Tribunal garante indenização à família que há dez anos luta por reparação pela morte de policial civil em serviço. A Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) rejeitou o recurso do Estado de Mato Grosso no processo de dano material e moral a família de Cáceres (220km de Cuiabá), que desde junho de 2008 aguarda pela indenização.
Os autores da ação eram a esposa e o filho do policial civil João Aquino Lovor, que foi baleado ao atender uma ocorrência em Cáceres. Eles entraram com um processo contra o Estado. O entendimento da família é que o órgão público foi omisso em não disponibilizar materiais de segurança para os policiais. A oferta de uma coleta de balas, por exemplo, teria evitado a sua morte.
Nesta ação, o Estado buscava esclarecimentos de um acordão na segunda instância, que manteve a decisão da Quarta Vara Cível de Cáceres. A magistrada desta comarca havia condenado o órgão a pagar uma indenização por danos morais e honorários advocatícios no valor de R$ 60 mil e R$ 4mil, respectivamente. A entidade estatal alegava a falta de conexão entre a morte do policial e a omissão de fornecer o colete a prova de balas ao policial. Para o Governo, a decisão não apreciou a questão da morte do policial.
Contudo, o desembargador Marcio Vidal, relator do caso, rejeitou os argumentos do ente estatal. “Não se pode considerar o acórdão omisso por ter adotado entendimento diverso do pretendido pelo Embargante (Estado de Mato Grosso)”, escreveu. Assim, a decisão do juiz de Cáceres foi mantida e a turma da Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo acompanhou a unanimidade o voto do relator.
A decisão foi dada no dia 19 de março, mas oficializada nesta segunda (26) pelo Diário Oficial. O processo corria na 2º Instância.
A HISTÓRIA
Era por volta do meio-dia de 17 de junho de 2008, quando o policial civil João Aquino Lovor e mais um colega foram atender uma ocorrência em um conjunto de quitinetes no bairro Vila Boa Nova do município de Cáceres. Eles acompanhavam um inquilino que tinha ido até a delegacia da cidade para denunciar Luiz da Maia Filho, proprietário dos imóveis, por ameaça e porte de arma, segundo o jornal Diário de Cuiabá.
Quando chegaram ao local, os policiais pediram a Maia para erguer a camisa. Mas, pegos de surpresa, o proprietário começou a atirar. João Lovor foi baleado no peito e morreu, após dar entrada no Hospital Regional de Cáceres. Já o colega foi atingido na cabeça.
Luiz fugiu por um matagal nas proximidades. Mas antes ele teria levado a arma de um dos policiais. Segundo a reportagem do jornal, "informações não confirmadas pela polícia apontam Luiz Maia Filho, de 54 anos, como militar reformado do Exército".
Ele ficou foragido por poucos dias. Luiz estava em uma fazenda de um amigo e ainda estava com a arma de um dos policiais. Ele estava conversando com o dono do sítio no momento da prisão. Inicialmente, ele reagiu e entrou em confronto com os policiais. Mas, ao perceber que seria preso, ele disparou um tiro contra a própria cabeça e morreu na hora.
FAMÍLIA ENTRA COM PROCESSO
A esposa de João Aquino Lavor e seu filho entraram na Justiça para condenar o Estado. Eles alegaram a falta de responsabilidade do Estado “de enviar os policiais civis sem a devida proteção e aparelhagem para atender a ocorrência”. A família pediu, então, que o Estado fosse condenado por danos morais. Além disso, requeriam o pagamento de uma pensão alimentícia de R$ 19.943,39 para mãe e filho até que o falecido completasse 65 anos.
Em 12 de novembro de 2015, a juíza Joseane Carla Viana Quinto, da Quarta Vara Cível da Comarca de Cáceres, julgou parcialmente procedente o pedido da família. A magistrada condenou o Estado a pagar R$ 60 mil com correções monetárias e juros a mãe e o filho, e os honorários advocatícios no valor de R$ 4 mil.
