Quem acusa policiais de tortura precisa comprovar o abuso. Na falta de exames de corpo de delito, é preciso, ainda assim, provar que era impossível fazê-los depois do evento denunciado. Sem isso e sem testemunhas, não há elementos para a condenação.
O entendimento é do juiz Marcello Ovidio Lopes Guimarães, da 18ª Vara Criminal do Fórum Criminal da Barra Funda, ao inocentar três policiais civis acusados de torturar presos em flagrante por roubo.
Na ação, os presos acusavam os agentes de tê-los torturado para confessar um crime de roubo de carga usando banhos frios, socos, chutes, pau de arara, além de choques elétricos nas pernas, nas nádegas e nas partes genitais. As torturas foram denunciadas por seus parentes.
Todos os policiais, representados pelo advogado Daniel Bialski, negaram as acusações. Um deles, que atua como carcereiro na delegacia onde as supostas torturas teriam ocorrido, destacou em seu depoimento que seria morto se torturasse os presos, pois convivia com eles diretamente.
Uma testemunha, que diz ter sido vítima de outro crime praticado pelos presos, disse que foi à delegacia em duas ocasiões reconhecer os autores da ação e não viu marca alguma de tortura ou violência.
Além dela, os militares que prenderam os ladrões — que também chegaram a ser acusados de tortura —afirmaram que não viram qualquer sinal de violência. Com base nesses depoimentos, somado à ausência de laudo médico que comprovasse as agressões, o juiz da 18ª Vara Criminal inocentou os policiais.
“Está ausente prova suficiente da materialidade delitiva. Sabido que em casos como o presente, em razão dos evidentes vestígios que perduram por tempo bastante razoável nos corpos das vítimas, causados por alegadas sessões de tortura (choques e socos que evidentemente causam machucados e hematomas), pode e deve essa materialidade ser aferível por prova pericial-médica”, detalhou Marcello Guimarães.
Segundo ele, provas acessórias para comprovar os atos relatados só seriam aceitas caso fosse comprovada a impossibilidade de submeter as vítimas à perícia médica. “De modo a permitir prova da materialidade por via oblíqua”, complementou.
Em sua decisão, o juiz destacou que esse não é o caso da ação analisada, pois logo após as supostas torturas, as vítimas reclamaram a seus familiares, que informaram esse fato à Comissão de Direito Humanos da cidade de São Paulo, à Corregedoria da Administração Penitenciária e ao Ministério Público paulista.
“Não se compreende, pois, a não realização de pronto exame de corpo de delito nas vítimas, ainda que algo mais tardio. De se reiterar que alguns hematomas podem deixar vestígios por vários dias, e mesmo já transcorrido certo tempo, a tecnologia médica hodierna permitiria aferição de eventuais vestígios por vias secundárias. Ainda que assim não fosse, nem menos exame de corpo de delito indireto foi realizado”, disse o julgador.
Ele ponderou ainda que o caso poderia ser provado por outros meios, “mas o fato é que a insuficiência de prova da materialidade permanece, ainda que por via transversa”.
(Conjur)