“Me senti impotente, não tinha forças para nada e ficava com muitas dores nas articulações, febre, náuseas (consegui comer nada, com a boca amarga), desejo isto nem para o meu pior inimigo”.
Este relato é da farmacêutica da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Ipase, em Várzea Grande, Steffane Hattori, que sentiu os males da febre chikungunya há 15 dias e ainda sente as sequelas da doença com as dores na articulação, prejudicando até o modo de caminhar.
“Demorei 15 minutos para caminhar da porta de entrada da UPA ao meu posto de trabalho, é um trajeto que normalmente faço em menos de um minuto, não conseguia fechar a mão e nem abrir uma torneira do banheiro, tinha gente que não sabia que eu estava doente e até ria de mim”, relata Hattori.
Um boletim divulgado pela Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado de Saúde (SES) divulgado nesta semana registrou aumento de casos da febre chikungunya em Mato Grosso. O boletim, que fechou o ano de 2017 e registra os dados acumulados nas últimas três semanas de dezembro, mostra que houve aumento de 184% nos casos da doença em relação ao mesmo período no ano passado, passando de 1.275 para 3.617 casos.
A incidência acumulada em 2017 é de 109 casos por 100.000 habitantes, um aumento expressivo em se comparando com 2016 quando a incidência acumulada foi de 39. No ano passado foi registrado um óbito no município de Várzea Grande devido à doença.
Segundo uma análise dos casos por município, dos 141 municípios mato-grossenses, 80 ainda estão livres de ocorrência de casos, ou seja, silenciosos, para a febre chikungunya. No mês de dezembro passado foram notificados casos em 61 municípios.
A coordenadora de Vigilância em Saúde Ambiental da SES-MT, Ludmila Sophia de Souza, disse que onde não há abastecimento regular as pessoas tendem a armazenar água, e os mosquitos se desenvolvem por um descuido do cidadão.
“Nós produzimos lixo e precisamos de água diariamente, e esses dois sistemas juntos dão as condições para o mosquito procriar. Se você observar uma cidade limpa, com quintais limpos e pessoas educadas, você terá menos problemas de saúde. É uma responsabilidade também do governo, dos setores coletivos e privados”, relata Sophia.
Em 2018, Várzea Grande é o município com maior número de casos de chikungunya, com 1.800 casos registrados. Conforme Ludmila, os principais criadouros de mosquito em VG vêm do armazenamento de água para consumo humano. “É uma cidade que tem inúmeros criadouros nos quintais. Ou seja, é um problema educativo, é um problema de saneamento, é um problema cultural. É uma série de situações que vêm de encontro com a problemática”, disse.
Doenças transmitidas pelo Aedes aegypti
A gerente de Vigilância Epidemiológica de Várzea Grande, Relva Cristina Teixeira, diz que o município registrou 1.800 casos de chikungunya, 600 de dengue e 40 de zika. Unidades Básicas de Saúde (UBS) estão atendendo casos de chikungunya.
“A secretaria abriu as unidades de saúde que estão atendendo em questão de zika e chikungunya. Por exemplo, as unidades do Marajoara e Cristo Rei estão atendendo nos finais de semana das 7h às 16h45. Esses horários de atendimento vão parar só quando diminuir a demanda”, conta.
Conforme Ludmila, sempre existirá a epidemia de apenas uma só das três doenças. “É interessante observar que sempre vão existir picos de uma determinada doença, o que nos favorece, por que, imagina se fosse epidemia das três? Para este ano está constando como epidemia do chikungunya”, respondeu.
Movimento nas unidades de saúde de VG aumenta
A nossa equipe de reportagem entrou no Pronto-Socorro Municipal de Várzea Grande (PSMVG), para ver como está sendo a demanda de atendimento. Na parede lateral à porta de entrada, tem um filtro com o papel escrito “soro oral”.
Conforme a assessoria de imprensa do PS, o filtro está no local desde dezembro, quando começou a aumentar o movimento na unidade. O soro foi principalmente destinado às pessoas que estão sofrendo com as doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti.
Perto deste filtro estão informações com sintomas das três doenças causadas pelo mosquito, zika vírus, dengue e chikungunya.
O movimento no PSMVG por causa dessas doenças aumentou em 10%. A grande fila de espera para fazer a triagem é evidente ao chegar ao local. Não foi permitida a ida aos corredores.
Conforme algumas pessoas relataram à nossa equipe, a unidade está completamente lotada.
Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Ipase não é diferente. Grande fila na espera, porém bem menor do que a do PSMVG. No local, são encaminhados do Pronto-Socorro os casos “mais leves”. Em novembro de 2017, foram feitos 179 atendimentos de pessoas com doenças causadas pelo Aedes, em dezembro subiu para 1.135 atendimentos, já em 2018 o número subiu para 2.655 atendimentos.
