Chamar Marília Beatriz de Figueiredo Leite de imortal transcende o título de membro da Academia Mato-grossense de Letras (AML), da qual foi presidente por dois anos. É eterna por suas obras literárias, pela luta para valorizar a cultura mato-grossense, pela contribuição ao Ensino e à Pesquisa, por seu olhar vanguardista, pela sabedoria, pela saudade que deixou. E, no próximo dia 09 de maio, aniversário de Mato Grosso, será homenageada com duas produções: um documentário de longa-metragem e a publicação de um livro inédito com poesias dela e de Caio Augusto Ribeiro.
O lançamento do filme e o pré-lançamento do livro serão virtuais, em live promovida no canal do Centro Audiovisual Luiz Marchetti (CALM) no Youtube, em 09 de maio, às 19h (horário de Cuiabá). O lembrete já está disponível no site, para os espectadores se agendarem.
As obras compõem o projeto “Cuiabá – Marília Beira-Mar”, do CALM, contemplado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel/MT), com recursos da Lei Aldir Blanc, em edital batizado com o nome dela: o Conexão Mestres da Cultura – Marília Beatriz de Figueiredo Leite. Homenagem para uma poeta que tanto fez por Mato Grosso e partiu em julho de 2020 em decorrência da Covid-19.
O documentário homônimo é focado em sete livros de autoria solo de Marília Beatriz (sendo dois inéditos) e o de coautoria com Caio Ribeiro, recém editado. Há também memórias de familiares, depoimentos de amigos e performances, entrecortados por intervenções de Marília, a partir de vídeos de acervo.
“Ele é um vídeo-arte, tem um tom de index [sobre a produção literária de Marília], permitirá a qualquer professor e estudante de Literatura mato-grossense um material de pesquisa; e ainda carrega um olhar de quem conheceu nossa homenageada, ora a professora – face informativa, ora a escritora – grande artista!”, resume o cineasta Luiz Marchetti, diretor do documentário.
O livro de poesias “Loucos e Sábios: O livro dos diamantes”, publicado pela Entrelinhas Editora, é sobre o relacionamento entre Marília e Caio, duas pessoas no deslimite entre a loucura e a sabedoria, que buscam contar e entender, entre poemas e rabiscos, a história de amor que vivenciaram.
Marília Beatriz de Figueiredo Leite era graduada em Direito e mestra em Comunicação e Semiótica, foi uma das fundadoras da Universidade Federal de Mato Grosso e marcou a Educação, a Comunicação, as artes e as culturas do Estado. Atuou como advogada, escritora, teatróloga e professora. Publicou cinco livros de autoria solo em vida e tantos outros em obras coletivas. Ocupa a cadeira 02 da AML desde 2015. Despediu-se em 03 de julho de 2020.
É Cuiabá e é Beira-Mar, não apenas por Marília ser carioca de nascimento e cuiabana de coração, mas por ser mar, infinita, por olhar à frente, por ser horizonte.
O filme Cuiabá – Marília Beira-Mar
O documentário de longa-metragem Cuiabá – Marília Beira-Mar (54 minutos) apresenta depoimentos de personalidades da cultura mato-grossense como Maria da Glória Albues, Ivan Belém, Clóvis Matos, Ruth Albernaz, Eduardo Mahon e Ivens Cuiabano Scaff, ora contando memórias com a homenageada, ora apresentando um dos oito livros contemplados no filme.
Há também falas saudosas da irmã Moema de Figueiredo Leite e de sobrinhos, bem como performances executadas por nomes como Vera Capilé e Wanda Marchetti. Caio Augusto Ribeiro está, claro, no longa, na condição de depoente e de performer.
O espectador vai conhecer mais sobre os cinco livros solo de Marília – O mágico e o olho que vê (Edufmt, 1982), De(sign)ação: Arquigrafia do Prazer (Annablume, 1993), Viver de véspera ou antes mesmo (Carlini & Caniato, 2018), Agudas ou Crônicas? (Carlini & Caniato, 2019) e Corte de Vinho (Carlini & Caniato, 2019) – e os três livros inéditos – “Tremor essencial”, “Lugar do desejo” e “Loucos e Sábios: O livro dos diamantes”, pela Entrelinhas Editora, a serem lançados.
