Os sinais milenares da Serra da Cantareira ainda estão presentes no Conjunto Hospitalar do Mandaqui, zona norte paulistana. O espaço, em meio a árvores e vegetação, no entanto, não esconde a influência dos problemas urbanos trazidos por pacientes dos quatro cantos da cidade. O outrora pacato recanto para tuberculosos se transformou em um agitado centro de atendimento. Filas obrigam as pessoas a esperarem até do lado de fora.
Com o surto de Influenza, causada pelo vírus H1N1, então, a situação piorou, conforme constatou o R7 não só nesse como em vários outros hospitais da capital paulista. Seja no cenário gótico medieval da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (estadual), no arborizado Mandaqui (também do Estado) ou nas modernas construções espelhadas de hospitais particulares como o Samaritano e o São Camilo, o DNA é o mesmo: recepções abarrotadas, estacionamentos lotados, horas de espera por um atendimento.
A procura, segundo funcionários ouvidos pela reportagem, aumentou em cerca de 30%. Os profissionais apelaram para algumas recomendações inusitadas. No mesmo Mandaqui, Laís Pereira Rhormens, de 83 anos, foi levada para o jardim, com enfisema pulmonar. Lá, sentada em uma cadeira de rodas próxima à mureta, em vez dos equipamentos, teve como tratamento básico a atmosfera bucólica. Seria algo positivo, se o motivo não fosse a longa espera. A filha dela, Regina, ao lado da irmã Ruth, explicou:
— Fomos antes ao hospital São Luiz Gonzaga, no Jaçanã, e não houve atendimento. Por lá não tem acomodação para ninguém, está mais lotado. Pelo menos ela foi atendida aqui (Mandaqui) e agora estamos esperando para ver o que o médico vai dizer. Acharam melhor ela ficar do lado de fora para não correr risco de pegar a gripe com a lotação nos corredores.
Laís foi com soro e tudo para o ar livre e não perdeu o bom humor. Seu olhar brilhante contrastava com a face abatida. E, diante da realidade da vida, a senhora demonstrava satisfação simplesmente por estar acompanhada de suas filhas.
Outra filha, Helena Barbosa, 60 anos, acompanhava a mãe, Lúcia Barbosa, de 79, que estava internada após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral). Segundo ela, Lúcia estava havia três dias em uma maca em um corredor no Mandaqui, devido à lotação no hospital.
"Terapia" na fila
Ainda na zona norte, o Hospital São Camilo também registrava números acima da média por causa da gripe. O estilo futurista, com cores brancas, vermelhas e prateadas, lembrava filmes de ficção científica, em que pacientes mascarados tentam evitar uma doença viral mutante, como é a Influenza. Era assim que estava boa parte dos que esperavam: sentandos perplexos, entediados e com máscaras de proteção para não infectar acompanhantes.
No caso de Anne Rinaldi, de 51 anos, a fila serviu como uma espécie de terapia. Ela disse que foi ao São Camilo em busca de atendimento para uma forte depressão. Esperou por seis horas e nada. Até que desistiu. E, já sentada no banco do estacionamento, sentiu uma espécie de libertação ao ver os carros enfileirados enchendo os manobristas de trabalho. O melhor de tudo é que iria embora a pé.
— Foi positivo sentir que eu poderia desistir e não me submeter a essa espera absurda. Fiquei aliviada e mesmo assim vou procurar atendimento em outro local. Ou ficar em casa, que é melhor do que aqui.
Na calçada
Juliana Fernandes, de 24 anos, deixou o local com a confirmação de que havia contraído H1N1. Estava lá desde as 9h da manhã e, após vários exames, saiu às 15h para ir ao posto comprar o medicamento indicado pelos médicos. Sua mãe não se queixou do atendimento, mas sim da maratona.
Perto dela, um funcionário tentava orientar pacientes atônitos. Ele confirmou que o movimento e o tempo de espera quase triplicaram desde o fim do mês passado, quando a doença se intensificou.
— Antes a demora por um atendimento era de em média 40 minutos. Agora está chegando perto de 2h.
Na Santa Casa de Misericórdia, zona oeste, Rosa Santos, de 49 anos, estava sentada na calçada da entrada do Pronto Socorro. Depois de não encontrar atendimento para o marido em Cotia, a solução foi ir à capital paulista. E isso com o companheiro estando com suspeita de ter pedras nos rins. Segundo ela, estavam esperando há quase quatro horas.
— Ele ficou lá dentro, na fila. Chega a gemer de dor, o abdômen está rígido, mais ainda não foi atendido.
Placas de orientação
O Hospital Samaritano, que contabiliza mais de 135 casos de H1N1 neste ano (contra nenhum em 2015), além de uma ala especial de atendimento, colocou placa de orientação sobre como agir em caso da doença. O mesmo ocorreu no São Camilo. Isso, porém, não impedia a ocorrência de uma enorme fila.
Em todo o País, o vírus da gripe H1N1 já atinge 11 Estados. Segundo o Ministério da Saúde, foram 305 casos da doença até 19 de março, com 46 mortes, 10 a mais do que em 2015. São Paulo é o Estado com maior incidência, registrando 260 casos (a Região Sudeste tinha 266), com 38 mortes.
A campanha de vacinação foi antecipada para o início de abril (no dia 11 passarão a ser imunizadas crianças, gestantes e idosos). Se a lotação sempre foi uma doença crônica da Saúde brasileira, o surto de Influenza provocou ainda mais situações improvisadas.
O próprio repórter ficou preocupado em relação à dona Laís, logo que saiu do Mandaqui. Ao lado do motorista, foi olhando da janela diminuírem os contornos da cadeira de rodas cercada de verde e de inseguranças. Mal o carro passou o arco de entrada e, já na rua, ouviu o primeiro trovão. Ele pensou na simplicidade e nas dificuldades de dona Laís a céu aberto. E começou a chover.
Fonte: R7