Foto: Ahmad Jarrah / Circuito MT
Não está sendo fácil. Próximo ao último trimestre do ano de 2015, muitos prefeitos de Mato Grosso estão na corda bamba diante da crise econômica nacional que afetou profundamente a arrecadação municipal e, consequentemente, os investimentos em áreas essenciais como infraestrutura, educação e saúde.
Atrasos e cortes nos repasses federais, que por muitas vezes são os únicos recursos recebidos por Prefeituras, estão estrangulando a economia local e fazendo com que prefeitos “arranquem os fios de cabelo da cabeça” para arcar com suas responsabilidades, como o pagamento de salários dos servidores públicos.
Segundo estimativa da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), cerca de 40% das Prefeituras já estão pagando salários com a arrecadação do mês subsequente. O futuro pode ser ainda mais nebuloso, já que a previsão é de que até o final do ano 70% dos municípios não estarão pagando os salários de seus funcionários em dia. Para o presidente da associação e prefeito de Nortelândia, Neurilan Fraga (PSD), há transferência de vários serviços para os municípios sem a contrapartida devida pela União. Um dos exemplos da sobrecarga das finanças municipais é a obrigatoriedade do pagamento do aumento dos pisos salariais dos professores e dos agentes de saúde.
De acordo com estudo realizado pela equipe técnica da AMM, a previsão é de retração do PIB do País de 2,5% em 2015 e aumento do desemprego para 9%. Os primeiros oito meses do ano confirmam a redução do emprego em todos os setores da economia, como comércio, indústria, serviços e agropecuária, queda nas vendas do comércio de forma geral, aumento da inadimplência tanto das famílias quanto das empresas e queda nas exportações de produtos agrícolas.
A instituição acredita que a redução na arrecadação dos tributos federais, estaduais e municipais é consequência natural da forte retração na atividade econômica do País e do Estado de Mato Grosso.
Os municípios também enfrentam outros desafios, como obras paralisadas, subfinanciamento de programas e recursos insuficientes para investimentos. Das 141 cidades de Mato Grosso, as que possuem menor população e desenvolvimento industrial ou agropecuário são as que mais sofrem.
A 198 km de Cuiabá, o município de Porto Estrela, com 3.158 habitantes (estimativa IBGE), está com caixa negativo. Segundo o prefeito, Mauro André Businaro (PMDB), a folha de pagamento dos servidores públicos, como professores e médicos, fica em quase R$ 460 mil mensais, porém a Prefeitura conta com apenas R$ 290 mil para pagar suas contas.
“Temos dívidas com a questão do INSS, da previdência própria e com fornecedores. Todos os meses passados os salário estão pagos, mas a partir deste mês tenho que aguardar o repasse do FPM (Fundo de Participações dos Munícipios). A expectativa para Porto Estrela é R$ 19 mil. E a folha fica em média de R$ 460 mil”, afirmou o gestor municipal.
O município, que registra uma das menores taxas do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado (0,599), tem o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) como suas principais fontes de arrecadação. O que é insuficiente para custear investimentos e honrar despesas, como o transporte escolar.
“Nosso calcanhar de Aquiles é o transporte escolar. Tenho oito linhas. O Estado manda R$ 1,80 e gasta R$ 4,60 por quilômetro rodado”, relata Businaro.
A cidade com a menor população de Mato Grosso (978 habitantes segundo estimativa do IBGE), Araguainha (471 km de Cuiabá) também anda mal das pernas. A prefeita do município, Maria José das Graças (PR), tem dificuldades para honrar a folha de pagamento, já que a cidade está entre os cinco municípios do País com maior número de servidores municipais em relação à quantidade de habitantes. Dos mil moradores do município, 20,3% atuam na Prefeitura Municipal de forma direta, conforme pesquisa divulgada em agosto pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com a pesquisa, 203 servidores ocupam cargos na administração municipal e alguns deles são estatutários – que têm um sistema de contratação específico para funções públicas.
Com a folha de pagamento girando em torno dos R$ 302 mil, a prefeita não conseguiu quitar os salários dos servidores em dia, não tendo alternativa que não fosse o parcelamento.
“Em caixa nós não temos nada, pois não deu nem para pagar a folha. Mas a média de arrecadação é R$ 450 mil por mês. O mais difícil é cumprir com o pagamento da folha salarial. A gente está pagando parcelado, paga no dia 10, dia 20, dia 30”, relata Maria José ao Circuito Mato Grosso.
O agravamento da situação financeira do município, segundo a gestora municipal, ocorreu após o Governo Federal reduzir em 30% o repasse do FPM no mês de setembro deste ano.
“Mês passado, no dia 10 foi R$ 126 mil, para quem estava acostumado a receber cerca de R$ 180 mil. Daí não dá nem para acumular com os outros meses para fazer o pagamento da folha”, complementou a prefeita.
Em Araguaiana (570 km de Cuiabá), o prefeito José Marra Nery (PSDB) também vive com a corda no pescoço. A saúde do município é o ponto que mais preocupa o gestor, que está em atraso com as empresas farmacêuticas.
“Estou devendo R$ 70 mil desde janeiro para as farmácias onde compro os medicamentos para atender a população. Para nós que somos pequenos, é muito”, desabafou Marra.
Na questão do pagamento dos servidores, o prefeito afirma ter conseguido quitar em dia, mas teme que o mesmo não ocorra nos próximos meses.