A filósofa Maurilia Valderez do Amaral comentou sobre o único livro acadêmico de Marília, o De(sign)ação: Arquigrafia do Prazer, resultado da dissertação de mestrado dela. Valderez não fala apenas sobre a obra, claro, mas também sobre o encontro com a homenageada, que conheceu na década de 1980, pelo interesse comum por Oswald de Andrade. “Eu a conheci logo que cheguei a Cuiabá. De imediato, Marília me capturou, por sua postura ‘oswaldiana’. Há um aforismo do Manifesto Antropófago que sempre me remete a ela: ‘a alegria é a prova dos nove’”, pontuou.
A postura oswaldiana de Marília, segundo vê Valderez, está em se alimentar de todas as expressões culturais (processo antropofágico, como postularam os modernistas), sem preconceitos, e gerar o novo, a vanguarda. “Marília sabia transformar o trágico em alegria, ela tinha uma ponta do humor que não podia faltar. Foi potência de vida”.
De(sign)ação: Arquigrafia do Prazer, aliás, estudou uma obra de Oswald de Andrade – Serafim Ponte Grande (1933) – e se debruçou sobre o “eixo do prazer”. “Aquele livrinho é enorme. Dá dor de cabeça. Marília dá a pensar. Ela problematiza a linguagem, a morte”.
E Valderez convida o público a conhecer Marília, por meio do documentário, por meio de suas obras ou por tantas homenagens merecidas. “Ela é um personagem da cultura mato-grossense. Ousada, no bom sentido da palavra, iconoclasta, era das ambiguidades – respeitava o institucional e quebrava paradigmas – e tinha contradições como todo ser humano. Uma pessoa dessa merece um documentário! Foi muito feliz a iniciativa do Luiz [Marchetti]”.
O livro Loucos e Sábios
Caio Augusto Ribeiro e Marília se conheceram em 2017. Ele, um jovem de 21 anos iniciando na literatura; ela, o que bem queria ser. Os mais de 50 anos de diferença de idade marcavam apenas os conhecimentos diversos que trocavam, pois a vivacidade e o carinho eram norteadores na relação dos dois.
De cerimônias formais a manifestos públicos, estavam juntos. “Ela me dirigia [enquanto ator], eu a acompanhava em posses na Academia [Mato-grossense de Letras], foi rolando uma parceria criativa muito grande e, dentro disso, nossos afetos. Você consegue imaginar Marília colando lambes poéticos na UFMT?”, lembrou.
As pessoas que conheciam um, outro ou os dois “queriam entender o que era esse fenômeno Marília e Caio” e cada hora criticavam uma das partes. Seria a Marília que se aproveitava da loucura de Caio? Seria Caio a beber da sabedoria de Marília? “As pessoas conservadoras tentavam nos enquadrar como casal, mas era muito maior. Era carinho, amor, vontade de estar junto, impactos, poesia”, contextualizou Caio.
E a dupla começou a escrever sobre suas vivências, trocar mensagens, poesias, não havia a intenção de gerar um livro, mas de externar, para entender. Quase uma pesquisa. E chegaram ao conceito de “deslimite”. Para que enquadrar, limitar?
Em 2020, os dois decidiram publicar os escritos. E qual a surpresa? Marília se vai. Mas Caio, emocionado, explica que “isso também é coisa de Marília. Parece que sabia que ia partir e, virginiana que era, deixou tudo pronto”. O livro estava organizado e o edital Conexão Mestres da Cultura permitiu a edição. O projeto cumpriu o desejo da coautora de publicar pela Entrelinhas.
Inclusive, estavam no “prelo”, quando Marília partiu, os livros de poesia “Tremor essencial” e “Lugar do desejo”. “Terminamos de editá-los uns 20 ou 30 dias antes de ela falecer. Eles foram impressos em setembro, outubro de 2020 e aguardam o momento mais seguro para um lançamento presencial”, explicou a editora Maria Teresa Carracedo.
“‘Loucos e sábios’ começou a ser editado após o falecimento de Marília, que já havia me falado do livro que estava terminando de escrever com o Caio. Me senti totalmente compromissada com a obra”, continua Maria Teresa. “Os novos livros de Marília são muito especiais e certamente marcarão a obra da artista como uma grande contribuição à literatura. Fico feliz por realizar essas publicações, mas triste por ela não estar entre nós nesses lançamentos”, conclui.
Serviço
Lançamento do documentário “Cuiabá – Marília Beira-Mar” e Pré-lançamento do livro “Loucos e sábios: o livro dos diamantes”
Data: 09/05, às 19h (horário de Cuiabá)
Local: Canal do CALM no Youtube