Cidades

Monumentos são denúncia da falta de cuidado com a memória

No passado, o Chafariz da Praça Ipiranga, no Centro Histórico de Cuiabá, era um personagem ilustre da cidade. O local era o ponto favorito de fotos oficiais, como a imagem comemorativa de 1906, quando o presidente do Estado, os membros da Assembleia Legislativa, o chefe da Polícia e outras autoridades o escolheram como cenário para a foto oficial.

Há muitos anos as fontes d´água que abasteciam o local secaram e o chafariz segue abandonado pelo poder público. Pichado, usado com banco e piscina para mosquitos da dengue, o local retornou às manchetes no início de novembro por conta de uma polêmica reforma. A Prefeitura decidiu demolir toda a parte da piscina do chafariz sem apresentar os projetos para os órgãos responsáveis pelo tombamento histórico da região.

Antes das denúncias, o secretário municipal de Meio Ambiente, Juares Samaniego, chegou a afirmar que o novo projeto arquitetônico da praça não previa a construção de outro chafariz. Depois da polêmica na imprensa, o prefeito Emanuel Pinheiro lançou outro comunicado público afirmando que não haveria a demolição do chafariz.

“Asseguro aos cuiabanos que a reforma do espaço é uma obra com intuito de conservação, que está sendo realizada com todo aparato de uma equipe especializada em revitalização de bens históricos. O nosso objetivo não é, de maneira alguma, executar uma obra que tire os símbolos históricos de Cuiabá,” elucidou Pinheiro.  

Foto: José Wallison 

O secretário de Serviços Urbanos, José Roberto Stopa, afirmou que a estrutura de base do chafariz foi demolida para que a equipe de execução da obra pudesse ter acesso aos poços, que fornecem água para a formação dos espelhos d’água.

”Determinei a restauração completa da peça, que será reinstalada no local, sem danos a suas características arquitetônicas. Estamos trabalhando na urbanização da cidade e melhoria para uma Cuiabá 300, mas jamais destruiremos suas memórias”, reiterou o prefeito.

Construído no século XIX, o monumento foi instalado para ser uma fonte de água potável para a população. Ele foi um dos pontos principais para que a antiga Praça Marques de Aracaty, atual Ipiranga, ganhasse as suas famosas palmeiras e tornasse ponto de encontro e bate-papos na cidade.  Em 1930, a praça era tão querida pela população que o Coreto Municipal, antes instalado na Praça Alencastro, foi transferido para lá, integrando como chafariz o conjunto atual da praça.

Segundo os planos anunciados pela Prefeitura de Cuiabá, a reforma na Praça Ipiranga faz parte de planos grandiosos. O ente público pretende gastar R$ 311 mil no local. Porém, os órgãos responsáveis pelo tombamento da Praça Ipiranga desaprovam o projeto.

“Nós fomos surpreendidos e não sabemos nada e nem a extensão do que a Prefeitura pretende fazer”, afirmou Lucivaldo Pires de Ávila, historiador e gerente de tombamento da Secretaria de Estado de Cultura.  O órgão é responsável pelo tombamento histórico do prédio do Ganha Tempo, antigo prédio da Força Pública do Estado. “Antes de quebrarem o chafariz ou fazerem qualquer coisa na praça, eles precisavam nos apresentar os projetos, pois o chafariz compõe a ambiência externa do tombamento do prédio do Ganha Tempo”.  

Ávila conta que também não compreende porque a Prefeitura de Cuiabá, em 1980, fez o tombamento municipal da palmeira “Gogó de Ema”, também localizada na Praça Ipiranga, e não protegeu o chafariz. Para ele, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) também deveria se manifestar. “Tanto a Praça Alencastro quanto a Ipiranga estão no Centro Histórico que tem o tombamento nacional, porém a entidade não se manifesta sobre as mudanças que a Prefeitura está realizando nesses locais. Fomos nós que notificamos a Prefeitura quando começaram a demolição”, diz. “Se nada for feito, vamos acionar o Ministério Publico do Estado para que o poder municipal restaure o chafariz”. 

A menos de quinhentos metros da Ipiranga, outro local sofre com o mesmo abandono. Outra fonte de água do século IXX, o Chafariz do Mundéu serve como ponto de gambiara para cabeamentos ilegais de luz e uma “árvore” cresce em cima de sua estrutura superior, podendo causar o desabamento do prédio. O local marcou a história de Cuiabá, sendo palco da antiga Revolta da Rusga de Mato Grosso, quando, em 1834, os liberais mato-grossenses organizaram um enorme levante que pretendia retirar os portugueses do poder com a força das armas.

