Circuito Entrevista

‘O esporte está abandonado no Estado’

Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, o presidente da Federação Mato-grossense de Judô (FMTJ), Fernando Moimaz, conta os desafios desses 12 anos à frente da federação. O relacionamento com o governo do Estado, os projetos sociais realizados pela entidade, as novas revelações do esporte e algumas histórias de atletas. Nos últimos anos, Mato Grosso tornou-se uma referência nacional no judô.

Uma das estrelas do esporte que brilha nos tatames nacionais é o cuiabano David Moura, atual medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos (2015) e vice-campeão mundial (2017).

Circuito Mato Grosso: Como funciona o campeonato regional?

 Fernando Moimaz (FMTJ): A gente não vive para fazer patrimônio para a federação ficar rica, nossa inscrição é de R$ 35. É o único recurso que temos – e este recurso serve para pagar árbitros, comprar equipamentos e administrar o resto para o futuro. A administração nacional nos ajuda muito e nos apoia tanto, é muito prestativa conosco. Temos 4.200 atletas filiados e na Confederação Brasil e 2.400 atletas. Nós temos a seletiva em março que é a seletiva nacional, os atletas ranqueados do ano passado para ir para o regional brasileiro. Este regional vai selecionar os atletas campeões para disputar o Campeonato Brasileiro, e nesta paralela terão as etapas estaduais, uma será disputada em Campo Verde, Sinop, Dom Aquino e outra em Juína, e vão somando pontos. Isto foi feito para fazer com que os medalhões disputem a competição.

CMT: Como é o trabalho da federação para o desenvolvimento deste esporte no estado?

Fernando Moimaz (FMTJ): Hoje temos 71 municípios filiados e uma grande gama que cobre o estado para promover o judô socialmente com várias entidades. Temos parcerias com as prefeituras e com associações, como o Judô Bope.  Também temos um trabalho em Várzea Grande (com a professora Sara e Leopoldo), Judô Caminho Suave (com apoio da prefeitura de Campo Verde), tem o Palácio das Artes Marciais (com o professor Clayton), tem os projetos indígenas em Tangará da Serra e em Campo Novo do Parecis. O judô não é um esporte caro, porém tem uns custos com quimono, tatame e o deslocamento. Os quimonos a gente consegue dar para as associações, participamos do projeto da Confederação Brasileira de Judô (CBJ) “Avança Judô”, que já existe há cinco anos. Alcançamos bem o estado, porém temos que avançar muito mais. Temos muitos espaços públicos em todo Mato Grosso mal utilizados, como praças, algumas quadras esportivas, centros comunitários, que poderiam abrigar o esporte. Nós conversamos com jeito com as prefeituras a fim de podermos usar esses espaços para abrir uma pequena associação para termos novos alunos e atrair as pessoas para o judô. Hoje temos 2.500 atletas cadastrados no sistema nacional e 90% de projetos sociais, ligados à federação temos 7 mil atletas. Chegou uma vez um cara de Confresa aqui e pediu a doação de 20 quimonos e nós doamos para ele. Não queremos aparecer, tirar fotos para fazer entrega oficial, queremos que o esporte apareça para as pessoas.

CMT: Qual o relacionamento com o governo do Estado?

Fernando Moimaz (FMTJ): Nós recebemos apoio só dos municípios, o governo do Estado precisa da gente e os números que mostrei apontam isso. Porém, o Estado vira as costas para nós. A Federação de Mato Grosso é sempre elogiada na Confederação. Nós não queremos bater em nenhuma classe política, pedimos só apoio nas questões sociais e que são negadas. O governo não se preocupa com os atletas e com as causas sociais porque não dá voto, até a saúde é deixada de lado, imagina o esporte. Hoje temos os apoios do município e da Confederação, já o governo estadual está olhando para o seu umbigo. Não queremos criticar um governo ou outro, mas este governo abandonou o esporte, os caras nunca têm nada, parece que não há gerência, vocês mesmos da imprensa percebem isto. Às vezes pedimos algum apoio profissional para ajudar em um campeonato. Falei com o adjunto de Esporte e Lazer, Leonardo Oliveira, mas parece que ele dá murro em ponta de faca. Falei com ele e ele disse que vai atrás, porém o governo nega tudo que ele pede e não está nem aí para ele. Estamos andando sozinhos mesmo, vários empresários que estavam nos ajudando abandonaram o barco por causa da crise, alguns continuam nos ajudando, porém o apoio diminuiu muito. Os atletas, mesmo com o abandono, têm orgulho de usar a bandeira de Mato Grosso nos pódios.

CMT: Como funciona o deslocamento de atletas que recorrem à federação?

