Política

Greve dos médicos de Cuiabá chega ao fim; caos na saúde, não

Fotos Ahmad Jarrah

Após 51 dias de farpas trocadas na imprensa, processos, divulgação de áudio de reunião e queda de braços, a paralisação dos médicos da rede pública de Cuiabá acabou. Na noite desta terça-feira (26), em assembleia geral, a categoria aprovou por maioria o retorno imediato ao trabalho.

O Tribunal de Justiça Mato Grosso (TJMT) decretou, em caráter liminar, a greve ilegal antes mesmo de seu início, aplicou multa diária no valor de R$ 50 mil, posteriormente passando a ser R$ 70 mil. No dia 14 de abril, o Pleno do TJMT manteve a ilegalidade da paralisação.

Com isso, a categoria recuou e, a partir daí, pretende abrir diálogo com a prefeitura para negociações.

 “Tínhamos duas opções, esperar o julgamento desse mérito em greve, ou voltar a trabalhar e tentar abrir um canal de diálogo, porque a Prefeitura se manteve irredutível em não negociar nos 51 dias de greve. Se há essa intransigência da prefeitura, pagamos para ver se haverá um diálogo”, afirma a presidente o Sindimed, Eliana Siqueira.

No dia 24 de maio uma nova assembleia geral deve ser realizada pela categoria para avaliar como foi o primeiro mês após o encerramento da greve. Caso não tenham andado as negociações com a prefeitura, a presidente do Sindicato não descarta um retorno da paralisação.

O Sindicato da categoria também está com uma liminar na justiça pedindo para que o dinheiro dos pontos dos médicos em greve seja devolvido, já que o mérito da ação de ilegalidade ainda não foi julgado.

A presidente do sindicato da categoria disse que não considera essa decisão uma derrota, mas, sim, um “recuo estratégico” e que as lutas e denúncias do descaso da saúde continuarão. “O recuo é uma estratégia de guerra. Nem sempre a gente pode enfrentar o inimigo com as mesmas armas”.

Ainda nesta quarta-feira (27), o Sindimed irá notificar a Prefeitura sobre a suspensão da greve e irá aguardar uma possível reunião. 100% dos médicos já estão trabalhando em seus respectivos postos e plantões.

Os médicos optaram pela paralisação reivindicando melhores condições de trabalho, pagamento de horas extras e implantação do piso nacional de R$ 12,9 mil por 20 horas semanais. O estopim da queda de braço foi quando a prefeitura fez um corte de 14% no Prêmio Saúde para todos os trabalhadores da saúde municipal.

Nesses quase dois meses o Sindicato dos Médicos vem denunciando diariamente irregularidades nos postos de saúde, policlínicas, UPAs e até no Pronto Socorro Municipal. Esse também é um dos motivos: o descaso da Prefeitura com a saúde. “Essa greve infelizmente impactou nos atendimentos e é essa a nossa preocupação, não adianta manter essa truculência e tensão, nós fomos até onde a gente pôde, mas entendemos que essa luta não pode parar por aqui e não vai, a gente vai continuar denunciando todo o descaso com a saúde pública ainda, porque a gente entende que sem essas mínimas condições, a população está em risco e os médicos também”.

PACIENTES RELATAM O QUE VIVEM

Em conversas informais, seja em qual classe social as pessoas pertencerem, ninguém gostaria de precisar do Serviço Público de Saúde. O estigma do sistema é de filas de espera, mau atendimento e até de mortes que poderiam ser evitadas. O Circuito Mato Grosso vem ouvindo pacientes e médicos da rede pública de Cuiabá e Várzea Grande para um diagnóstico.

Na Policlínica do Planalto às 17h de terça-feira (16), o casal de haitianos Violette Pierrot e Atiles Casseus serão pais e aguardam para fazer o pré-natal. Apesar de a gestação já ser de quatro meses, tempo mais que suficiente para saber o sexo do bebê, Violette ainda não o identificou. Isso porque a haitiana ainda não teve acesso a nenhuma consulta para o pré-natal, porque nos lugares onde foi não conseguiria fazer esse tipo de atendimento por falta de especialistas.

Com os exames médicos realizados no pré-natal, é possível identificar e reduzir muitos problemas de saúde que costumam atingir a mãe e seu bebê. Doenças, infecções ou disfunções podem ser detectadas precocemente e tratadas de forma rápida. Alguns desses problemas podem causar o parto precoce, o aborto e até trazer consequências mais sérias para a mãe ou para o seu bebê.

O ideal é que as mães iniciem o pré-natal no primeiro trimestre. Aos 33 anos, Violete está na sua terceira gravidez. Segundo Eliana Siqueira, o pré-natal é fundamental para que a paciente tenha uma gestação saudável. “Esses primeiros meses são fundamentais para garantir a saúde da paciente. Hoje estamos sem exames básicos disponíveis [na rede pública] como glicemia e ultrassom”, denuncia a pediatra e presidente do Sindimed Eliana Siqueira.