“Ali o tombamento é estadual, porém o prédio pertence à Prefeitura. Já os notificamos pedindo explicações sobre o descuido com o local”, afirmou Lucivaldo Pires de Ávila, da Secretaria de Estado de Cultura. A notificação foi enviada em fevereiro e até hoje segue sem resposta.

Para o historiador Moisés Mendes Martins o movimento de reforma empreendido pela Prefeitura de Cuiabá é algo positivo. “Quanto ao chafariz, toda reforma pressupõe melhoria”, diz. Porém, alguns temem que a memória da cidade se perca nesse processo.

No início dos anos de 1960, a cidade passou por um boom de modernização e muito da história de Cuiabá acabou se perdendo com o processo. Os prédios da antiga Prefeitura Municipal e da Antiga Catedral Senhor Bom Jesus de Cuiabá tornaram-se símbolos desse processo. Ambos foram demolidos para darem lugar a construções modernas, muitas de arquitetura questionável. Essas perdas são consideradas um crime também pelos historiadores. “A demolição da Igreja Catedral foi um verdadeiro aviltamento à História de Cuiabá”, afirmou Moisés Martins.

A Catedral foi construída em 1722, três anos após a fundação de Cuiabá, ocorrida oficialmente no dia 8 de abril de 1719. As reformas na igreja começaram duas décadas após a sua construção. Em 1745, a igreja ganhou a primeira torre, que foi reformulada algumas vezes até receber o formato de pirâmide, com a parte superior arredondada. A segunda torre foi construída 184 anos depois, em 1929.

A grande estrutura foi para o chão em 1968, implodida por dinamite. Uma das justificativas foi a modernização do centro da cidade, que viria com novo formato da Catedral. Apesar de a demolição ter ocorrido há 49 anos, o fato é contado pelos moradores até hoje àqueles que chegam à capital. A nova igreja ganhou o nome de Catedral Metropolitana e foi concluída em 1973.

Arquivo 

Esquecimento

Para resgatar uma pouco da memória perdida de Cuiabá, a reportagem do Circuito Mato Grosso questionou os cuiabanos sobre o significado dos principais memoriais locais. Grande parte dos entrevistados não soube contar a história da cidade. Outros revelaram detalhes impressionantes de uma Cuiabá há muito esquecida.

Muitas desses locais hoje também são alvos de vândalos; outros permanecem desgastados pelo tempo e em alguns resta apenas a placa, o monumento simplesmente não existindo mais. Para quem anda pelas ruas na correria do dia a dia, deixam passar batido, personagens da história que viveram há mais de um século e que hoje servem de ponto de referência de localização.

Maria Taquara

A lavadeira de roupas que virou ícone feminino de Cuiabá é nome de uma praça. Conhecida por ser a primeira mulher a usar calças compridas na cidade, Maria Taquara era uma jovem negra que lavava roupas nas margens de um Córrego Mané Pinto, no centro de Cuiabá, entre as décadas de 1930 e 40. Por ser alta e magra, ganhou o apelido de Taquara e teve fama por não seguir os padrões femininos da época e ser um símbolo da igualdade na sociedade.

A escultura foi criada pelo artista plástico Haroldo Tenuta, no entanto, foi restaurada por Fred Fogaça após um vendaval em 2009. Segundo o pipoqueiro Nelson dos Santos, que tira o seu sustento há seis anos na praça que leva o nome da lavadeira, um dos seus clientes, de 72 anos, era amigo de Maria Taquara e brincava com ela na época.

“Ele brincava no córrego que cortava a Avenida Tenente-Coronel Duarte (Prainha), quando este  ainda era aberto. Pelas histórias que ouvi, ela era lavadeira de dia e à noite fazia programa com os soldados do 16º Batalhão de Caçadores. Ela era diferente das outras mulheres da época, muito independente”, relata.  

Não se sabe a sua data de nascimento, morte ou nome completo. Maria Taquara é simplesmente um mistério eternizado em Cuiabá.

Os Bandeirantes

Uma estrutura com três personagens que marcaram a história do Estado: o bandeirante, o índio e o escravo. O monumento está localizado na Avenida Coronel Escolástico, no bairro Bandeirantes, e foi construída em comemoração aos 250 anos de fundação da capital.

