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‘Não dei um único tiro, mas ajudei na vitória’, diz ex-soldado

Naquele 8 de maio de 1945, Albuquerque comemorava, junto a brasileiros e estrangeiros, a derrota da Alemanha nazista, episódio conhecido como o Dia da Vitória na Europa (V-E Day) e que pôs fim à 2ª Guerra Mundial (1939-1945) no continente ─ o conflito só terminaria quatro meses depois, no início de setembro, com a rendição do Japão.

Ele era um dos 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) a formar a única frente da América do Sul nos campos de batalha europeus. Mas a sensação de dever cumprido após o término da guerra, e a garantia de voltar para o Brasil depois de quase um ano fora de casa, cederam lugar a um desespero momentâneo entre os pracinhas (diminutivo de praça ou soldado raso, apelido carinhoso dado pela imprensa e pela população da época para se referir aos combatentes).

"Quando atravessamos o Rio Pó, encontramos alguns americanos. Eles gritavam 'The war is over' ('A Guerra acabou', em inglês). Foi um dia fantástico para todos nós. Aquela guerra estúpida finalmente chegava ao fim", relembra ele, atualmente com 95 anos.

"Mas nossa alegria durou pouco. Corria um boato de que seríamos enviados para lutar no Japão. Ficamos apavorados. Felizmente, veio depois uma contraordem. Ainda permanecemos no norte da Itália por três meses como tropa de ocupação", acrescenta.

Albuquerque fala devagar. A memória falha algumas vezes, mas apenas para determinar preciosismos históricos. Ele conversou com a reportagem da BBC Brasil em seu apartamento, no bairro do Paraíso, em São Paulo.

Convocação
Na ocasião com 25 anos, Albuquerque era um civil debaixo de roupas militares. Assim como ele, a maioria dos brasileiros que defendeu o Brasil no conflito ─ após a declaração de guerra à Alemanha nazista e à Itália fascista em agosto de 1942 pelo então presidente Getúlio Vargas ─ não era egressa das Forças Armadas. A vitória contra o Japão só seria declarada nos momentos finais do confronto, em junho de 1945.

"Muitos de nós não sabia sequer atirar. Tivemos um treinamento antes de ir para a Guerra, mas éramos professores, engenheiros, estudantes. Aquilo era uma aventura, que, infelizmente, para alguns, terminou em tragédia".

Recém-formado pela USP, onde cursara Letras, Albuquerque, que falava inglês e alemão com desenvoltura, recebeu a visita de um oficial do Exército na pensão onde morava, na capital paulista. Nas mãos, o homem, vestido com uniforme militar, tinha uma carta de convocação.

"O documento dizia data e hora em que eu deveria me apresentar a um quartel em São Paulo. No início, fiquei assustado. Não me sentia preparado para aquilo. Mas depois me acostumei", conta.

"Acho que fui chamado porque, quando ainda frequentava a escola no interior, havia feito um curso de tiro de guerra. Era algo corriqueiro entre os meninos da minha idade", acrescenta.

A família, no entanto, ficou dividida quanto à missão que cabia ao jovem professor, que ainda dava os primeiros passos na carreira dando aulas de português em um curso preparatório.

"Meu pai ficou entusiasmado porque meu irmão mais velho já havia participado da Revolução Constitucionalista de 32. Mas minha mãe ficou triste. Você sabe como é mãe, né?", diz.

A viagem rumo à Europa, feita de navio, só ocorreria cerca de um ano e meio depois. Entre a convocação e a partida, Albuquerque foi transferido para o Rio de Janeiro, onde teve início sua preparação militar.

"Embarcamos em um navio de transporte americano. Éramos 6 mil homens. A viagem durou 21 dias até Nápoles, no sul da Itália. Durante todo o percurso, fomos escoltados por navios brasileiros, americanos e, na reta final, após atravessarmos o Estreito de Gibraltar (sul da Espanha), ingleses. Ali já avistávamos os aviões alemães", relembra.

O primeiro contingente de pracinhas desembarcou na Itália em 16 de julho de 1944. Recepcionados em Nápoles, os soldados brasileiros logo rumaram ao norte do país, onde foram incorporados ao 5º Exército dos Estados Unidos. Era ali que se concentrava a principal frente de batalha ─ a chamada Linha Gótica, uma barreira formada por tropas alemães ao longo de uma região montanhosa.

"Ficamos junto com a divisão negra do Exército americano. Era um batalhão especial criado por causa da segregação racial naquele país", diz.
"Um dia eu conversava com um americano e ele me disse que havia visto um soldado brasileiro negro dando ordem para um branco. Expliquei que não havia essa distinção no nosso Exército. Ele ficou estupefato", relembra.

