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Padrasto diz que escondeu versão de tiro acidental por medo de ser morto

A demora de Charle de Jesus Santos, 27 anos, em admitir que foi o autor do disparo que vitimou o enteado Guilherme Santos da Silva, 9, no final da tarde de terça-feira (22), em Barra de Pojuca, foi motivada pelo medo de também ser baleado e morto. Essa foi a versão contada pelo garçom, em depoimento prestado à polícia, nesta quarta (23), no qual ele alegou ter sido um tiro acidental que atingiu a nuca do garoto, dentro de um sítio de Cachoeirinha, zona rural de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador. 

Segundo o CORREIO apurou, Charle contou na delegacia de Monte Gordo, no Litoral Norte, que tinha receio que um traficante, tio de Guilherme, o matasse, já que imaginou que ele não acreditaria na versão que afirma ser a verdadeira.

O disparo saiu da espingarda calibre 28 de um homem apelidado Neném, amigo de Charle e caseiro do sítio onde o suposto acidente aconteceu, e atravessou a cabeça da criança, que morreu na hora.

Passeio trágico 

No depoimento, o padrasto contou que foi com o enteado até o sítio onde Neném trabalhava para pegar jaca, por volta das 17h40 de terça. Lá, Charle teria começado a manusear a arma do caseiro junto com o amigo e, então, atingido o garoto. O caseiro Neném, cujo nome de registro não foi informado, está foragido e a polícia investiga o seu paradeiro.

O tio de Guilherme, o supervisor de alimentos e bebidas Luís Gifoni, 30, disse que o sobrinho e o padrasto tinham o costume de ir buscar frutas nesse sítio, que era próximo à casa da criança. 

Ao CORREIO, o padrasto contou que tentava tomar a arma na mão do amigo na hora do suposto acidente. “Ele, o Neném, me chamou para o quarto e perguntou se eu ainda queria cobrar uma dívida de uma pessoa que me deve e me mostrou a arma”, contou. "Quando eu peguei a espingarda, o tiro saiu e atingiu o meu filho. Parece coisa do satanás porque eu nunca tive a intenção de matar um menino que eu amava mais do que minha própria filha", completou o autor do disparo.

Ainda segundo Charle, depois do tiro, Neném fugiu do local com a arma. "Na hora da explosão, ele saiu correndo pelos matos", comentou. 

Sem saber o que fazer, Charle disse que correu até a casa de Pedro, outro amigo que mora perto das proximidades do sítio, para buscar ajuda, mas Guilherme já estava morto. 

Versão desencontrada

O garçom, no entanto, entrou em contradição durante os depoimentos dados à polícia. Antes de assumir a autoria do disparo, o padrasto havia contado à família uma versão de que a criança foi morta por engano por uma pessoa não identificada, e que o alvo seria o caseiro Neném.

A verdade, porém, veio à tona no final da manhã desta quarta, quando ele foi intimado para ir à delegacia. "Quando a gente estava orando, de madrugada, bateu no meu coração a vontade de contar a verdade. Eu não consegui mais mentir porque isso acabou com a minha vida", relatou o padastro.

O caso é investigado pela delegada Aymara Bandeira Vaccani, titular da 33ª Delegacia (Monte Gordo). 

Charle foi autuado em flagrante por homicídio culposo – quando não há intenção de matar – e será levado para a carceragem da 26ª Delegacia (Abrantes), onde ficará à disposição da Justiça. Já o corpo de Guilherme permanece no Instituto Médico Legal (IML) de Salvador. O enterro está marcado para as 11h desta quinta, em Barra de Pojuca.

Sonhos de menino

Segundo familiares, Gui, apelido do menino, era apaixonado por cavalos e queria ser vaqueiro. Ele frequentava todas as cavalgadas da região e até já tinha ganhado sua primeira égua. “Ele já fez capoeira, tinha bicicleta e videogame, mas o negócio era com os cavalos”, disse o tio Luiz Antônio Rodrigues. "Estamos arrasados porque Gui era um menino tão bom, uma criança extrovertida. Minha irmã, a mãe dele, está acabada", completou o tio, desolado.

Guilherme morava com a mãe, Olga Silva, com a irmã, Bianca Silva, e com o padrasto, na região de Cachoeirinha, há cerca de quatro anos. A prima do garoto, Rita Mota, ainda não consegue acreditar no ocorrido. “Gui me chamava de tia e eu era muito apegada a ele. Não é justo que isso tenha acontecido com meu menino”, lamentou.

Protesto na Linha Verde

A morte de Guilherme chocou a família e comoveu toda a vizinhança de Barra de Pojuca. Nesta quarta, mais de 300 moradores seguiram para a Linha Verde, próximo à casa da avó da criança, para protestar e pedir justiça, além de segurança na região.

Vestido com uma camisa estampada com uma foto de Guilherme montado em um cavalo, Anderson Conceição, primo da vítima, gritava exaltado: “Eu quero justiça porque ele era uma criança. Toda semana uma criança morre nesse bairro e ninguém faz nada”.

Na pista, os manifestantes, que seguravam cartazes, queimaram pneus e troncos de árvores, bloqueando temporariamente o tráfego na Linha Verde. Todo o trânsito da região ficou afetado por conta do protesto, que durou das 15h30 às 17h30.

Pressão por investigação

Apesar de nunca ter suspeitado de que Charle, padrasto do menino, teria feito o disparo, Josué Rodrigues, também tio da vítima, não acredita que a morte do menino foi acidental. "Ele contou várias versões. Hoje (quarta), quando fomos ao IML para reconhecer o corpo de Guilherme, vimos o rosto dele todo queimado de pólvora. Foi um tiro à queima roupa. Não vamos aceitar que a morte seja tratada como um crime acidental", comentou o tio Josué.

Ele promete, junto com a família, ir ao Ministério Público, pedir que ele seja denunciado por premeditação do crime. “Foi frio e calculista. Levou o menino para matar", considerou.

Mesmo com a polícia tratando o caso como acidente e com o padrasto autuado por homicídio culposo, o tio de Guilherme quer que o MPE investigue o caso.

Rodrigues disse ter ficado ainda mais abalado quando soube da autoria do disparo. "Mesmo que tenha sido acidental, ele (Charle) mentiu. Pegou a gente de surpresa porque a gente jamais ia imaginar que tivesse sido ele, pois ele tinha uma relação muito boa com o menino. Eles estavam sempre juntos e meu sobrinho andava com ele para cima e para baixo", afirmou Josué.

Logo após a notícia da morte de Guilherme, os familiares acreditaram que o menino teria sido morto, por engano, no lugar do alvo do tiro, que seria o caseiro Neném, amigo de seu padrasto. De acordo com a vizinhança, Neném teria sido jurado de morte por bandidos.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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