Fernando Moimaz (FMTJ): A Confederação quer dar cinco passagens para atletas disputarem o Campeonato Brasileiro e uma passagem para o técnico. Mas nós classificamos mais de dez quase todo ano. Aí a gente busca apoio e vamos pedir para empresários, parceiros da federação que poderiam adotar um atleta. Queremos que estes jovens não percam as esperanças no esporte. Sabemos que é difícil a vida de um atleta, principalmente aqui em Mato Grosso. Nós temos uma particularidade que é o fato de a direção da federação não ter lutadores de judô ativos.  São empresários, médicos, entre outros praticantes do esporte, apenas isso. Aí essas pessoas bancam o custo de uma boa parte também. Mas custam caro essas coisas. Muitas vezes compramos passagens em cima da hora e custa um valor de até 2 mil reais.  Nós precisaríamos de um apoio do Estado para ajudar os jovens atletas. Mas, infelizmente, esporte não dá voto, apesar de dar status para o Estado.  A maioria dos atletas sobe no pódio com a bandeira de Mato Grosso, com orgulho. A gente tem que pedir, não tem outro jeito. Os custos para uma entidade como a gente já pesam, imagina para um atleta adolescente. Alguns governos dão este apoio com uma parceria com uma companhia aérea para liberar alguns números de passagens para essas crianças. Um atleta de 17 anos, o João Vitor, conhecido como ‘Escovinha’, ganhou a seletiva nacional e agora é atleta da seleção brasileira, está com uma vida melhor agora. Eles tiveram que viajar de carro, o carro quebrou no caminho, tiveram de alugar outro carro para chegar até ao local da luta e ganhar.

CMT: Qual são os planos da federação?

Fernando Moimaz (FMTJ): Investir mais na base no sub-13 e no sub-15. Nos últimos anos investimos mais nos atletas já formados. Agora vamos investir nos novos atletas para que façam o mesmo sucesso que os que foram formados. Não gosto de comparar, mas a referência hoje é o David Moura.  Alguns judocas ótimos surgem de lugares inesperados, como o caso de um menino que já era do judô e que a mãe matou o pai a facadas. O promotor de justiça entrou em contato com o pessoal da federação de lá, que me ligou. Pedi que ele levasse o menino para competir e ficar conosco e já foi campeão estadual e está com uma vida legal, estudando, trabalhando e lutando. Nós estamos incentivando em todos os municípios a implantação de copas, por exemplos, em Várzea Grande haverá duas copas. A gente quer descobrir novos talentos e formar novos campeões. Mas o foco é trabalhar no social e formar cidadãos. O governador Pedro Taques foi judoca já, eu treinei junto com ele em algumas oportunidades, mas dele já não espero nada.

CMT: Qual a situação da Bolsa Atleta para o judô?

Fernando Moimaz (FMTJ): Nenhum atleta do judô entrou no Bolsa Atleta do governo do Estado, porque eles não acreditam mais devido à falta de pagamento. Enrolam quatro anos para o pagamento, e isso atrapalha o atleta.  Hoje o programa paga para esportistas que praticam esportes que não são olímpicos como jiu-jitsu – nada contra o pessoal do jiu-jitsu –, mas esta bolsa deveria ser para modalidades olímpicas. O atleta nunca recebe este dinheiro quando desistiu do esporte, para trabalhar e ganhar seu dinheiro para sobreviver. Há municípios que têm a própria Bolsa Atleta e funciona como é o caso de Sorriso, se brincar o número de contemplados é maior. O Escovinha, por exemplo, ele nunca teve o Bolsa Atleta, veja o quanto ele sofreu para chegar até a seleção, nunca teve um apoio do Estado. Mas, graças a Deus, agora pode ter um salário da federação, está em outro patamar agora.

CMT: Qual o principal desafio da federação?

Fernando Moimaz (FMTJ): Integrar o estado. Estamos apenas em 71 municípios, queríamos estar juntos com os 141, estamos trabalhando para isto: transformar a realidade dos judocas de Mato Grosso, buscar o interior. Nós não conseguimos pela grande extensão do estado. Queremos levar um trabalho de melhor qualidade e mais bonito para o atleta e para o praticante. Tem pessoas com deficiência que praticam, e para isto ainda temos que melhorar nossos profissionais. Quem ganha com isto? A federação e o atleta. O significado da palavra judô é ‘caminho suave’ e que seja assim mesmo.  O judô só cresce em Mato Grosso. Tudo com muita transparência e honestidade, preciso que os empresários e o governo de Mato Grosso invistam no judô. Que eles olhem para nós e para as crianças que sonham ser como o David Moura no futuro e dar muitas alegrias para os mato-grossenses.

Redação

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