"Mas não tivemos contato com soldados ingleses. Só os encontrei uma vez. Na verdade, foi uma situação curiosa. Estávamos atravessando uma trincheira no final da tarde e vi um deles sentado bebendo chá. Soltamos uma gargalhada e ele ficou chateado", conta Albuquerque, aos risos.
A maior vitória dos pracinhas na 2ª Guerra Mundial ocorreu na cidade de Monte Castelo, apelidado de "Morro Maldito", em uma campanha que durou três meses e só acabou em fevereiro de 1944, ceifando 450 vidas do lado brasileiro.

Mas Albuquerque conta ter vivido o momento de maior adrenalina no conflito na cidade de Montese. Como 2º sargento, não ia para a linha de frente de combate, mas seu papel era fundamental nas operações brasileiras: ele era responsável por uma unidade de transmissão, sem a qual a comunicação entre as diferentes baterias não era possível.

"Tive de levar uma linha de telefone por 1 quilômetro a uma área onde havia intensos bombardeios alemães. Nada aconteceu, mas corríamos muito risco. Éramos uma equipe de seis homens e muitas vezes saíamos para consertar linhas que se partiam com os ataques dos obuses (tipo de artilharia de tubo curto que dispara projéteis em trajetórias curvas)", conta.

"A gente tinha de percorrer toda a linha para poder encontrar onde ela havia se partido. E fazer isso naquele inverno era horrível. Não dei um tiro, mas ajudei a vencer a guerra", acrescenta.

Extremamente rigoroso, o inverno de 1944 foi um desafio para os brasileiros, acostumados a temperaturas mais amenas.
"Nosso uniforme não era preparado para aquele frio. Além disso, era verde-oliva e se parecia muito com o uniforme alemão. Houve até uma ocasião em que fomos alvejados porque pensaram que éramos inimigos".

"Os americanos nos deram jaquetas e sobretudos usados. Gorros e luvas, também. É claro que, a partir daí, só usamos aquele uniforme para não sermos confundidos", lembra o ex-combatente.

Além das baixas temperaturas, outra reclamação dos soldados brasileiros era a comida.
"A comida era americana. Tudo enlatado. Muitos achavam horrível. Eu não. Às vezes, aparecia um feijão, que o governo brasileiro enviava", conta Albuquerque.

"Frango, por exemplo, só em casos excepcionais ─ quando mudávamos de posição na frente de combate. Sempre que a gente recebia frango, sabíamos que os dias seguintes seriam tensos", relembra.

Albuquerque conta que só se feriu uma única vez ─ e não foi em confronto.
"Durante a guerra, fui para Nápoles durante uma semana fazer um curso de minas e demolição. Ao final do curso, tínhamos de fazer uma prova, que consistia em atravessar um campo minado. Uma das minas explodiu e arrebentou o meu queixo, deslocando a minha mandíbula", diz.

"Fui levado a um hospital americano e lá permaneci por dois meses. A cada semana, o diretor do hospital, um coronel americano, mandava distribuir uma polegada de uísque para cada paciente. Acho que isso agilizou a minha recuperação", brinca.

Durante toda a guerra, Albuquerque se comunicava com a família e com a noiva por meio de cartas. Enviava uma a cada 20 dias. Muitas, no entanto, acabavam sofrendo censura dupla: tanto dos militares brasileiros na Itália quanto do órgão censor do governo getulista.
"As correspondências chegavam rasuradas. Suprimia-se, claro, qualquer indicação da nossa posição", conta.

Volta para casa
Com o fim do conflito, Albuquerque e os demais pracinhas ─ em sua unidade, nenhum dos integrantes morreu ─ viajaram ao sul da Itália, de onde embarcaram em um navio de volta ao Brasil.

Quando chegaram ao Rio, no segundo semestre de 1945, foram licenciados e proibidos de usar o uniforme do Exército.
"Já estávamos desmobilizados. Voltamos a ser civis outra vez. Não recebemos, no entanto, qualquer auxílio para o transporte. Peguei um trem e voltei para Pirassununga para ver minha família."

Albuquerque casou-se logo depois, em janeiro de 1946, com a então noiva, com quem teve dois filhos, Vânia e Ivan. Formou-se ainda em Direito pela USP, mas não se encantou pela advocacia.

"Atuei como advogado durante seis anos e larguei. Voltei a dar aulas, de inglês."

Em 1988, mais de 40 anos depois do fim da guerra, a Constituição brasileira estabeleceu uma pensão especial para os ex-combatentes brasileiros na 2ª Guerra Mundial, com a qual Albuquerque vive atualmente. "Muitos, no entanto, já haviam morrido na ocasião", diz.

Vivendo com a filha (a esposa e o filho já morreram), ele diz gostar de ler a edição em inglês da revista National Geographic e de praticar exercícios físicos. Mas seu maior passatempo é viajar.

"Voltei de uma viagem de navio há um mês. Fomos a Gênova, na Itália (foi a quarta vez que ele retornou ao país desde o fim da guerra) e a Paris", conta.

"Ah, Paris… muito melhor, né?", diz ele, aos risos.

Fonte: BBC BRASIL

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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