“Até agora eu dei conta de pagar dentro do mês, pois tinha reservado um resto do ITR [Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural] do ano passado. A gente conseguiu pagar a folha até do mês passado dentro do prazo, até o dia 30. Mas a partir deste mês a gente não sabe, pois o recurso que a gente tinha acabou. Minha folha de pagamento gira em torno de R$ 600 mil”, relatou o prefeito.
Já em Cuiabá, a situação econômica da Prefeitura, gerida pelo prefeito Mauro Mendes (PSB), é relativamente melhor, porém o gestor teme que a crise financeira do País também tenha graves reflexos na economia do município.
“Nós vamos continuar adotando medidas para tentar controlar receita e despesas. Mas, lamentavelmente, o Brasil está em uma crise profunda e isso afeta a economia e consequentemente, a arrecadação dos impostos, que é o dinheiro que entra nos caixas da Prefeitura, Estado e União. Em Cuiabá nós estamos fazendo todo o esforço possível para manter as contas em dia. Até agora nós conseguimos, mas se essa crise continuar se aprofundando, muito provavelmente nós também seremos atingidos. Estamos pagando em dia, mas essa é uma realidade. Se está afetando 70% dos municípios, ela pode afetar qualquer município”, declarou Mendes na última reunião de prefeitos do Estado.
Medidas contra a crise
Considerando o contexto econômico desfavorável, a AMM está recomendando aos prefeitos algumas medidas de austeridade para enfrentar o período turbulento. Entre as medidas recomendadas pela Associação, destaca-se o corte de gastos, que pode ser concretizado através das reduções do salário do prefeito e vice-prefeito, dos cargos comissionados (DAS), da remuneração dos cargos remanescentes, da jornada de trabalho nas prefeituras, exceto em áreas essenciais, dos recursos repassados para as câmaras municipais, da carga horária no Programa de Saúde da Família – PSF, do transporte escolar, além do corte de horas extras para servidores efetivos e a suspensão de ajuda financeira para entidades conveniadas, entre outras providências.
O presidente da AMM, Neurilan Fraga, pondera que os prefeitos devem tomar medidas preventivas urgentes para garantir o equilíbrio das contas e honrar os compromissos essenciais, como pagamento de salários e continuidade de programas de proteção social.
Entre os prefeitos, algumas medidas emergenciais já foram tomadas. Em Porto Estrela, o prefeito Mauro André Businaro chega a pensar na possibilidade de fechar as portas da Prefeitura por alguns dias da semana, mantendo apenas atendimentos emergenciais, como em postos de saúde. A medida, segundo o gestor, diminuiria despesas, como a de energia elétrica.
“Fiz economia, mas o pouco de recurso que tenho já está acabando. Minha expectativa é que a gente reduza os dias de funcionamento da Prefeitura, mas a intensão é parar tudo, como se fosse feriados. Por exemplo, escola e merenda param. Única coisa que vai funcionar é a emergência”, explica o gestor.
Luz no fim do túnel
A tábua de salvação para os prefeitos mato-grossense pode ser o Projeto de Lei (PL) que trata da liberação de recursos do Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações (FEX) aos estados e municípios.
Nesta terça-feira (15), após a Câmara dos Deputados aprovarem o PL, os senadores votaram favoravelmente pelo Projeto, que agora segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff (PT). O governador Pedro Taques (PSDB) chegou a se reunir em Brasília (DF) com o presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB) para pedir rapidez no trâmite do processo.
Na reunião, Taques lembrou que, assim como a União, os estados também passam por dificuldades econômicas e trabalham fazendo ajustes nas suas contas e aguardam recursos do FEX para fechar as contas.
“Neste momento do ajuste fiscal, nossos estados também estão fazendo ajuste fiscal, mas precisamos dos valores que a União nos deve em 2014. Agora, em 2015, só Deus sabe quando a União apresentará o projeto de lei ou a medida provisória”, declarou o tucano.
O Projeto prevê que o pagamento do repasse atrasado será feito em quatro parcelas (a primeira delas em Mato Grosso é de R$ 98 milhões). Se aprovado, os Estados ficarão com 75% da verba, distribuída de acordo com as diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Os municípios, por consequência, receberão 25% do montante, de acordo com os critérios de rateio do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Prestação de Serviços).
Neste período de vacas magras e dificuldades para horar com responsabilidades, o Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) é um dos recursos que está sendo repassado em dia às Prefeituras. O que tem dado fôlego aos gestores municipais.
Os repasses são feitos pela Secretaria de Fazenda no dia 10 de cada mês. Até agora já foram destinados R$ 153,1 milhões às prefeituras, incluindo a sexta parcela dos valores arrecadados em janeiro e fevereiro deste ano (divididos em 10 parcelas).
Os recursos do Fethab são repassados rigorosamente desde março, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que 50% do fundo estadual deveriam ser destinados aos municípios.
O município de Porto Estrela recebe a média de R$ 80 mil por mês do Fethab. Já Araguainha recebe cerca de R$ 70 mil mensais. A Prefeitura de Araguaiana recebe mensalmente em torno de R$ 120 mil. O recurso é destinado, unicamente, para investimentos no transporte e infraestrutura de estradas nas zonas rurais das cidades.
Confira detalhes da reportagem especial do Jornal Circuito Mato Grosso