Economia

O desafio de fazer o Brasil voltar a crescer

Desde que o presidente Michel Temer assumiu o cargo interinamente, em maio, o debate econômico no País tornou-se uma espécie de samba de uma nota só. Com o Orçamento no vermelho e a dívida pública crescendo em ritmo frenético, em decorrência da gastança promovida pelos governos petistas desde o segundo mandato de Lula, o ajuste fiscal dominou as discussões dos economistas – nem poderia ser diferente. O novo governo tinha de fazer a lição de casa de forma exemplar, para mostrar que o Brasil não estava à deriva, caminhando para a insolvência. Tinha, também, de dar a sua contribuição, com o controle rígido das despesas, para o combate à inflação, que roçava os 10% ao ano quando Temer tomou posse, e a tão desejada queda dos juros. Sem isso, qualquer plano para tirar o Brasil do atoleiro não passaria de uma quimera.

Agora, com a inflação caminhando de forma consistente para o centro da meta, de 4,5% ao ano, e a promulgação pelo Congresso Nacional da PEC do Teto dos Gastos, que restringe as despesas públicas pelos próximos 20 anos, uma parte respeitável da missão de Temer neste quesito foi cumprida com louvor. Ainda falta o Congresso aprovar a reforma da Previdência Social, o principal sorvedouro do dinheiro dos pagadores de impostos. Falta também agilizar o corte dos juros, que agora, com a âncora fiscal, deverá finalmente se concretizar. Mas, desde já, com as duas pendências bem encaminhadas, o governo precisa diversificar a sua pauta. Com a recessão completando dois anos, sem contar o crescimento pífio de apenas 0,1%, em 2014, o maior desafio de Temer daqui para a frente será recolocar o Brasil na trilha do desenvolvimento.

Embora seja indispensável para a estabilidade econômica, o reequilíbrio das contas públicas não promove, por si só, a prosperidade das empresas e o bem-estar dos cidadãos. Se Temer quiser realmente ser lembrado como “o sujeito que arrumou o Brasil”, como ele afirma, terá de ir além do ajuste fiscal – e só a volta do crescimento permitirá a reversão efetiva do atual quadro de desalento na economia. “É possível ver o broto nascer sem necessariamente ter aprovado a reforma da Previdência”, diz o economista Paulo Leme, presidente do banco de investimento americano Goldman Sachs, no Brasil.

Com uma queda acumulada de 7,4% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e 2016 e uma perspectiva de crescimento de apenas 0,5% em 2017, a tarefa de Temer não será fácil. Ainda mais em meio à crise política que atinge o País. Turbinada pelas investigações da Lava Jato, seus estilhaços alcançam diversos parlamentares da base aliada do governo no Congresso e alguns ministros próximos ao Palácio do Planalto. A própria permanência de Temer na Presidência até o fim do mandato, em 2018, está em xeque, com a citação de seu nome em delações premiadas e o avanço do processo contra a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso do poder econômico e uso de recursos de propina nas eleições de 2014. “Isso vai ser, seguramente, uma fonte de problemas para o governo”, afirma o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente. “Só para governar no dia a dia, sem fazer grandes cavalarias, como se dizia antigamente, já será um desafio enorme.”

Mesmo com o ajuste fiscal adiantado e a reconhecida competência da atual equipe econômica, as expectativas se deterioraram de forma considerável nos últimos meses. Depois de uma alta significativa após o impeachment, o índice de confiança dos empresários, apurado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), voltou a cair, puxado pelo aumento das incertezas na arena política. O índice ainda está acima do patamar atingido no governo Dilma, um recorde negativo difícil de ser batido, mas deu uma marcha à ré preocupante.

Com o caixa do governo depauperado, a anemia dos bancos públicos, espremidos até o bagaço nas gestões de Lula e Dilma, e o endividamento gigantesco de estatais como a Petrobrás e a Eletrobrás, a retomada dependerá quase exclusivamente da iniciativa privada. Só que, com a confiança em queda, ficará bem mais complicado despertar o “espírito animal” dos empresários de que falava o economista John Maynard Keynes (1883-1946). O capital tende a se retrair. Prefere aguardar um momento mais adequado para ampliar a produção e os investimentos, que sofreram um tombo de quase 25% em três anos, de 21,7% do PIB, em 2013, para 16,5%, em 2016. “O empresário competente só vai investir se enxergar a luz no fim do túnel”, diz o financista Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências.

Como se isso não bastasse, muitas empresas estão respirando por aparelhos, atoladas em dívidas. Algumas das principais companhias do País, investigadas na Lava Jato, estão se comprometendo a pagar bilhões de reais em acordos judiciais, para purgar seus pecados. Ao mesmo tempo, o País perdeu um espaço precioso no mercado global nos últimos anos. Ao contrário do que aconteceu em outros tempos, as exportações estão sem vigor para puxar a carruagem. Além da queda nos preços das commodities, que sustentaram a bonança externa na primeira década do século, os produtos manufaturados nacionais perderam competitividade.

