Circuito Entrevista

“O Estado está quebrado. Eu sei disso”

O ex-prefeito de Cuiabá Mauro Mendes (Democratas-DEM) foi um dos últimos candidatos a confirmar estar na disputa pela vaga majoritária das eleições estaduais de 2018. Apesar de ter saído depois, as pesquisas o apontam como um dos favoritos entre os eleitores. O maior rival do atual governador Pedro Taques falou com exclusividade ao Circuito Mato Grosso sobre suas propostas e fez uma avaliação sobre o atual governo.

Circuito Mato Grosso: Vamos falar de economia. O senhor falou que o Estado aumentou a arrecadação nos últimos anos, mas Mato Grosso está atolado em dívidas – e isso é público, apesar de o governador Pedro Taques volta e meia negar e alegar que os números são fantasiosos. Em sua opinião, onde ele errou?

Mauro Mendes: Faltou experiência, principalmente do governador Pedro Taques. Faltou experiência e aptidão para fazer gestão. Ele foi até um bom senador, foi um bom procurador da República, mas não mostrou a menor competência e experiência para ser um gestor do Executivo do nosso Estado. Ele tem dificuldades, inclusive, em ler o próprio balanço, as informações que eu digo estão no balanço do Estado, estão no relatório do Tribunal de Contas. Existem centenas de fornecedores sem receber, existe o atraso de salários, os atrasos dos poderes, hospitais fechando por falta de pagamento, existe carro de polícia sendo recolhido por falta de pagamento. Isso é verdade ou mentira?

CMT: E se o senhor conseguir vencer as eleições e se defrontar com falta de receita? Não teme pegar um Estado realmente quebrado?

M.M.: Estou dizendo isto desde agora: o Estado está quebrado, eu sei disso. Não conheço 100% a situação do Estado, é impossível para um cidadão de fora, por mais que eu busque números e relatórios. Tem coisas que é só quando você senta lá que você vai ter uma real dimensão do tamanho dos problemas.

CMT: Em relação aos gargalos que existem na economia do Estado, o que o senhor pensa em fazer em relação à questão da dívida com a Bank of America? O senhor reduziria o investimento nos poderes? Porque é uma questão política.

M.M.: Disse e repito aqui e muitas vezes: vou renegociar, vou dialogar com todos os envolvidos. Vamos mostrar a dura realidade que o Estado tem hoje e que todos, literalmente todos, precisamos nos esforçar muito para tirar Mato Grosso dessa situação. Com diálogo, nunca com ameaça, nunca com pressão.

CMT: Mas vocês não têm proposta para a dívida pública então?

M.M.: Dívida pública nós vamos dialogar com os bancos, nós temos contrato assinado, não tem como mudar sem diálogo e convencimento de fazer uma repactuação. Para os bancos vale a mesma frase: vamos dialogar, vamos pedir e vamos tentar encontrar uma solução diferente da que existe hoje.

CMT: E medidas impopulares, como a redução do custo com o pagamento de pessoal, que esse até é um indicativo do Tribunal de Contas do Estado (TCE)?

M.M.: Não tenho medo de medidas impopulares, como cortar a folha de pagamento, desde que elas sejam melhores para todos. Mas existe um princípio que nós teremos que adotar que é o respeito à legalidade. Vamos respeitar a legalidade em toda e qualquer medida que nós eventualmente possamos tomar.

CMT: Taques também fala muito dessas dívidas dele, algumas foram para situações que são de urgência, como a contratação de mais profissionais para a segurança pública e mais professores, e pagar melhor os professores. O senhor percebe que isso aconteceu e, em caso positivo, pretende manter esta política?

M.M.: Primeiro que tudo aquilo que já foi conquistado legalmente não pode ser tirado. Isso é um princípio-base não só da administração pública como também um princípio consagrado em nossa Constituição. Eu, na condição de governador, não tenho nenhum poder para mudar a Constituição. Então vamos cumprir a lei, vamos cumprir a Constituição e vamos administrar com a realidade, que uma parte dela nós já conhecemos.

CMT: A questão fundiária é outro gargalo em Mato Grosso. Existe toda uma confusão fundiária. Falam que se resolver isso beneficiaria, inclusive, a receita. O Imposto Territorial Rural (ITR) é federal, mas Mato Grosso do Sul criou outros impostos para o agronegócio e melhorou bastante a arrecadação. O senhor pensa nisso ou não?

M.M.: Com inteligência e estratégia, nós teremos que adotar medidas que possam melhorar o desempenho da receita pública sem aumentar impostos, buscando aumentar a efetividade que é na cobrança do que já é devido.

CMT: O senhor pode exemplificar melhor?

