para contratados diretos.

Na prática, isso significa que as empresas tomadoras de serviços poderão contratar empresas terceirizadas para fornecer trabalhadores sem vínculo empregatício direto.  Por exemplo, o comércio poderá transferir para uma terceirizada os serviços de cobrança, de faxina e até mesmo de venda.

O tempo de serviço nesse modelo sobe de três para seis meses com a possibilidade de ser prolongado por mais três meses, ou seja, chegando a nove meses. Uma vez encerrado o contrato, a empresa tomadora do serviço não terá a obrigação de cumprir medidas com aviso prévio, pagamento de multas, como os 40% de rescisão.

“E o empregado só poderá ser disponibilizado para a mesma empresa tomadora de serviços depois de nove meses. Isso quer dizer que ele, se continuar no mercado do trabalho, mudará de emprego a cada nove meses e ficará sem direito a férias, porque sai de uma empresa para outra sem vínculo direto”, explica o juiz Locatelli.

O magistrado afirma que esse novo modelo tende a inverter o quadro de tipos de contratações no país. Hoje, numa população de 47 milhões de trabalhadores, 35 milhões são contratados diretos por empresas tomadoras de serviço e outros 12 milhões têm contrato de terceirizada.

Outro retrocesso apontado pelo juiz é a redução da renda mensal do trabalhador terceirizado, que ganha até 30% a menos que profissional com vínculo direto com as tomadoras de serviços. Outro fator negativo ressaltado é o número de acidentes de trabalho com terceirizados como vítimas. Conforme a Associação Latino-americana de Juízes do Trabalho (ALJT), a proporção no Brasil está em oito terceirizados para dois contratados diretos.

“Isso indica que as empresas terceirizadas estão com menos atenção às medidas de segurança de trabalho. Se houver a inversão do número de contratos para terceirizados (12 milhões para 35 milhões), a lógica é que o número de acidentes tenda a aumentar também”.

Projeto foi aprovado com 231 votos a favor e 188 contra

A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) 4.302/1998, de autoria do Executivo, que libera a terceirização para todas as atividades das empresas no dia 22 de março. O projeto foi aprovado por 231 a favor, 188 contra e 8 abstenções.

O Senado divulgou que projeto com maior proteção para os trabalhadores poderá ser apresentado, mas não há informação oficial dessa nova proposta. O presidente Michel Temer chegou a cogitar aguardar a nova proposta para avaliar a sanção e também não deu posicionamento oficial sobre o projeto.

Pelo projeto, as empresas poderão terceirizar também a chamada atividade-fim, aquela para a qual a empresa foi criada. A medida prevê que a contratação terceirizada possa ocorrer sem restrições, inclusive na administração pública.

Atualmente a legislação veda a terceirização da atividade-fim e prevê a adoção da prática em serviços que se enquadrem como atividade-meio, ou seja, aquelas funções que não estão diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa.

O projeto que foi aprovado pelo plenário da Câmara também modifica o tempo permitido para a contratação em regime temporário dos atuais três meses para 180 dias, “consecutivos ou não, autorizada a prorrogação por até 90 dias, consecutivos ou não, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram”, diz o projeto.

Decorrido esse prazo, o trabalhador só poderá ser contratado novamente pela mesma empresa após 90 dias do término do contrato anterior. O texto estabelece a chamada responsabilidade subsidiária da empresa contratante em relação aos funcionários terceirizados.

A medida faz com que a empresa contratante seja “subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário e em relação ao recolhimento das contribuições previdenciárias”, diz o texto.

Comércio e construção dizem que mercado ficará dinâmico

O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) Cuiabá, Célio Fernandes, afirma que a proposta de terceirização trará mais dinâmica para o mercado de trabalho e vai criar novos nichos de trabalho.

“Existe uma legislação trabalhista obsoleta, onerosa para o empregador. Se a legislação for alterada, aparecerão novos meios de trabalho. Hoje, muitos empresários querem fazer um trabalho promocional, de divulgação, por exemplo, e não fazem porque teriam que contratar”.

