Ao chegar no Centro de Manutenção e Controle Operacional (CMCO) do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) Cuiabá – Várzea Grande, a primeira imagem é de uma montanha de postes, cabos e outros materiais. A entrada do grande galpão é semelhante a de uma obra inacabada, está cercada por mato, tem paredes gastas e sem reboco.
É ali, próximo ao Aeroporto Marechal Rondon, em Várzea Grande, que está guardado um dos grandes patrimônios do transporte público de Cuiabá: as locomotivas, os 40 vagões e todo equipamento tecnológico do VLT, que custaram aos cofres públicos cerca de R$ 900 milhões.
Em outro galpão, trancado com correntes e cadeados, estão armazenados os materiais elétricos do VLT, como os ar-condicionados que serão utilizados na CMCO e nas estações, bobinas, transformadores, entre outros.
Os vagões ficam em frente a um prédio enorme onde funcionaria o centro operacional. É dali que um dia, se tudo der certo e as autoridades conseguirem vencer o imbróglio jurídico que cerca o projeto, serão geradas as informações para os usuários desse sistema, através de painéis informativos espalhados nas futuras 34 estações.
No dia 25/01, a reportagem do Circuito Mato Grosso visitou o local para entender como funciona a manutenção e como esta a conservação do equipamento mecânico e tecnológico do VLT Cuiabá, adquirido da empresa CAF Brasil Indústria e Comércio S.A, uma subsidiária da espanhola Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles S.A. (CAF), uma das integrantes do consórcio VLT Cuiabá. O consórcio é formado pelas empresas Santa Bárbara, C.R. Almeida, CAF Brasil Indústria e Comércio, Magna Engenharia Ltda. e Astep Engenharia Ltda. Não foi permitido a reportagem filmar o interior dos prédios onde estavam o material do VLT.
Os seis funcionários que empurram o VLT
“Quando falamos para a sociedade, que vamos fazer e entregar a obra. Está aqui”, disse o então governador Silval Barbosa (MDB), na entrega dos 40 vagões do VLT. Há quatro anos chegavam os vagões e locomotivas do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que são cuidados por seis funcionários da CAF.
Hoje, os testes para garantir a manutenção das locomotivas e vagões são feitos à tração humana. Seis funcionários da CAF Brasil colocam areia nas rodas dos vagões e locomotivas, para que haja atrito com os trilhos, e depois o vagão é literalmente "empurrado". Um ritual quase diário, e uma das poucas garantias para que os R$ 900 milhões de equipamentos adiquiridos não se percam.
Regularmente a CAF tem que entregar um relatório para o secretário da Secretaria Estado das Cidades (Secid), Wilson Santos (PSDB), o responsável pelos testes em Várzea Grande, também envia outro relatório para a sede da empresa em São Paulo .
O secretário adjunto de cidades, José Picolli, garante que todo o equipamento do VLT está nas mesmas condições que chegaram. Dentro dos vagões há a sensação de que ver o VLT funcionar seria um verdadeiro sonho para os mato-grossenses. Ao sair das modernas locomotivas, o choque do prédio onde estão abrigados nos traz de volta à realidade atual do projeto.
Também não é feito o teste dinâmico, o que literalmente faria funcionar esses veículos movidos à energia. Assim, podem haver algum ou outro pequeno problema totalmente desconhecidos dos seis funcionários da CAF que operam em Várzea Grande. Os testes completos não são realizados devido ao alto custo com energia elétrica que demandariam.
“Os vagões parecem que vieram de fábrica ontem, se fazermos um teste dinâmico nos 40 vagões dá para ver algum problema, que pode ser resolvido de imediato. Sempre é feito testes rotineiros em todos os equipamentos como rádios e softwares, a vida útil dele é 30 anos, ele foi feito para rodar na chuva, no sol e até na neve”, conta.
Picolli conta que nenhum material que está armazenado no local será jogado fora. “Possa ser que perdemos alguma peça de concreto no empilhamento, porém aqui está tudo certo para usar na obra e além disto, está tudo pago. Nós já tínhamos esta margem de quebra. O governador Pedro Taques (PSDB) tem interesse em tocar a obra”, explicou.
Furtos e pichações no VLT
O adjunto falou que, vândalos já roubaram alguns materiais elétricos como cobre e pincharam os vagões. “A equipe da CAF sempre faz uma manutenção quando acontece algo mínimo com o vagão, como pichações e outra avaria. Já aconteceram pequenos roubos aqui e até pichações no VLT, isto foi bem no começo”, conta.
Questionado sobre o custo da manutenção, Picolli esquiva. “Não podemos falar agora, se custo 10 ou custa 100”.
Os trilhos do local estão emborrachados, assim serão todos quando as obras tiverem prontas. Apenas 5,5 km estão deste modo, da primeira estação (no aeroporto) até o viaduto da Avenida da FEB, ainda em Várzea Grande.
As Operações Ararath, Descarrilho e o futuro incerto com a CAF
Para quem viveu na pele as intervenções para as obras de mobilidade urbana para Copa-2014 em Mato Grosso, o VLT é até hoje sinônimo de transtorno e muito estresse. Trânsito que atrasava, aglomerado de carros em trechos das principais avenidas e rotas de saídas mal planejadas. O projeto que prometia uma modernização inédita de Cuiabá e Várzea Grande resultou na montanha de equipamentos guardados no centro de controle em Várzea Grande.
A falta de estudo técnico, um atraso de quase quatro anos e uma longa disputa jurídica culminaram também na prisão do ex-governador Silval Barbosa, o executor das obras da Copa 2014, e boa parte de seu staff. As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público apontaram que cerca de R$ 18 milhões do projeto do VLT foram desviados para a corrupção. Depois do caos político gerado a partir da Operação Ararath, da Polícia Federal, que investiga esse e outros delitos, os poucos metros de trilhos do VLT construídos nas cidades de Cuiabá e Várzea Grande tornaram-se mitos, um sonho quase impossível de ser concretizado.
O consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande está formalmente afastado do projeto desde a Operação “Descarrilho”, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, de agosto de 2018. O MPF culpa o Estado de adquiriu vagões em excesso para garantir o pagamento da propina de R$ 18 milhões para o ex-governador Silval Barbosa. Além de fraude, a operação acusa os envolvidos de associação criminosa, corrupção ativa e passiva, peculato e lavagem de dinheiro.
O grande problema é que o equipamento adquirido pelo Estado pertence a empresa CAF Brasil, e tem um seguro de dois anos para ser montado por essa empresa. Caso a CAF, por conta da Operação Descarrilho, seja totalmente afastada do consórcio e impedida de entrar em uma nova concorrência do VLT Cuiabá, a possibilidade de outra montadora, como a francesa Alston, que tem quatro unidades operando no Brasil, montar o equipamento fabricado pela CAF, pode gerar gastos, atrasos e talvez, até o fracasso completo de um gasto de R$ 900 milhões só em equipamentos.
No dia 11 de janeiro, a desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) proibiu a Secid de rescindir de forma unilateral o contrato de R$ 1,47 bilhão com o Consórcio VLT Cuiabá – Várzea Grande. A decisão deverá ser respeitada até a conclusão de um recurso administrativo. A decisão proibiu o Governo do Estado de lançar um novo edital para a conclusão do modal de transporte.
A liminar atendeu a um mandado de segurança impetrado pelas empresas que compõem o consórcio – C.R. Almeida, Santa Barbara Construções e CAF Brasil Indústria e Comércio.
O que diz o Consórcio e a SECID
O Consórcio VLT Cuiabá-Várzea Grande registra que todos os procedimentos de manutenção dos trens são realizados rotineiramente, dentro dos padrões técnicos e de acordo com o cronograma especial desenvolvido pela empresa consorciada responsável pela fabricação, guarda e manutenção do material rodante.
A CAF Brasil foi procurada pela reportagem do Circuito Mato Grosso, mas declarou que não iria se posicionar.
Segundo o secretário Wilson Santos, o Estado vai recorrer da decisão do TJMT. "Demos todos os prazos para o consórcio fazer a sua defesa, tanto que eles fizeram essa defesa. E a decisão da desembargadora Maria Bezerra, foi parcial e acatou apenas parte do pedido. A Procuradoria Geral do Estado vai receber da Secid todos os documentos, para que faça a pesquisa com a Justiça. Enquanto isso a Secid vai tocar a sua vida normalmente. Nós continuaremos fazendo o estudo para definir o preço final e vamos fazendo o edital. Aqui não mudou nada. Os trabalhos continuam, em ritmo cada vez mais acelerado. Agora a defesa jurídica continua com a PGE. O governo vai continuar trabalhando para reformar a decisão do Tribunal, essa decisão foi de uma desembargadora. Nós vamos recorrer, pois o TJMT tem 30 desembargadores. Nós vamos recorrer a essa decisão, à Câmara Técnica que ela pertence e ao Pleno. Nós não desistiremos. Nós sabíamos que não seria fácil, são muitos desafios, embargos e dificuldades, e poucos para ajudar. Mas a determinação do governador Pedro Taques é que a gente siga em frente e continuemos trabalhando."
O projeto pode custar um bilhão a mais
O projeto, orçado em R$ 1,477 bilhão, e prevê que os veículos formados por um sistema de bondes passem pelos canteiros centrais das principais avenidas de Cuiabá e Várzea Grande: a Historiador Rubens de Mendonça (Avenida do CPA), FEB, XV de Novembro, Tenente-Coronel Duarte (Prainha), Coronel Escolástico e Fernando Corrêa da Costa.
O projeto incluía não apenas a implantação dos trilhos e construção dos vagões do metrô de superfície, mas também a execução de 12 obras de arte, entre pontes, trincheiras e viadutos.
Entre as obras de engenharia civil, estão finalizadas as construções dos viadutos da Sefaz, MT-040, viaduto UFMT, em Cuiabá, e o Viaduto do Aeroporto, e a ponte sobre o Rio Cuiabá (paralela à ponte Júlio Müller) em Várzea Grande.
Estão sendo executadas ou não foram sequer iniciadas as obras das trincheiras Luiz Felipe (na Avenida do CPA) e do Km Zero (na Avenida da FEB), bem como o Viaduto da Beira Rio e duas pontes sobre o Rio Coxipó (Avenida Beira Rio).
Também estão previstas a construção da Trincheira Trigo de Loureiro (na Avenida do CPA), que compreende ainda o alargamento do Viaduto da Miguel Sutil, na região. E as obras para construção dos três terminais de Integração do VLT (Coxipó, CPA e Porto) e a implantação da via permanente nas avenidas João Ponce de Arruda, FEB, XV de Novembro, Avenida do CPA e na Fernando Corrêa da Costa.
Outros projetos especiais que faltam é o reforço do Canal da Prainha, na Avenida Tenente Coronel Duarte, bem como construção de uma passagem de pedestres nas proximidades do Viaduto da Miguel Sutil, na Avenida do CPA. Isso se for respeitado o projeto inicial do qual ainda falta o pagamento de passivos cerca de R$ 327 milhões de reais, referentes justamente ao equipamento que está no centro de operações em Várzea Grande.
O consórcio, que recebeu mais de R$ 1 bilhão, alega que serão necessários cerca de R$ 1,1 bilhão para concluir essas obras.
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