“Achei que ia morrer”, disse farmacêutica
Sete funcionários da UPA do Ipase sofreram com chikungunya. Uma delas é a farmacêutica Steffane Hattori, que disse que deve ter sido picada pelo mosquito na UPA ou próximo dela. “Deve ter sido aqui, pois pedi para minha filha procurar algum vizinho que tenha tido a doença, porém não encontrou. Depois, alguns dos colegas ficaram doentes também, então deve ter focos da doença próximo do prédio da UPA”, relatou Hattori.
As fortes dores ainda incomodam Steffane. “Mesmo após as duas semanas, não consigo andar direito, tenho que continuar tomando o remédio recomendado para diminuir. Tem relatos de pessoas que ficaram um ano com sequelas da doença”, falou.
“No primeiro dia foi o momento que tive vômitos, não consegui comer. Logo depois veio a dor, não conseguia fechar a mão nem ficar em pé, pois tudo doía”, conta.
Steffane disse que ficou deitada o tempo todo. “Quando sentia vontade de ir ao banheiro, pensava umas 500 vezes. Eu não queria sair da cama, tinha muita dor. O banheiro parecia estar a vários quilômetros de distância para mim”.
“Parecia que estava com uma artrose, você não consegue identificar se as dores são musculares ou na articulação, é horrível, pois você depende de outra pessoa para tudo”.
Cuiabá tem índice cinco vezes maior do que o aceitável
A coordenadora da Unidade de Vigilância em Zoonoses de Cuiabá, Alessandra Carvalho, diz que 90% dos focos do Aedes aegypti estão nas residências. A capital tem o Levantamento Rápido do Índice por Aedes aegypti (LIRAa) de 5,6% e o aceitável pelo Ministério da Saúde é de 1%.
Os bairros com maiores índices são: Doutor Fábio, Pedra 90, Dom Aquino, Coophamil e Santa Isabel.
Conforme Carvalho, o Aedes aegypti voa um metro acima do chão. Normalmente, o mosquito ataca na região abaixo da cintura e outras regiões do corpo quando as pessoas estão sentadas ou deitadas.
“Sempre quem ataca o ser humano é a fêmea, pois ela é a única que se alimenta do sangue, já que precisa de alguns nutrientes dele para pôr os ovos”, conta.
Dentro das bolsas femininas, nos elevadores, nas sacolas, os mosquitos e seus ovos são transportados para os andares mais altos dos prédios. “Não se engane, depois de ser transportado ele pode pôr ovos dentro do lixo da casa ou algum lugar que acumule água”, declarou.
Melhor forma de prevenção é cuidar do quintal, fazer dever de casa
Uma simples tampa de garrafa ou até mesmo em uma casca de ovo pode proliferar larvas do mosquito Aedes aegypti.
Não importa se você mora em casa ou apartamento, o mosquito Aedes aegypti pode encontrar um lugar com água parada para depositar os ovos e se reproduzir.
Entre as medidas preventivas que devem ser adotadas pela população estão manter as caixas d’água tampadas de forma adequada; não acumular vasilhames, lixo e embalagens no quintal; limpar com frequência as calhas; e colocar areia nos pratos dos vasos de planta. Essas ações evitam a proliferação do mosquito.
Conforme Ludmila Sophia de Souza, havendo suspeita, é preciso procurar uma unidade de saúde próxima a sua residência. Evitar se automedicar. Procure uma unidade, espere ser atendido. Tenha paciência. Se hidrate bastante se houver febre, mas corra a uma unidade de saúde para ter a prescrição do que pode ser e do que não é.
“Não permita que o mosquito se desenvolva na fase adulta, porque se ele voar é mais difícil pegar. Enquanto ele é larva, você tem condições de tirar o recipiente e lavá-lo, por exemplo. Cubra, cuide. Eu não gostaria de adoecer por nenhuma delas. Se cada um de nós fizer um pouquinho da nossa parte, a gente vai ter redução de casos. Ao invés de ascender com a chuva, podemos ter um decréscimo como em uma época de estiagem”, relata Ludmila.
Cuiabá confirma 18 casos de microcefalia em bebês causados pela zika
Em Cuiabá, dos 63 casos de microcefalia investigados, 18 foram confirmados sendo causados pelo zika vírus, 34 foram notificados e três prováveis. Em Mato Grosso, no ano de 2017, foram notificados 2.515 casos da doença contra 24.803 registros em 2016, o que significa uma redução de 90%. A incidência acumulada da doença no estado é de 76 casos por 100 mil habitantes.
A médica infectologista pediátrica Thalita Mara de Oliveira acompanha desde 2015 os casos de microcefalia causadas por esta doença, 70 crianças estão passando pelos cuidados da médica.
Ela conta que, os diagnósticos diferenciais da infecção congênita pelo zika são feitos com outras infecções que podem acometer a criança no período intrauterino. As sequelas podem ser atraso no desenvolvimento psicomotor (locomoção e comunicação), má-formação intracraniana, alterações visuais e auditivas e dificuldades de se alimentar.