Ele diz que outra vantagem para os empresários é a possibilidade de pular a fase de treinamento de contratados e o custo com equipamentos para os serviços. “O profissional já chega preparado para trabalhar. Em caso de faltar um profissional, não haverá problema para prestar o serviço porque a empresa terceirizada disponibiliza outra pessoa”.

O presidente do Departamento de Meios Trabalhistas do Sindicato das Indústrias da Construção Civil de Mato Grosso (Sinduscon-MT), Cláudio Ottaiano, diz que também que a mudança na legislação de trabalho pode aumentar a especialização e o aprimoramento da mão de obra.

“Se você imaginar que na construção civil os trabalhos são feitos em etapas, as contratações ocorrem conforme as etapas vão avançando. E quando uma etapa de termina, o profissional será dispensado. Isso representa foco em uma área de serviços, o que leva a um melhor conhecimento e execução”.

Quanto à rotatividade de trabalhadores no mercado, ela afirma que, no caso, a construção civil é o primeiro setor a se aquecer no avanço da economia, o que representa aberturas paralelas de canteiros de obras.

“O profissional especializado vai sair de um canteiro e passar para outro pela qualidade de serviço. Não haverá redução de mercado, pelo contrário, tende a aumentar o trabalho”.

Juiz diz que terceirização pode aumentar conflitos trabalhistas

O juiz Agnaldo Locatelli diz que o projeto de lei de terceirização não fere a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). No entanto, ele chama atenção para a alteração que flexibilização do trabalho representará no longo prazo e os efeitos no trâmite de processos trabalhistas.

“É preciso chamar atenção para o retrocesso que o aumento da terceirização representa. Se hoje é um grande número de processos trabalhistas, esses números tendem a aumentar por causa dos conflitos de direitos que irão gerar a flexibilização. Tende a aumentar também a precarização das condições do trabalho”.

Ele cita como exemplo a indefinição quanto aos casos em que a futura lei poderá ser aplicada.

“O projeto diz que é em atividades específicas. Mas quais são essas atividades? Pode ser para a atividade-meio, por exemplo, cobrança, vigilância, para a atividade-fim, aquela que é a principal da empresa, como vendedor no comércio”.

Ele diz também que a mudança poderá ter reflexo no recolhimento para a Previdência, visto que os vínculos diretos serão reduzidos, o governo terá menor volume de dinheiro para arrecadar para a área.

“O presidente Michel Temer já manifestou preocupação quanto ao que pode ocorrer com a terceirização para a área da Previdência. E aí a gente entra num campo maior de análise. A mudança não passa só pelo modelo de contratação, é necessária uma reforma trabalhista, da Previdência, do Fisco, pois temos grandes empresas devendo volumes grandes de dinheiro para a Previdência. A questão de aumentar ou não a terceirização é só a ponta do iceberg”.

Ele defende a abertura de diálogo por meio de sindicatos fortalecidos, o que não é previsto no projeto de lei aprovado pela Câmara. “É preciso abrir diálogo por meio de sindicato fortalecido para negociar condições de trabalho. A expansão da terceirização torna pouco provável que isso aconteça”.

Principais pontos do projeto de aumento de terceirização

* Permite a terceirização na atividade-fim;
* Permite a quarteirização (terceirizada pode subcontratar outra empresa);
* Permite a “pejotização” (contratação de pessoal física em modelo de pessoa jurídica para camuflar vínculo empregatício);
* Não aborda a questão da representação sindical;
* Não regulamenta a terceirização no âmbito da administração pública direta;
* Proíbe contratação de trabalho temporário para substituição de trabalhadores em greve, salvo nos casos previstos em lei;
* Explicita a inexistência de vínculo empregatício entre a tomadora de serviços e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário;
* Decorrido o prazo do contrato de trabalho temporário, o trabalhador só poderá ser colocado à disposição da mesma empresa após 90 dias;
* Responsabilidade subsidiária da contratante em relação às obrigações trabalhistas;
* Não prevê igualdade de remuneração e jornada de trabalho, nem proteção previdenciária e contra acidentes.

Fonte: Amatra

Reinaldo Fernandes

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