Em um ponto entre Pacaembu e Higienópolis, bairros nobres da Zona Oeste de São Paulo, um rosto já bem conhecido por quem passa por ali mantém dia e noite um olho nos carros parados na rua. Alzira Francisca de Jesus, de 59 anos, guarda há 11 anos os veículos parados em frente ao local onde ela mora desde então – os arredores de um prédio que se encontra desocupado, mas que até poucos anos atrás era uma unidade das Lojas Americanas.
Em cerca de 20 minutos de conversa com um desconhecido, dona Alzira conta da amizade com alunos da faculdade vizinha, das pessoas que vivem ali com ela, da família que não vê há décadas no interior da Bahia, dá conselhos lembrando de quando chegou a São Paulo aos 17 anos… De desconhecida que não queria aparecer na foto, logo se solta e passa a distribuir abraços e dar risadas, transforma-se em modelo posando na rua para a câmera, esperando que alguém da família no Nordeste a reconheça e procure.
"Desde que vocês começaram já deu pra ver que ajudou muito, não só nós aqui. Vai fazer dois anos, não vai? Tá vendo como eu lembro?", diz com o sorriso que não sai do rosto. Ela se refere ao grupo que passou a aparecer por ali uma vez por mês com doações e com o interesse em conversar e conhecer melhor pessoas como ela, que moram nas ruas de São Paulo.
'Linha de produção'
21h de terça-feira na Praça Charles Miller, como é conhecida a área que engloba o amplo estacionamento em frente ao Estádio do Pacaembu. À parte de alguns donos de Mini exibindo seus carros e de um homem que testa um drone em sobrevoos, um grupo bastante organizado causa ali mais movimento que o normal para um dia sem jogo no estádio. Apesar do uniforme de alguns, não são torcedores.
As 69 pessoas se organizam em uma linha de produção. Parte delas seleciona e divide roupas e calçados masculinos, femininos e infantis em várias pilhas, ao lado de um monte com 80 cobertores – a maioria novos, ensacados. Outra parte monta kits em sacolas que vão sendo passadas de mão em mão, cada um acrescentando uma coisa: sanduíche, pacote de biscoito, garrafinha d'água, sabonete, pasta e escova de dentes, par de meias e pacote de camisinhas.
O total de 400 kits é dividido em quatro grupos. As diversas sacolas de roupa também são organizadas para que cada grupo saia com números semelhantes de peças. Enquanto isso, algumas pessoas com pranchetas planejam as rotas da noite e a divisão de pessoas por grupo e por carros. Essa organização toda leva pouco mais de 2 horas.
É só então que o pessoal forma uma roda para que seja dito o que foi decidido para aquela noite. Quem fala são alguns dos que compõem a chamada "linha de frente" do grupo Entrega por SP, indicando a divisão das pessoas nos mais ou menos 25 carros disponíveis naquela terça-feira, e também dando recomendações de como agir e relatos de entregas anteriores.
Fonte: G1