A presidente sustentou que a lei 12.845, de 1º de agosto de 2013, passou a garantir que o atendimento seja “imediato e obrigatório” em todos os hospitais do SUS. “Para realizar a interrupção legal da gestação, o estabelecimento deve seguir as normas técnicas de atenção humanizada ao abortamento do Ministério da Saúde e a legislação vigente. O gestor de saúde municipal ou estadual é o responsável por garantir e organizar o atendimento profissional para realizar o procedimento”, afirmou Dilma ao GLOBO.
A lei citada foi sancionada pela presidente para assegurar atendimento médico a mulheres vítimas de violência sexual. Causou polêmica junto às bancadas evangélica e católica no Congresso por prever a “profilaxia da gravidez” — a mais comum é a pílula do dia seguinte — e o fornecimento de informações sobre a possibilidade legal de aborto em caso de estupros. Segundo essas bancadas, Dilma estimulava o aborto ao sancionar a lei sem vetos. Grupos religiosos protestaram em frente ao Palácio do Planalto contra a sanção da lei.
A última ofensiva religiosa contra o governo visou a portaria do Ministério da Saúde que definia os valores dos atendimentos de aborto na rede pública — a tabela do SUS passaria a trazer o montante de R$ 443,40 por procedimento e só se referia aos casos aceitos pela legislação: estupro, risco de vida à mulher e gestação de anencéfalo. Após forte pressão de parlamentares evangélicos, em especial do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), o ministério revogou a portaria, no último dia 28. A explicação oficial é que a revogação ocorreu por “questões técnicas”. A posição da presidente, agora, é uma defesa de que esses casos sejam atendidos em qualquer hospital da rede pública.
A resposta foi enviada ao GLOBO pela Secretaria de Imprensa da Presidência, que ressaltou que esse posicionmento é de Dilma como presidente da República, e não como pré-candidata à reeleição. Dilma afirmou que houve redução de mortes de mulheres por conta de abortos malsucedidos e atribuiu essa queda à “ampliação da rede de serviços à saúde integral da mulher, incluindo o tratamento às vítimas de violência”.
Segundo a presidente, os óbitos caíram de 16,6 para 3,1 a cada 100 mil crianças nascidas vivas, entre 1990 e 2011. “O aborto, que nos anos 90 era a principal causa de morte materna, figura hoje na quinta posição, respondendo por 5% dos casos.”
No último dia 23, Dilma lançou um relatório com esse indicador sobre mortes de mulheres em razão de abortos. O documento foi elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base em dados fornecidos pelo Ministério da Saúde. Bancos de dados do próprio ministério não reproduzem números tão otimistas. A quantidade de mortes não está caindo ao longo dos anos, segundo os números do SIM. O mesmo sistema, ao usar uma quantidade menor de classificações de interrupção de gravidez, também não aponta queda tão expressiva.
A redução dos casos de mortes por aborto foi citada no relatório de acompanhamento dos objetivos de desenvolvimento do milênio. Uma dessas metas, acertadas com a Organização das Nações Unidas, é reduzir a mortalidade materna, até 2015, a três quartos do nível observado em 1990. A meta não será alcançada. Por ano, 1,5 mil brasileiras morrem no parto ou em até 42 dias após o parto. Segundo Dilma, a ampliação da assistência à saúde das mulheres contribuiu para a “redução da mortalidade materna em 54% nos últimos 22 anos”.
Números apresentados por Dilma ao GLOBO mostram um ligeiro aumento de abortos legais entre 2011 e 2013, de 1.495 para 1.520 casos. Em 2012, foram 1.613 casos. O número de estabelecimentos de saúde que fizeram os procedimentos diminuiu entre 2010 e 2012, segundo a resposta de Dilma, de 243 para 210.
O GLOBO consultou os três principais pré-candidatos à Presidência para que manifestassem a posição sobre a legislação do aborto e sobre o atendimento a essas mulheres na rede pública. Dilma só comentou o segundo tópico. A assessoria do senador Aécio Neves (MG), pré-candidato pelo PSDB, não respondeu às perguntas, feitas sexta-feira e reforçadas ontem.
O ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, pré-candidato do PSB, informou: “A coordenação do plano de governo da aliança PSB-Rede-PPS-PPL tem feito nas duas últimas semanas discussões sobre o tema ‘Saúde da Mulher’ com vários grupos. Um dos temas abordados é justamente o atendimento às mulheres que tenham complicações de saúde por terem provocado o aborto sem respaldo legal. A falta de números confiáveis de mortes provocadas por abortos malsucedidos também tem sido tratada nos grupos”, informou a assessoria da pré-candidatura. “É consenso que essas mulheres devem ter o atendimento garantido pelo SUS. Programas específicos devem ir além do atendimento clínico. Tanto Eduardo Campos quanto Marina Silva consideram que a legislação atual já trata de forma adequada os casos em que o aborto deve ser autorizado”, concluiu.
Na campanha em 2010, Dilma assinou carta garantindo a grupos religiosos ser contra o aborto e mudanças na legislação. O tema pautou boa parte do período eleitoral. Eleita, Dilma voltou a enfrentar a ira das bancadas evangélica e católica ao indicar a feminista Eleonora Menicucci, que já deu declarações a favor do aborto, ao cargo de ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência. Ano passado, os religiosos criticaram a sanção da lei que ampara mulheres vítimas de violência sexual. E, por último, atacaram a portaria que amplia os valores do SUS nos procedimentos de aborto legal.
GLOBO