M.M.: Você tem aí exemplos claros com que nós podemos aumentar a receita. Liberando um pouco a atividade econômica, licenciando mais rápido, diminuindo um pouco a burocracia, combater a sonegação, existem muitas ações que podem ser implementadas para melhorar a receita pública.

CMT: Licenciamento mais rápido seria o licenciamento ambiental?

M.M.: Sim.

CMT: Vocês apoiam mudança nas regras?

M.M.: Nas regras que possam, com segurança e com respeito ao meio ambiente, mas que não se precise de seis meses, um ano, dois anos, para licenciar. Pode ser muito mais rápido liberar as atividades econômicas e, inclusive, gerar emprego e aumentar a receita do Estado.

CMT: E os compromissos ambientais que a gestão atual assumiu? Por exemplo, Pedro Taques foi à Europa (na Conferência do Clima de Paris em 2015) e assumiu compromisso internacional com a Cop-21 de redução de desmatamento, e assim recebeu investimentos de bancos estrangeiros, inclusive o próprio Carlos Fávaro participou das negociações. Esses compromissos seriam mantidos em um futuro governo do DEM?

M.M.: Teremos que conhecê-los com profundidade. Farei sempre aquilo que for melhor para Mato Grosso e para a maioria de seu povo.

CMT: Sobre o caos na saúde, especialistas do setor afirmam que a raiz do problema não é falta de dinheiro e sim de gestão. Os hospitais regionais foram construídos a partir da demanda política, através de repasse de emendas dos deputados estaduais, por exemplo, e não com visão estratégica. Quais são suas propostas para melhorar a gestão da saúde?

M.M.: Falta recurso sim e falta gestão sim. Resolver essas duas equações vai ser o grande desafio. Vamos ter que melhorar a qualidade da gestão. Por exemplo, vamos montar um consórcio para comprar medicamentos aqui na capital para os 141 municípios de forma centralizada. Isso vai diminuir muito o custo dos municípios, através da compra desse consórcio, e vai garantir a regularidade desse abastecimento para que as pessoas não sofram pela falta de remédios. Mais de 80% dos problemas de saúde se resolvem com o médico e remédio ministrado e tomado adequadamente. Nós vamos enfrentar isso trabalhando, por exemplo, com a conclusão do Novo Pronto-Socorro aqui em Cuiabá, é um hospital importante para a Baixada e Mato Grosso. Vamos trabalhar para retomar as obras, que contam com dinheiro em conta, do Hospital Universitário Júlio Müller, que tem R$ 90 milhões, parado há mais de quatro anos, não se assentou um único tijolo nesse período. Vamos evitar pensar em novas construções enquanto não fizermos o que existe funcionar. Esse é o nosso maior compromisso: fazer funcionar a Saúde em Mato Grosso.

CMT: A questão dos médicos e a falta de repasses aos municípios viraram temas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI dos Fundos. Essa reclamação geral dos prefeitos também torna as cidades pouco atrativas para os médicos e muitos que estavam no interior saíram dessas regiões. Como é que o senhor pensa em lidar com esse problema?

M.M.: Esse é o primeiro e grande desafio: regularizar o pagamento aos municípios no quesito saúde. Ao regularizar os pagamentos, você começa a fazer a saúde funcionar. Com essas duas ações: se você conseguir comprar – e vamos conseguir – (os medicamentos) e pagar os municípios, a coisa funciona.

CMT: O Estado assumiria o custo da compra dos medicamentos?

M.M.: Não é assumir. É montar um consórcio. O Estado lidera isso, ele capitaneia a montagem disso, pode até fazer uma porta nesse consórcio para ajudar nas primeiras compras. Depois, com o próprio dinheiro existente para a saúde, que o Estado deve, que vem da União. O município requisita o remédio e isso desconta da conta dele, como esse remédio vai ser comprado por um preço mais barato – já que vai ser comprado direto pelo laboratório –, vai sobrar mais dinheiro no município para contratar médicos e mantê-los lá.

CMT: O senhor pretende manter as associações que mantêm os hospitais sendo geridos por empresas privadas?   

M.M.: Eu não tenho preconceito com nenhum tipo de solução. Eu gosto da mais barata e da mais eficiente.

CMT: Só que ela vem sendo criticada seguidamente agora no governo Taques.

M.M.: Embora tenha criticado, vamos analisar o resultado deles. Vamos analisar com profundidade e ver qual é a melhor alternativa.

CMT: No primeiro momento, então, o senhor pretende manter?

M.M.: Não dá para chegar no primeiro dia e explodir tudo porque aí para tudo no dia seguinte. Nós sabemos que fazer gestão é ter foco, determinação, persistência, planejamento e muita obstinação para colocar em execução aquilo que se planejou para se obter os resultados.

