Consumidores aproveitando as promoções do Black Friday em loja da Praça Ramos de Azevedo, no centro de São Paulo, na Black Friday de 2015 (Foto: Hélvio Romero/Estadão Conteúdo)
O cenário do comércio não é dos melhores, com queda no consumo mês a mês em meio a uma economia retraída, com altos índices de desemprego e de inadimplência e aperto no crédito. Mas um evento que há 5 anos chegou no Brasil “importado” dos EUA tem se tornado a segunda maior data do varejo brasileiro. É a Black Friday, data oficial de “superdescontos” oferecidos por varejistas para fiscar os consumidores, que acontece desde 2011 e vem crescendo em termos de vendas e faturamento – já ultrapassou o Dia das Mães e só fica abaixo do Natal. Neste ano, em sua 6ª edição, será realizada no dia 25, próxima sexta-feira. A previsão dos organizadores é atingir R$ 2 bilhões em vendas.
“Diferentemente dos Estados Unidos, começamos com um evento online que passou para o varejo físico e, atualmente, a Black Friday brasileira atinge desde o pequeno até o grande varejista. Os lojistas entenderam essa concorrência e estão se preparando cada vez mais para a data com o intuito de atender à demanda e aos consumidores mais informados”, diz Ricardo Bove, diretor da Blackfriday.com.br, organizador da megapromoção.
Em 2015, o crescimento das vendas totais na Black Friday foi menor em comparação com o das demais edições, de 75%, abaixo da média de 100% dos anos anteriores, e neste ano a previsão é de aumento de apenas 30% ante o ano passado. Mas, para Bove, ainda será um ótimo resultado, já que o faturamento deve chegar a R$ 2 bilhões, ante os R$ 1,53 bilhões de 2015.
“Com a crise do ano passado que estava pior, a gente enxerga agora uma luz no fim do túnel. A crise política se estabilizou e a economia começa a dar sinais positivos, e a tendência é a volta do crescimento. Com movimento abaixo do esperado neste ano, o que a gente vê agora é uma chance de recuperar as vendas perdidas, e o consumidor que não estava comprando por causa da retração econômica vai poder adquirir os produtos que esperou o ano todo para comprar, como TV, smartphone e eletrodomésticos”, explica Bove.
Segundo ele, os lojistas negociaram já no primeiro semestre os preços com os fornecedores para conseguir dar bons descontos para os clientes. “Eles estão mais preparados para a data, pois renegociaram datas de pagamento melhores e volumes maiores de mercadoria para ter estoque suficiente para atender à demanda”, diz.
Pedro Guasti, CEO da Ebit, empresa de dados sobre o varejo eletrônico brasileiro, aposta que o fato de as pessoas comprarem menos este ano no comércio em geral gera maior expectativa de vendas na Black Friday. “Claro que o desemprego e a taxa de juros estão ainda em alta, mas o otimismo com a economia melhorou, o preço do dólar caiu cerca de 20% em relação ao ano passado e houve queda no preço dos produtos importados. Os eletrônicos têm componentes importados, o que pode baratear o preço dos eletrônicos”, diz.
Antecipação das ofertas
De acordo com Bove, começou em 2014 a antecipação dos descontos faltando um mês para as 24 horas de promoções na última sexta-feira de novembro. “Mas só 20% do total das ofertas é antecipado, os outros 80% são na data mesmo”, afirma.
Bove explica que muitos lojistas anteciparam as ofertas devido ao grande volume de acessos no dia oficial da promoção, que causa instabilidade nos sites. A antecipação também serve para incentivar o consumidor a já se cadastrar ou atualizar o cadastro nos sites.
Para Maurício Salvador, presidente da Associação Brasileira do Comércio Eletrônico (ABComm), não só a antecipação das ofertas como o fato de a Black Friday ser esticada até a segunda-feira, a chamada Cyber Monday, ocorre para as lojas melhorarem a operação e evitar o pico de demanda e também pela crise econômica para desovar os estoques encalhados. “Algumas começam no mês, outras na semana da Black Friday, mas neste ano a gente acredita que 10 dias antes já começaram as boas ofertas na internet”, afirma.
Por causa dessa antecipação, o pico de vendas no e-commerce começa já em novembro por causa da Black Friday e emenda até o Natal, segundo Bove. Essa prática de esticar o período de descontos ganhou o nome de Black November nos sites.
Salvador afirma que no ano passado, 25% das vendas feitas na promoção eram para o Natal, ou seja, um quarto, e para este ano a previsão é de que cheguem a 30%.
“Tanto neste ano como no ano passado, as datas da Black Friday mais para o final do mês de novembro ajudaram nas vendas do Natal pela proximidade”, diz Salvador.
Descontos serão os mesmos
Para Bove, os descontos não devem ser maiores nesta edição pelo fato de o país estar em crise. “Os descontos vão ser bons, mas o que deve ser maior é o número de produtos em oferta. Porque para dar desconto é preciso tirar a margem de lucro, e eles até conseguem, mas não podem ter prejuízo”, explica. O diretor da Blackfriday.com.br explica que os valores de abatimento variam bastante. “É possível dar 70% de desconto para roupa, mas não para um smartphone, por exemplo”, afirma.
