Foto: Ahmad Jarrah / Circuito MT
Entra mês, sai mês e as obras de revitalização do bairro Porto ainda não foram concluídas. Destinadas ao lazer e entretenimento da população da Capital, uma das regiões mais antigas e tradicionais da cidade se encontra jogada às traças, exposta à violência, tráfico de drogas e problemas sociais diversos.
Logo ao chegar pela rua General Osório, é possível perceber acúmulo de lixo pelas calçadas da rua. Crianças brincam despreocupadas em meio à sujeira, que concentra restos de comida, animais mortos, objetos como sofá, peças de eletrodomésticos e até fraldas descartáveis.
A cor cinza do asfalto se mistura com o marrom da poeira que vem das obras da orla, feitas a poucos metros da via, as quais contabilizam inúmeros prazos ultrapassados. Além disso, o esgoto da região passa ao ar livre, expondo quem anda pela rua a doenças e ao mau odor.
Morador do bairro desde quando nasceu, José Alberto de Paula, mais conhecido como ‘Bido’, disse que a sujeira é um problema antigo. Segundo ele, muita coisa melhorou com a reforma da Praça Maria Rici, localizada ao lado da rua General Osório. Mas que a falta de limpeza segue pelas ruas.
“Eles reformaram a praça que nem a ‘cara’ deles, mas em vista do que era antes, melhorou. Só que a sujeira é demais. Eu mesmo e mais alguns vizinhos já varremos, juntamos a sujeira e colocamos dentro de um saco. Só que o pessoal do caminhão de lixo disse que não ia levar, porque a maioria era folha das árvores. Daí, como que a gente faz? Deixa tudo abandonado e sujo?”, disse ele que, mesmo com um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido há poucos meses, se mexeu para tentar melhorar o bairro.
“Outra coisa também que me incomoda é esse trânsito horrível que passa aqui em frente de casa. Com essas obras que não acabam nunca, a passagem pela Beira Rio ficou impedida. Daí os carros todos desviam por aqui. Tirou toda tranquilidade que tinha nessa parte da cidade, que mesmo sendo próxima ao Centro era bem tranquila”, reclamou.
A comerciante Estefani Sena, de 27 anos, também observa que o bairro é esquecido. Para ela, se houvesse investimentos e projetos concluídos, a região poderia ser mais bem frequentada, como um dos principais e melhores pontos turísticos da cidade.
“Eu acho o bairro um pouco esquecido. É um bairro tradicional, poderia estar muito melhor, mais organizado. Aqui é um patrimônio histórico tombado, poderia ser um bairro estilo o Pelourinho de Salvador”, disse ela se referindo ao tradicional ponto turístico da capital da Bahia.
Outro ponto que Estefani destaca é a falta de segurança no bairro. Ela, que toma conta de uma loja de artigos religiosos, disse que nunca sofreu roubo. No entanto, sua tia, que tem um comércio de pesca ao lado, já sofreu este tipo de violência: “Além disso, o bairro é perigoso. Aqui na minha loja, que já tem 60 anos, nunca teve um assalto. Mas a loja do lado foi assaltada na quinta-feira passada pela terceira vez. Entraram à mão armada e roubaram corrente de ouro, dinheiro da loja, entre outras coisas. Só não roubaram mais porque a gente conhece muita gente. Mas quem faz isso são pessoas de fora, porque as pessoas que moram aqui não fazem isso, porque todo mundo se conhece”.
Junto com a violência, também tem os abusos, sejam eles quais forem. A empregada doméstica Valdilanes da Silva Marques, de 20 anos, disse que se incomoda com a ‘fama’ do bairro. Moradora somente há oito meses, ela disse que já foi confundida por diversas vezes com garota de programa. O que para ela é uma ofensa: “Eu não posso me sentar na praça, porque sempre tem gente que para e já vai direto ao ponto. Tem uma casa aqui perto onde trabalham essas mulheres, acho que por isso o povo acha que eu sou uma delas. Mas eu me sinto muito ofendida quando isso acontece. É muito ruim”.
Morte
Na terça-feira 23, dois homens foram mortos a tiros na rua Comandante Suído, numa localidade conhecida como ‘Beco da Lama’. Eles foram encontrados caídos a 10 metros um do outro.
Ainda não há informações sobre o suspeito de ter cometido o duplo homicídio, mas policiais que investigam o caso desconfiam que o crime tenha sido motivado pelo tráfico de drogas. A informação é circulada pelos moradores do bairro, que afirmam que uma das vítimas era usuária de entorpecentes e já tinha sido presa diversas vezes.