CMT: O senhor sabe que vai herdar vários problemas que vêm da época do ex-governador Silval Barbosa (2010-2014), e o mais notório é a obra do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). O que o senhor pensa em fazer com a obra que se arrasta do VLT?

M.M.: Já disse que eu preciso até um ano para encontrar uma solução, discutir com o Ministério Público e a sociedade, e apresentar esta solução e colocar em marcha de execução. Porque a atual administração tem três anos e meio que está sentada em cima do problema e ainda não sabe o que fazer.

CMT: Há pouco tempo circulou um áudio entre um grupo de policiais militares em que o senhor aparece falando que a jornada deles é só de oito dias por mês. A categoria entendeu isso como se o senhor estivesse chamando-os de pouco empenhados no próprio trabalho. Esse áudio é verdadeiro?

M.M.: Isso foi fora do contexto. Eu reconheço que eles trabalham dentro da legalidade, no que prevê a legislação; não trabalham nem mais, nem menos que a maioria dos servidores públicos do Estado de Mato Grosso. Essa questão do horário é uma questão que pode ser discutida, mas nós vamos fazer aquilo que for melhor para a tropa e para os policiais se sentirem seguros; e prestar um bom serviço. O que eu quero é um bom serviço sendo prestado para a população. Se for 74 por 22 horas, 12 por 36 horas, não importa. Os policiais militares têm que trabalhar aquilo que estabelece a lei como todo mundo tem que fazer. [Para] trabalhadores do sistema privado, são 44 horas semanais, para o servidor público geralmente são 40 horas semanais. Agora, qual vai ser a escala? Vai ser aquela que for melhor para a tropa e melhor para produzir resultado para a população.

CMT: Com relação aos novos concursos para a segurança pública, que eles estão pedindo, o senhor pretende fazer?

M.M.: O Estado está sem dinheiro para pagar quase nada. Não adianta contratar e não pagar. Só vou fazer um concurso se tiver gente querendo trabalhar de graça para o Estado, assim eu faço. Agora, você precisa ter dinheiro para contratar e pagar, seja servidor ou serviço. Enquanto nós estivermos com falta de dinheiro para pagar aquilo que tem, como é que eu vou falar que vou botar mais gente para dentro? Assim só vou aumentar o tamanho do problema.

CMT: Há o risco de alguns concursos perderem a validade, como para o pessoal do Detran?

M.M.: É uma análise que hoje eu não tenho os elementos para fazer. Precisarei sentar, ver caso a caso, ver a necessidade e demanda. Sempre tomarei as decisões do que é o melhor para Mato Grosso e para os serviços públicos. Toda decisão pode ser questionada e nós temos que dar explicação. Vamos fazer o que é melhor para Mato Grosso e para os serviços públicos.

CMT: E na campanha à Presidência, o senhor vai subir ao palanque só com o Ciro Gomes?

M.M.: Todos os partidos que estão em nosso arco de alianças terão o devido carinho, tratamento e respeito aqui, não só na aliança local, mas também nas alianças nacionais. Mas a prioridade é debater Mato Grosso.

CMT: Mas quem é o seu candidato?

M.M.: O candidato do meu coração está guardado a sete chaves (risos).

CMT: O senhor pode fazer um resumo de três medidas para os três gargalhos gigantes do Estado que são saúde, segurança pública e economia?

M.M.: Para a saúde: nós vamos trabalhar para pagar os municípios em dia e criar uma central de compra de medicamentos na capital e concluir as obras iniciadas para melhorar a infraestrutura. Na segurança pública, nós vamos equipar melhor a nossa polícia, articular melhor as forças de segurança e criar um programa que estou chamando de Tolerância Zero; endurecer o jogo e o combate ao crime em nosso estado.  Qual a outra que você pediu?

CMT: Na área de economia.

M.M.: Para potencializar a economia de Mato Grosso nós precisamos primeiro facilitar o processo de licenciamento ambiental do estado, respeitando as leis, legislação federal e o meio ambiente. Segundo, fazer um grande programa de desburocratização das ações do Estado de Mato Grosso que envolvam o setor produtivo. Existe muita burocracia, temos a percepção de que temos um Estado atrapalhador; e nós vamos criar uma boa metodologia para a aplicação dos programas de incentivo fiscal.

CMT: Em relação à corrupção, nós temos vários deputados, são 13 sendo investigados, alguns acabaram se tornando base de apoio da chapa de vocês; o (deputado estadual) Mauro Savi quase entrou, por exemplo. Como é essa percepção de que Mato Grosso é realmente um dos estados mais corruptos do Brasil?