A figura do meio retrata o bandeirante Pascoal Moreira Cabral, como desbravador da região. O índio, representando as tribos de Mato Grosso, principalmente os povos Boé, e o negro, nos recordam os escravos que serviram de mão de obra para o crescimento do Estado.

O taxista Manoel João trabalha em um ponto em frente à estátua há 30 anos. Para ele a imagem representa o início de Cuiabá, quando os desbravadores estavam procurando ouro na região do rio Coxipó. “Eles usavam o índio para guiar, e o escravo era quem escavava e era usado como garimpeiro”, diz o taxista.

Obelisco do Centro Geodésico

Uma estrutura de mármore de 20 metros de altura, construída pelo artesão Júlio Caetano, supostamente marca o local exato do Centro Geodésico da América do Sul.  Porém a peça foi construída para relembrar a delimitação geográfica medida pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, em 1909, na “Carta de Mato Grosso”, o famoso mapeamento de fronteiras empreendido por Rondon.

O obelisco está localizado na Praça Pascoal Moreira Cabral, que fica na Rua Barão de Melgaço, antes conhecida como Campo d’Ourique. O local antigamente era utilizado para touradas e manifestações religiosas.

O autônomo Pedro Paulo disse que não conhece muito bem a história do local e conta que ali não é o Centro Geodésico da América do Sul. “Marechal Rondon era o encarregado de demarcar a área. Sei que o Centro da América do Sul é em Chapada dos Guimarães, mas é um monumento que reflete no mundo inteiro”, declara.

Arquivo 

Mãe Bonifácia

Ainda no século XIX, uma mulher negra virou figura lendária ao proteger e acobertar os negros, vítimas da escravidão. Bonifácia era alforriada, curandeira e controlava o acesso aos quilombos. O local em que ela vivia deu nome ao Parque Mãe Bonifácia inaugurado em 2000, na Avenida Miguel Sutil.

Segundo o fotógrafo Raimundo Reis, que frequenta o parque desde que foi inaugurado pelo então governador Dante de Oliveira, Bonifácia era quilombola que vivia no local no século XIX. “Eu gosto daqui, é um parque natural. Aqui era um local do exército, Dante fez uma permuta por este local com outra área”, relata.

Chafariz do Mundéu

O Chafariz do Mundéu é um retrato da época em que Cuiabá não dispunha de água encanada para os moradores. O local foi o primeiro sistema de abastecimento de água na capital, por volta de 1870, sendo alimentado por nascentes da região. O chafariz está localizado na região central de Cuiabá, entre a atual Avenida Tenente-Coronel Duarte (Prainha) e a Rua Coronel Peixoto.

O local abrigava o antigo Lago da Conceição e foi tombado como patrimônio histórico em 1980. 

“O chafariz foi o primeiro aqueduto de água potável colhida na Caixa D’Água Velha, Praça Bispo Dom José”, relata o historiador Moisés Martins.

Apenas no final do século 19 é que começaram a planejar um sistema de água encanada para a capital mato-grossense. O local ganhou uma praça com o nome do bispo José Antônio dos Reis. Em 1996, a praça foi desativada e deu lugar a um terminal de integração de ônibus municipais, sendo utilizado pela população por quase 10 anos. Após esse período, a antiga praça foi revitalizada em dezembro de 2005.

Monumento da FEB

Localizada na Praça Major João Bueno, o monumento homenageia os soldados da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, 25 mil homens compunham as tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e não se sabe ao certo destes quantos eram cuiabanos. No entanto, 128 sobreviveram e têm seus nomes gravados em uma placa na estrutura do monumento.

Memorial a Ulysses Guimarães

Localizada na Avenida Historiador Rubens de Mendonça (Avenida do CPA), foi erguido na gestão do prefeito Dante de Oliveira.  “O obelisco inclinado contém uma fênix na ponta, em direção ao norte, foi construído em homenagem a Ulysses Guimarães, significando o futuro desenvolvimento da região norte do Estado”, relata o historiador Moisés Martins.  

As Três Graças

O monumento As Três Graças, que fica localizado na Avenida Coronel Escolástico, era uma homenagem a três musicistas: Senhora Nhalu, Zulmira Canavarros e Guilhermina de Figueiredo.

O taxista Cândido José, que há 40 anos trabalha próximo ao local, disse que o monumento foi destruído há uns dez anos, quando um motorista de uma carreta não conseguir fazer a curva de uma rotatória. “A prefeitura retirou o monumento após o acidente e nunca mais restaurou”, relata. Restou apenas a placa dizendo onde ficava a estátua que homenageava as três musicistas.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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