“Os descontos vão ser os mesmos, mas a variedade vai aumentar. Existe uma cultura de que as ofertas mais agressivas estão nos produtos que não têm muito giro, e os que vendem mais não têm tanto desconto. Mas neste ano a variedade de produtos de mais giro vai aumentar, no caso dos eletroeletrônicos, eletrodomésticos, moda, beleza e saúde”, diz Salvador.
Segundo ele, muitas lojas virtuais estão com estoque encalhado e vão usar a Black Friday para reduzi-los.
Para Pedro Guasti, os descontos serão bastante agressivos e o leque de categorias será ampliado na Black Friday, com a participação de muitas empresas do setor de serviços como hotéis, escolas, cabeleireiros, restaurantes e companhias aéreas. “Se não for agressivo, os consumidores não vão comprar. O desempenho das vendas este ano não foi fácil para ninguém. É a hora de se encaixar numa megapromoção e de recuperar de alguma forma parte das vendas perdidas”, diz.
Perspectivas para o e-commerce
A previsão da ABComm é que somente o e-commerce dentro da Black Friday tenha crescimento de 11% nas vendas em relação a 2015, menor que o aumento de 18% ante 2014. Segundo Salvador, o e-commerce de forma geral corresponde a 3,5% das vendas do comércio no país, mas na Black Friday a participação deve chegar a 7%. Mas essa proporção tende a aumentar conforme mais pessoas passem a consumir no ambiente virtual.
Dados da Associação Brasileira do Comércio Eletrônico (ABComm) mostram que o número de brasileiros que fizeram compra pela internet pela primeira vez este ano foi de 4 milhões. Segundo Bove, são 6 milhões de novos e-consumidores ao ano desde 2012. Já a Ebit, empresa de dados sobre o varejo eletrônico brasileiro, aponta aumento no número de consumidores ativos no comércio eletrônico de quase 30% no primeiro semestre de 2016 na comparação com 2015.
Para Salvador, a Black Friday é a grande aposta do varejo eletrônico em meio a um cenário de crise e endividamento, assim como foi no ano passado. “Em 2015 tivemos um salto nas vendas no último trimestre, desde o Dia das Crianças até Natal, com crescimento de 25%. Então acredito que os varejistas olham esse evento como uma salvação de 2016”, afirma.
Pedro Guasti, CEO da Ebit, concorda com Salvador. Ele estima crescimento de 30% nas vendas no dia da Black Friday. “Um único dia representa 15 vezes mais que um dia normal de vendas do comércio eletrônico”, diz.
Segundo ele, o planejamento é maior nas compras pela internet de produtos caros, como eletroeletrônicos. “Para comprar um smartphone em média são 16 dias para decidir a compra. Por isso muitas pessoas esperam a Black Friday para comprar produtos mais caros”, diz Guasti. Segundo ele, produtos com valor agregado mais alto performam ritmo de crescimento de vendas.
Reclamações caem
O número de reclamações na Black Friday apresentou queda de 63% no ano passado em relação a 2014, segundo levantamento do ReclameAqui. Foram 4,4 mil queixas, um terço do volume em 2014, quando foram registradas 12 mil.
Segundo a entidade, houve poucas filas para entrar em sites e raras reclamações de sites sobrecarregados, mas a maquiagem de preços, que consiste em subi-los antes da Black Friday para baixar no dia da promoção, liderou o ranking das queixas.
A promoção no ano passado não ficou nem entre os temas mais comentados do Twitter ao longo do dia. Reflexo da crise, do aumento do desemprego e da queda de confiança do consumidor, o interesse menor pela promoção levou grandes varejistas virtuais a aumentar os descontos no fim do dia. Mesmo assim, houve pouco entusiasmo, e se mantiveram em 2015 as reclamações de propaganda enganosa.
Para Pedro Guasti, o setor de comércio eletrônico se autorregulamentou para monitorar os preços dos produtos e evitar a chamada maquiagem. “Melhorou bastante esse aspecto de 2014 para cá, e quem pratica é punido. Envolve reputação, e não é assim que se aumentam as vendas. As empresas sabem que custa caro recuperar reputação”, diz. Ele aponta que ainda há lentidão e sites fora do ar, produtos que acabam rápido, pois o estoque é finito, mas as empresas estão tentando melhorar todo o sistema.
“O consumidor está fazendo a parte dele e está acompanhando os preços, fazendo pesquisa prévia da empresa na qual ele pretende comprar”, diz.
“Isso passa um pouco pela maturidade dos consumidores, que fazem a lista do querem comprar e pesquisam antes. Quando chega no dia já sabem onde está o melhor desconto. O mercado de tecnologia está se atualizando. O sistema de pagamento e a logística também estão melhorando”, aponta Bove.
Fonte: G1