M.M.: Falo com muita tranquilidade, saí da prefeitura sem nenhum escândalo de corrupção que caísse sobre mim ou qualquer um dos meus secretários, ou até mesmo da própria administração. No governo do Estado, vou dar o exemplo. Dando o exemplo, é uma forma de você cobrar que todos ajam na mesma direção. Não pretendo e não tenho a melhor intenção de fazer nada que contrarie a legislação e princípios da moralidade. Vou atuar firmemente apoiando o Ministério Público, Delegacia Fazendária, o próprio Tribunal de Contas, criando parcerias e as condições. Todos esses órgãos de controle terão total apoio do Executivo para melhorar ainda mais o combate à corrupção em nosso Estado.

CMT: Uma das justificativas de Taques é que ele não sabia o que os secretários estavam fazendo. O senhor acha possível?

M.M.: Olha, ele pode falar o que quiser. Eu lembro que ele quando era senador da República acusava duramente o (ex-presidente) Lula porque ele dizia que não sabia de nada. Ele fazia duras críticas ao Lula, porque o Lula usava esse argumento de que não sabia de nada. Então ele tem que se explicar porque ele está usando o mesmo argumento que o Lula usava.

CMT: Na questão da CAB, o senhor não foi responsável, mas herdou a privatização do saneamento na capital e muitas pessoas esperavam que vetasse ou voltasse atrás. O senhor se arrependeu?

M.M.: De maneira alguma. Foi o melhor caminho. Eu nunca tive dúvidas.

CMT: Mas eles não cumpriram as metas do saneamento…

M.M.: Não está faltando água em Cuiabá.

CMT: Mas falta saneamento.

M.M.: Mas ele está sendo feito. Se hoje nós não temos dinheiro para pagar contas de combustível, vamos ter dinheiro para investir em saneamento? O governo federal não está tendo dinheiro.

CMT: Mas por conta disso a gente perdeu o investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

M.M.: Isso é culpa lá de trás. Eu não posso responder por isso. Vocês têm que perguntar ao (ex-prefeito) Wilson Santos porque ele perdeu, o que ele não fez. Eu não posso responder por isso. Como perdeu e essa história de PAC, de dinheiro em Brasília, então nós temos que resolver o problema. Como a empresa não estava boa, fiz uma intervenção. Botamos ela nos trilhos, foi feito um rearranjo. O problema de água foi resolvido em Cuiabá e já começou, tem R$ 200 milhões garantidos hoje para investir em esgoto em Cuiabá; e as obras já começaram. Então foi o melhor caminho porque pagar nós vamos pagar sempre, ninguém vai ter água de graça, em lugar nenhum do Brasil porque é público — todo mundo paga água no Brasil, não tem ninguém recebendo água de graça. Pode ser empresa pública ou privada, agora o pior preço é não ter água, é não ter tratamento de esgoto.

CMT: O senador Wellington Fagundes chegou a acusar o senhor de ter desligado a Estação de Tratamento do Dom Aquino para economizar luz quando era prefeito. Isso aconteceu?

M.M.: Conversou abobrinha. Se ele falou isso, ele falou conversa fiada. Eu peço a ele que não comece esse tipo de conversa fiada. Tem muito problema sério e verdadeiro para nós debatermos. Agora, eu não vou falar nada que não tenho a fonte segura e verdadeira para colocar na mesa se for questionado.

CMT: Mas essa questão de desligar a ETA do Dom Aquino para economizar luz não aconteceu?

M.M.: Tirando da boca dele, você ouviu falar isso alguma vez?

CMT: Não.

M.M.: Então vamos gastar nosso tempo com coisa mais séria.

CMT: E quais são as propostas do senhor para melhorar os números estaduais da educação?

M.M.: Eu não tenho uma solução pronta para todos os problemas do estado. Eu tenho a razoável compreensão dos desafios. Conheço boa parte da gestão pública, mas eu não sou o Google que sabe resposta para tudo. Eu tenho clareza que fazer gestão é formar equipe, é chamar pessoas competentes, saber liderar, saber motivar, dar o exemplo e trabalhar muito. Isso eu sei fazer. Por onde passei, eu mostrei que dou resultado. Pode olhar por onde eu passei, meu rastro é sempre positivo. Você vai encontrar quem não goste de mim, mas a maioria das pessoas reconhece que eu dou resultado.

CMT: Durante a última audiência na Justiça Federal (junho), o senhor chegou a afirmar ao magistrado que a ação contra as suas empresas era fruto de perseguição política e que estava reunindo provas. O senhor já conseguiu reunir essas provas?

M.M.: Eu sempre ponho na mesa os argumentos. Os argumentos falam mais alto. Eu vou conseguir reunir e acredito que existem elementos que irão provar o que disse, no momento certo.

Redação

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