Sem identificação, os residentes do bairro lamentam os ocorridos, mas ressaltam que são casos isolados, embora o bairro seja alvo de grande circulação de drogas e prostituição.
Amor ao bairro
Mesmo com todos os problemas no bairro, moradores da região dizem que não abrem mão do lugar onde residem. Para eles, não há outro espaço em Cuiabá onde há tanta hospitalidade, carinho e respeito entre as pessoas.
Seu ‘Bido’ é um dos que fizeram questão de ressaltar o carinho que tem por aquelas ruas. Ele, que nasceu em Campo Grande (MS) mas veio para a cidade quando ainda era bebê, disse que não saberia viver em outro lugar a não ser o Porto: “Aqui é o melhor lugar de Cuiabá. Aqui ninguém mexe com ninguém. Posso sair à meia-noite, que todo mundo me conhece. Mesmo com todos esses problemas, aqui é um lugar muito bom. Todo mundo se respeita”.
O sentimento do seu Bido é compartilhado com Estefani Sena, que frisa as qualidades do bairro. Ela, que atualmente mora na região do CPA, disse que se arrepende de ter se mudado do lugar que nasceu e cresceu: “Eu fui criada e nasci aqui. Minha família toda aqui. Atualmente eu moro ao lado do Pantanal Shopping, mas sou doida para voltar. Eu amo isto aqui. É um bairro muito bom, porque é perto do Centro. Todo mundo se conhece e todos são muito queridos”.
Estefani ressaltou também que, mesmo com todos os problemas do bairro, é um lugar bom de se viver, onde todo mundo se ajuda. “Minha avó disse que aqui já foi um bairro de família, residencial, com muito orgulho. Ela fala que aqui era um bairro chique e nobre. Eu não consigo imaginar o Porto um bairro nobre, mas apesar de tudo é onde tem minha família, eu o amo e respeito. O que a gente puder fazer pelas pessoas aqui a gente faz, para se tornar um bairro melhor. Porque, querendo ou não, as pessoas daqui são mais humanas que as do prédio onde moro. Aqui é um lugar muito bom para viver”, sintetiza.
Cuiabanos serão contemplados em dezembro
Em dezembro deste ano a prefeitura deve entregar cerca de 1.000 metros da orla localizada na avenida Beira Rio, no Porto. O secretário de Governo Kleber Lima disse que a primeira etapa da obra está bem avançada e que até o final do ano a população terá acesso ao local, que conta com espaço para caminhada, alimentação, mirante e lazer em geral.
Lima explicou que a obra é contemplada com cinco etapas em média, que revitalizará todo o entorno do Museu do Rio: “A primeira etapa é o aterro do local que receberá a calçada em seguida. Logo após o projeto foca no entorno do Museu do Rio e na reforma do novo Aquário Municipal. Mas até o final do ano a população já pode usufruir de parte do espaço”.
Sobre os transtornos provocados pela realização das obras, Kleber frisa que no local há três projetos sendo executados. Deste modo, ele ressalta que a prefeitura não é responsável por parte dos prejuízos causados. “Além das obras da orla do Porto, também tem as obras do córrego 8 de Abril e da CAB. São projetos bem diferentes”.
Quanto à falta de segurança na região, o secretário acredita que com a entrega das obras famílias voltarão a frequentar o espaço e a violência deve cair. Além disso, ele revelou que após a conclusão do projeto, há outro plano para ser executado: “Com a entrega das obras, vamos viabilizar a construção de uma base militar nas proximidades, pedir reforço da Polícia Militar junto com ações da Secretaria de Ordem Pública. Ainda vamos fazer novas instalações para ampliar mais a iluminação da região, além de termos o projeto de revitalização das fachadas dos patrimônios históricos. Com isso, as pessoas vão frequentar o espaço não só de dia mas também à noite”.
Por fim, em relação à falta de limpeza no bairro, Kleber destacou que Cuiabá não sofre deficiência na coleta de lixo. O secretário pontuou ainda que os caminhões não são orientados a recolher entulhos que são acumulados nas calçadas da região: “Os moradores têm a cultura de despejar objetos em calçadas e em terrenos baldios do bairro. É importante que quando isso ocorra haja uma denúncia para que a prefeitura possa fazer a coleta desses objetos e responsabilize o autor. Mas o orientado é que isso não ocorra mais e que estes entulhos sejam levados a locais apropriados”.