A juíza deixou em aberto a possibilidade do reanálise da sentença, que é um instrumento jurídico que leva a decisão para ser reapreciada pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. Neste caso, a ação sobe para a segunda instância e não transita em julgado, ou seja, a decisão não pode ser cumprida e arquivada até que os desembargadores avaliem a questão.
PRIMEIRO RECURSO
Nesta ação, que correu na 2º Instância, o desembargador Marcio Vidal percebeu a conexão entre a diligência do policial e a sua morte. Para o magistrado, é dever de o Estado garantir a segurança dos seus servidores no exercício de sua atividade. Por isso, esta premissa legal foi quebrada com a falta de equipamentos necessários, como um colete a prova de balas, pois é obrigação da Secretária de Segurança Pública fornecer ao agente o material necessário.
“Os elementos trazidos aos autos são suficientes para atribuir responsabilidade indenizatória ao Estado, que quer se considere de natureza objetiva ou subjetiva não fazem por eximir sua responsabilidade, por não proporcionar segurança a seus servidores, atitude esta que seria suficiente para evitar o incidente”, escreveu em sua decisão.
Assim, a morte de Lavor poderia ter sido evitada, pois ficou “devidamente comprovado que o agente público local não dispunha de material de segurança”. Para o desembargador, manifesta-se também a culpa do Estado por ser omisso quanto a falta do equipamento protetor. Está escancarada, portanto, a responsabilidade do Estado, que “reside no dano causado a seu servidor no exercício do trabalho”.
“Ademais, no que diz respeito à existência de danos morais, desnecessárias grandes delongas, pois a perda de um ente querido, no caso, do companheiro da demandante e pai de seu filho, é fato que, por si só, ocasiona severo abalo de ordem moral, uma vez que a morte é o dano maior que se pode considerar”, decidiu.
Assim, o desembargador manteve o pagamento de danos morais em R$ 60 mil com correção de juros e correção monetária, e dos honorários advocatícios de R$ 4 mil.
A Primeira Câmara do Direito Público e Privado votou em unânime nos termos do relator, o desembargador Marcio Vidal, em 21 de agosto de 2017.
EMBARGOS REJEITADOS
Segundo os autos do processo, o Estado de Mato Grosso impetrou embargos de declaração (um tipo de recurso em que se buscam esclarecimentos sob pontos omissos, obscuros ou contraditórios da sentença de um magistrado) contra este primeira ação na segunda instância. Ele argumentou que o acordão da decisão "é omisso e contraditório", pois "não apreciou a questão da morte do policial".
Assim, o Estado alegou a falta de conexão entre o evento produzido (a morte do policial) e o comportamento a si imputado (responsabilidade do colete a prova de balas). Por fim, pediu ao desembargador relator para acolher a peça e sanar as contradições presentes no acordão.
Para o desembargador Marcio Vidal, relator do caso, não se pode considerar a decisão omissa só por que ela dirvege do entendimento do acusado ou do recorrente. Além disso, o magistrado pontupou que toda a matéria foi devidamente analisada e que o Estado não trouxe nenhum fato ou argumento novo para descontruir a decisão do acordão. "A alegação de omissão e de contradição no decisum embargado é despropositada e mera irresignação na tentativa de reapreciação da matéria já julgada", escreveu.
"Veja-se que o acórdão foi claro ao registrar que os elementos trazidos aos autos são suficientes para atribuir responsabilidade indenizatória ao Estado, que quer se considere de natureza objetiva ou subjetiva não fazem por eximir sua responsabilidade, por não proporcionar segurança a seus servidores", analisou.
Deste modo, Vidal rejeitou os embargos de declaração em seu voto. A Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo acompanhou em unânime a decisão do relator do caso. A Turma é composta pelos desembargadores Maria Erotides Kneip Baranjak, Luiz Carlos da Costa, José Zuquim Nogueira, Antônia Siqueira Gonçalves Rodrigues, Helena Maria Bezerra Ramo e Márcio Vidal, que é o presidente deste colegiado.