GENEBRA – O governo dos EUA abre uma nova disputa comercial contra a China, quatro dias depois que o governo de Pequim levou aos tribunais da Organização Mundial do Comércio (OMC) uma queixa contra americanos por se recusarem a reconhecer a China como uma economia de mercado. A troca de acusações entre Pequim e Washington confirma o que muitos temem ser um novo período de tensão comercial entre as duas maiores economias do mundo.
Nesta quinta-feira, 15, a Casa Branca pediu a interferência da OMC para julgar as tarifas impostas pelos chineses contra os produtos agrícolas dos EUA. Segundo Washington, as barreiras estariam afetando as vendas de arroz, trigo e milho, com um prejuízo de US$ 3,5 bilhões.
Para os diplomatas americanos, a China estabeleceu cotas e condições de importações que não se justificam e violam os direitos dos exportadores dos EUA. "As políticas chinesas violam seus compromissos na OMC e limitam as oportunidades para que exportadores do setor agrícola dos EUA possam concorrer de forma justa", afirmou o representante de Comércio da Casa Branca, Michael Froman.
Em oito anos do governo de Barack Obama, essa é a 15a disputa entre os dois países. Mas observadores em Genebra alertam que, no final de seu governo, não faria sentido iniciar mais um contencioso para Obama. A interpretação dada era de que os americanos não poderiam deixar sem resposta a nova queixa feita pelos chineses contra Washington, no início da semana.
Pequim ataca o fato de que americanos e europeus não a reconheceu como uma economia de mercado. O processo na OMC foi aberto menos de 24 horas depois do fim do prazo estipulado há 15 anos para o reconhecimento da China em seu novo status.
No último domingo, concluiu-se o período em que a China tinha para reformar sua economia, num acordo estabelecido em 2001 para a adesão do país à Organização Mundial do Comércio. Em troca, ela insiste que deveria ser reconhecida como uma economia de mercado, posição não compartilhada por EUA, Japão, Europa, Índia, Brasil e diversos outros países.
Em termos técnicos, o novo status daria aos chineses a vantagem de ser tratado como todas as demais economias do mundo, sem discriminação comercia. Isso tem um impacto direto na aplicação de medidas antidumping contra produtos chineses.
Importadores de todo o mundo teriam de comparar os preços de bens chineses exportados aos valores que esses mesmos bens são vendidos em seu mercado doméstico, tradicionalmente baixos. Desde 2001, governos podiam escolher como parâmetro para esse cálculo um preço praticado em outro país e normalmente mais elevado. Isso tornava mais fácil concluir que os chineses estavam cometendo dumping e impor barreiras à importação.
Agora, impor medidas antidumping contra a China ficará mais difícil e economias estarão mais vulneráveis à entrada dos produtos de Pequim.
Os chineses, na semana passada, haviam alertado que iriam adotar "retaliações" se o reconhecimento não viesse. Assim que a OMC abriu suas portas, nesta segunda-feira, a primeira disputa foi iniciada.
Num comunicado, o Ministério do Comércio da China alertou que, mesmo com o fim do prazo, EUA e Europa continuam calculando a taxa de dumping com base em critérios que já deveriam ter sido abandonados.
O caso deve aprofundar ainda mais a tensão com o presidente eleito nos EUA, Donald Trump. O republicano, durante sua campanha, prometeu proteger os trabalhadores americanos contra os produtos chineses.
A partir de dados coletados pela OMC e obtidos pela reportagem do Estado, um total de 547 medidas antidumping foram aplicadas pelas maiores economias do mundo contra as importações chinesas entre 2008 e 2016. Para todos os países do G-20, a China foi o maior alvo de barreiras. Só o Brasil aplicou mais de 60 contra os chineses em oito anos, um número superior a todas as taxas contra produtos americanos, coreanos ou indianos, somados.
Fonte: Estadão