O mundo também está bem mais hostil à expansão do comércio do que há alguns anos, com o aumento do protecionismo. “Hoje, as bases para o crescimento do Brasil são muito frágeis”, diz a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute e professora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. “A gente não tem nenhum fundamento para dizer que o País poderá voltar a crescer 5% ao ano de forma sustentável no curto prazo.”

Nesse cenário nebuloso, o grande risco seria o governo repetir os erros do passado recente e se deixar seduzir pela ideia de que existem atalhos para alcançar o Nirvana na economia. Como os brasileiros estão aprendendo agora de forma dolorosa, a conta das bruxarias heterodoxas, pedaladas e quetais acaba sobrando para toda a população, especialmente os mais pobres, em nome de quem os curandeiros oficiais diziam agir. Se houvesse fórmulas alternativas para levar ao crescimento, sem lastro no aumento de produtividade, os bustos em bronze de seus idealizadores provavelmente seriam erguidos em praça pública pelo mundo afora. E o Brasil – pródigo na produção de pajelanças econômicas – estaria no topo da lista dos países mais desenvolvidos. 

Desta vez, porém, ao que tudo indica, o governo não deverá recorrer ao ilusionismo econômico, para tentar estimular o crescimento. Apesar das pressões para turbinar a retomada com medidas produzidas nos laboratórios econômicos de Brasília, Temer reforçou recentemente a posição de que vai evitar armadilhas do gênero. “Não há mais espaço para feitiçarias na economia”, afirmou. O ministro Henrique Meirelles, da Fazenda, declarou também que o governo não tentará reinventar a teoria econômica para acelerar a retomada. “Não há mágica nem medidas iluminadas para a economia crescer mais rápido”, disse.

A agenda oficial inclui um conjunto ambicioso de medidas, destinadas a reduzir a interferência do Estado na economia e a melhorar o ambiente de negócios no País. Da flexibilização da legislação trabalhista à aceleração das privatizações e concessões de serviços públicos, da adoção de reformas microeconômicas, para desburocratizar o dia a dia das empresas, à maior abertura da economia, o leque de propostas abrange praticamente todos os gargalos que travam o desenvolvimento. Por ora, com as finanças públicas em frangalhos, a desejada redução da carga tributária, de quase 35% do PIB, a maior entre os países em desenvolvimento, não está no radar. Mas a mera simplificação tributária, em discussão no Congresso com o aval de Temer, já representará, se aprovada pelos parlamentares, uma contribuição inestimável para a melhoria da produtividade das empresas e o crescimento da economia.

Em dezembro, o governo anunciou um pacote de medidas para aumentar a eficiência da economia, sem recorrer ao dinheiro público. Uma das principais propostas é um programa de regularização tributária semelhante ao Refis, lançado em 2000 e reeditado várias vezes desde então. Ao contrário do que acontecia antes, o programa agora não prevê a concessão de descontos sobre a multa e os juros das parcelas em atraso, mas permite o parcelamento em até 96 meses e a utilização de prejuízos para quitar débitos tributários e previdenciários. O pacote inclui também o alongamento de dívidas das grandes empresas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com taxas mais salgadas que as originais, e o aumento do crédito da instituição para as empresas de pequeno porte. 

Há, ainda, propostas para reduzir o custo de crédito, como o aperfeiçoamento do cadastro positivo, que permite aos bancos identificar os bons pagadores e lhes oferecer empréstimos com juros mais baixos, e a criação da duplicata eletrônica, para facilitar a execução das garantias nos “papagaios” bancários. Na área trabalhista, o governo propôs a prevalência da negociação coletiva sobre a legislação e anunciou duas benesses, também sem o uso de recursos públicos. Uma delas prevê a redução gradual na multa de 10% para empresas nas demissões sem justa causa. A outra, a liberação dos saques de contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), para estimular a redução do endividamento das famílias e o consumo.

Apesar de serem medidas de alcance limitado, que não terão impacto significativo no crescimento no curto prazo, elas cumprirão um papel relevante para diminuir a burocracia e melhorar a produtividade. Se forem complementadas por novas propostas do gênero, poderão ter, com o tempo, um impacto efetivo na vida dos cidadãos e das empresas. Agora, o governo tem de dar celeridade também a outros itens da agenda de modernização da economia, como a diminuição do tempo de abertura e fechamento de empresas e a redução das exigências de conteúdo nacional no setor de petróleo, já beneficiado pelo fim da obrigatoriedade de a Petrobrás ser a operadora única do pré-sal.

A lista de medidas para estimular o crescimento, sem o uso de manobras heterodoxas, parece não ter fim. Ainda que Temer consiga implementar a agenda que se propôs, pode ser que não tenha tempo de colher os resultados do que plantar, alcançando índices robustos de crescimento econômico. É possível também que ele não consiga realizar o seu desejo de ser lembrado como “o presidente que arrumou o Brasil”. Mas, talvez, ele possa, ao menos, ser reconhecido como um presidente que deixou o Brasil melhor do que encontrou.

Fonte: O Estadão

Redação

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