12 HORAS DE ESPERA

O aposentado Eulálio Ferreira de Oliveira, 72 anos, estava na fila de espera da policlínica desde as 5h30min e às 17h do mesmo dia ainda não tinha sido atendido. Com dores, o aposentado conta que chegou a se exceder no local. A médica do local foi até o senhor e pediu para ele se acalmar.

“Eu reclamei. Fiquei nervoso por causa da dor que sinto. Eu não aguento. Se tomo água vomito, se como vomito… Não é fácil. Desde sábado não me alimento. Estou com pneumonia. Dói minha costela, tenho tosse, febre. Não me alimento, porque vomito. O negócio meu não está fácil. Fui conversar com um senhor aí dentro e ele disse que o problema não é dele, é do médico. Eu acho que o prefeito não está alimentando o sistema. Tem só um médico para atender… Pelo amor de Deus”, clama o senhor Eulálio.

As policlínicas atendem por ordem de chegada e por prioridade, dividindo os pacientes segundo a classificação Manchester, sendo verde para pouco urgente, amarela urgente e vermelha emergência. Com a greve dos médicos, todos os atendimentos foram classificados como amarelos, mesmo os de baixa prioridade.

De acordo com Eliana Siqueira, o senhor Eulálio, pela descrição, se encaixaria como amarelo, entretanto assume que há falhas nas avaliações de prioridade. “Apenas olhar para a cara do paciente não é o bastante para classificação, é preciso vários aparelhos para analisar o paciente. Ter um protocolo definido é muito importante. Tem que haver capacitação, e ter uma remuneração melhor dos enfermeiros que fazem esse atendimento”, aponta.

Para a médica, com uma melhor remuneração, o cargo atrairia profissionais mais capacitados, e deixaria de ser um lugar em que os enfermeiros permanecem apenas “enquanto não acham algo melhor”.

Já o senhor Eulálio, analisa: “Eu gostaria que melhorasse a situação de atendimento de médicos. Precisamos de médico. Calcula a senhora: estamos numa sala com 50, 100 pessoas para serem atendidas por uma única pessoa. A doutora me falou ‘Não é fácil para mim’. É difícil até para ela… Eu não culpo ela, não”, relata o aposentado.

Na terça-feira (26) a clínica geral Valessa Ferreira estava responsável por toda a demanda da policlínica durante o dia.

UPA MORADA DO OURO

Na UPA Morada do Ouro, às 18h de terça-feira (26), pacientes não param de chegar. O quadro de médicos será preenchido por três a quatro médicos por período, a sala de espera estava cheia, especialmente de crianças.

A mãe de Pedro Antônio de dois meses de idade, Thaynara de Souza, de 18 anos, foi à UPA Morada do Ouro para receber atendimento. “O meu filho está com peito cheio e tossindo bastante”. Os pais do bebê foram até a UPA, pois na Policlínica do Planalto não havia pediatra, como constatado pela reportagem.

O jardineiro, Lucas Ferreira da Silva, 20 anos, estava na UPA com caxumba.  Na recepção do hospital, o jardineiro estava sendo medicado e a namorada segurando a bolsa de soro, pois não tinha apoio móvel adequado.

No domingo (24), Lucas já tinha ido à UPA com a glândula salivária no pescoço bem inchada. O médico disse ser uma infecção de garganta. “Nem me examinaram direito. Nem tocaram na minha garganta. Tomei duas injeções, e minha doença não tinha nada a ver com garganta inflamada”.

Já na segunda-feira (25) o inchaço das glândulas aumentou de forma a mudar a fisionomia de Lucas. Na terça-feira, sem aguentar as dores, o jardineiro voltou ao hospital e só assim descobriu que era caxumba.

Nesse meio tempo, ainda no hospital, Lucas precisou tomar medicamentos em injeção. “Eu saí pelos corredores com a perna bamba. Batendo nas paredes… Sorte que minha namorada estava me esperando na porta do hospital e eu consegui achar ela. Se ela não tivesse aqui, eu estaria no chão.. Por que minha perna endureceu os músculos”.

O casal Anderson Taroco e Carolina Gonçalves estavam na recepção com as duas filhas, uma de 6 anos e outra de 1 ano e 3 meses. A filha menor estava com suspeita de virose, com a garganta inflamada, diarreia, dor na barriga. A esperança era que o atendimento fosse feito de maneira rápida, mesmo que as experiências anteriores não tenham sido das melhores.

“Quando viemos pela primeira vez, por causa da greve dos médicos, a minha filha não foi atendida porque não havia pediatra. Quando eu precisei do serviço, ficamos esperando por atendimento por 3 horas. O atendimento aqui é bom, o único problema é a demora”.

Outro lado

Até o fechamento desta edição a prefeitura não havia respondido a reportagem. 

Confira reportagem na edição 581 do jornal impresso

Cintia Borges

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