“Temos casos diferentes, de crianças que se desenvolvem rapidamente e de crianças com mais dificuldades. A doença afeta lugares diferentes do cérebro, sempre falo para as mães: cada criança é um caso diferente”, conta Thalita.
Segundo a infectologista, os casos diminuíram, pois muitas pessoas já tiveram contato com a doença, por isto elas têm imunidade alta. “Há duas formas de ser imune ao zika: já ter já ter sido infectada e através da vacina”, disse.
Os casos de dengue em Mato Grosso também tiveram redução. Em 2017, foram registrados 11.909 casos e 29.632 em 2016. A incidência acumulada da doença é de 360 casos por 100 mil habitantes. No mês de dezembro, 125 municípios do estado notificaram casos.
Surto de conjuntivite continua afetando 35 municípios
Em Mato Grosso foram registrados 2.446 casos de conjuntivite, sendo que 35 municípios deram alerta de surto em 2018. Os dados foram divulgados do dia (1°) até o dia (22) pela SES-MT. O município de Barra do Bugres (175 km de Cuiabá) é o que tem o maior número de casos registrados, com 481, seguido por Salto do Céu (315 km da capital) com 223 casos.
Municípios da Baixada Cuiabana como Acorizal, Chapada dos Guimarães, Várzea Grande e Cuiabá somaram 161 casos, sendo 101 deles na capital.
Conforme a SES, alguns municípios não registraram casos em 2017, porém a doença proliferou em janeiro de 2018, como é o caso de Lucas do Rio Verde, que contabiliza 119 casos só neste ano.
O surto afeta os municípios de Cuiabá, Várzea Grande, Araputanga, Cáceres, Glória D’Oeste, Lambari D’Oeste, Rio Branco, Salto do Céu, Barra do Bugres, Ribeirão Cascalheira, Carlinda, Campo Novo do Parecis, Nova Marilândia, Sapezal, Poxoréu, São José do Povo, Tesouro, Barra do Garças, General Carneiro, Nova Xavantina, Pontal do Araguaia, Ribeirãozinho, Torixoréu, Aripuanã, Brasnorte, Juína, Tabaporã, Rosário Oeste, Cláudia, Ipiranga do Norte, Itanhangá, Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Santa Rita do Trivelato.
Conforme a SES, as secretarias de Saúde desses municípios foram orientadas a iniciar imediatamente a investigação da doença por amostragem e a notificar no modelo de surto os casos de pacientes com conjuntivite para o Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinannet), do Ministério da Saúde. Além disso, os municípios deverão realizar o serviço de educação em saúde para a população em geral sobre a doença.
Outra medida importante é a coleta de amostra clínica para a identificação do agente etiológico (vírus ou bactéria). Essa ação auxilia no tipo de tratamento que deverá ser receitado ao paciente.
Segundo a infectologista e superintendente do Pronto-Socorro de Cuiabá (PSMC), Zamara Ribeiro, a doença é transmitida pelo contato da secreção de uma pessoa contaminada, na maioria das vezes com as mãos, que funcionam como meio de transporte para as bactérias e vírus até os olhos.
“Alguém que tiver a doença deve procurar um infectologista para diagnosticar qual tipo de conjuntivite está para ser medicada. As pessoas não podem se automedicar, o médico irá mostrar qual até qual colírio usar”, relata.
A doença viral normalmente não deixa sequelas, é muito contagiosa e ocorre com mais frequência no verão. As pessoas com a doença sentem muito incômodo e ficam com os olhos bastante vermelhos. São sintomas semelhantes de quem tem conjuntivite bacteriana, mas a principal diferença é que há formação de muco. Sendo que a secreção da conjuntivite viral é esbranquiçada e aparece em pequena quantidade.
Mas com o tratamento correto leva de sete a dez dias para desaparecer. Não existe tratamento específico para quem foi diagnosticado com essa doença e a recomendação é limpar com soro fisiológico gelado, fazer compressas e usar colírios lubrificantes se for necessário.
A conjuntivite bacteriana é caracterizada por uma secreção espessa, amarelada e com uma consistência cremosa, que deixa o indivíduo com os olhos muito inchados e, por vezes, pode parecer que se formou uma bola de pus em baixo do olho.
“A conjuntivite bacteriana pode deixar sequelas se não for tratada corretamente. Ela pode deixar a pessoa até completamente cega”, alerta Zamara Ribeiro.
Lavar as mãos é um ato essencial. Conforme Zamara, levar álcool em gel na bolsa ou na mochila para higienizar as mãos é muito importante para a prevenção. “As mãos são a porta de entrada para qualquer doença, devem ser higienizadas sempre”, informa.
O uso de lenços descartáveis é melhor que panos e tecidos, e também devem ser descartadas as lentes de contato. “É melhor jogar fora materiais que usam para limpar os olhos como lenços, muitas pessoas acham que podem esterilizar as lentes de contato, mas lógico que não pode”, diz a infectologista.