O mesmo tempo em que luta para tentar reequilibrar as contas públicas, que vêm registrando nos últimos anos rombos bilionários sucessivos em um cenário de baixo nível de atividade e dificuldade para cortar despesas obrigatórias, o governo também concede benefícios gigantescos para setores da economia, regiões do país e até mesmo para as pessoas físicas.
As chamadas renúncias tributárias, ou seja, a perda de arrecadação que o governo registra ao reduzir tributos com caráter "compensatório" ou "incentivador" para setores da economia e regiões do país, estão estimadas em R$ 284 bilhões neste ano.
Juntamente com os benefícios financeiros e creditícios (R$ 121,13 bilhões), os valores totais estão projetados em R$ 406 bilhões para este ano, com alta de 7,4% frente ao ano de 2016 (R$ 378 bilhões). Os números são da Receita Federal e do Tribunal de Contas da União (TCU).
Nas renúncias, há uma miríade de benefícios. Entre eles: Zona Franca de Manaus, para empresas do Simples, pessoas físicas (deduções do IR de saúde e educação), cesta básica, exportações, energia, empregados domésticos, donas de casas, indústria automobilística, pessoas com deficiências, entidades sem fins lucrativos, filantrópicas, subsídios do BNDES, informática, desporto e crianças e adolescentes (veja a lista no fim desta reportagem).
As renúncias são resultado de medidas adotadas principalmente no passado, por outros governos, mas algumas, como o novo Refis, programa de parcelamento, foram adotadas pelo governo Temer, ou mantidas, como a do Repetro (para a indústria petroleira).
Mas outras foram encerradas, como a concessão de benefícios para o audiovisual. O governo Temer também quer reonorar a folha de pagamentos, mas ainda precisa passar a medida pelo Congresso Nacional. Alguns benefícios concedidos por governos anteriores estão sendo questionados pela Organização Mundial de Comércio (OMC).
O valor concedido em benefícios tributários e financeiros neste ano supera todas as despesas com saúde e educação (sem contar pessoal), Bolsa Família, benefícios de prestação continuada (BPC), seguro-desemprego, abono salarial, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Fundeb e Fies, que, juntos, estão estimados em R$ 317,44 bilhões para todo ano de 2017.
Segundo os números do Ministério do Planejamento, as renúncias de arrecadação previstas apra este ano, com estes benefícios tributários e financeiros, também equivalem cerca de 32% das receitas totais do governo (última estimativa do governo, feita em agosto, de R$ 1,28 trilhão).
O que dizem analistas e setor produtivo
Segundo o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV) e professor do Instituto de Direito Público, José Roberto Afonso, toda renúncia deveria ser concedida prevendo custos e benefícios, e posteriormente avaliações, regulares, se possível independentes para checar se estão sendo atendidos os seus objetivos, o que não acontece.
"Os casos de frustrações seriam os primeiros candidatos a revisão", afirmou.
Para Afonso, o mesmo ato que concedeu o benefício pode caçá-lo também. "Basta o governo tomar iniciativa de propor a revisão. O caso recente do Repetro e do novo Refis foram desanimadores porque, de decreto a lei, apontaram no sentido oposto", declarou ele.
O Sebrae, por sua vez, defendeu os benefícios para as micro e pequenas empresas, concedidas por meio do Simples Nacional – programa que unifica e simplifica o recolhimento de tributos para o setor. De acordo com o órgão, os pequenos negócios são os responsáveis pela geração de renda de 70% dos brasileiros ocupados no setor privado.
"Mesmo com a retração da economia, o número de empreendimentos aumentou. Isso evitou uma maior estagnação do país. Se não houvesse o empreendedorismo de pequeno porte, o número de desocupados seria ainda maior", disse o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.
Para ele, as micro e pequenas empresas exercem uma função de "colchão social", já que parte dos empregadores desse segmento conseguiu segurar muitos de seus funcionários e abrigar outros que se viram sem trabalho durante a crise econômica.
Já a Zona Franca de Manaus celebrou neste ano 60 anos de existência. Os benefícios à região foram prorrogados em 2014 até 2074. A Superintendência da Zona Frana (Suframa) avaliou em artigo que o modelo de negócios da Zona Franca é marcado por ser "economicamente sustentável, socialmente justo e ambientalmente responsável".
Renúncias tributárias x benefícios financeiros
Classificadas pelo Fisco como "perda de arrecadação", as renúncias tributárias, estimadas no valor de R$ 284 bilhões neste ano, foram concedidas pelos governos nas últimas décadas, permanecendo ainda vigentes, para estimular setores da economia ou regiões do país.
Entre elas, estão a perda de arrecadação com o Simples Nacional e com a Zona Franca de Manaus, e também benefícios para as pessoas físicas – como, por exemplo, as deduções no Imposto de Renda de Saúde e Educação, que beneficiam principalmente as classes média e alta.
A maior renúncia fiscal do governo, por exemplo, vai para as micro e pequenas empresas inscritas no Simples Nacional – que contam com tributação simplificada e menor do que as médias e grandes companhias do país. Somente nesse caso, a perda de arrecadação estimada para este ano é de R$ 82,99 bilhões – valor que é mais do que duas vezes o orçamento da Educação, estimada em R$ 31,36 bilhões para este ano.
Quando se faz a análise das renúncias por tributos (veja gráfico abaixo), aquele mais utilizado para dar benefícios é a Cofins, com R$ 64 bilhões estimados neste ano (desoneração da cesta básica, de medicamentos, e Simples Nacional, entre outros).
Em seguida, vêm as renúncias feitas por meio da contribuição da previdência social, com R$ 62 bilhões em desonerações – principalmente por conta da redução de tributos sobre a folha de salários (que o governo quer diminuir), filantrópicas, Simples Nacional e exportação da produção rural.
As renúncias tributárias feitas por meio do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), por sua vez, têm uma perda estimada de arrecadação de R$ 41,8 bilhões em 2017. Neste caso, se destacam as isenções de IR para quem tem mais de 65 anos, a aposentadoria por moléstia grave, as deduções no IR com Saúde (R$ 12,69 bilhões neste ano) e Educação (R$ 4,29 bilhões), entre outros. Também há renúncia de mais R$ 46,2 bilhões por meio do IR das empresas.
No caso dos benefícios financeiros e creditícios, que estão estimados em R$ 121,13 bilhões neste ano, o chamado setor produtivo é o maior beneficiado, seguido pelos programas sociais e pelo setor agropecuário (veja gráfico abaixo).
Por destinação, segundo o TCU, os três maiores beneficiários desses recursos são: empréstimos da União ao BNDES, com R$ 23,87 bilhões (para cobrir a diferença entre juros de mercado e taxas subsidiadas sobre o estoque existente); Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), com R$ 15,82 bilhões; e os Fundos Constitucionais de Financiamento (FNE, FNO e FCO), com R$ 15,37 bilhões previstos para este ano.
Veja abaixo a lista das principais renúncias tributárias estimadas por setor em 2017 pela Receita Federal, sem contar benefícios financeiros
– Agricultura: R$ 26,58 bilhões (9,33% do total)
Desoneração Cesta Básica: R$ 17,58 bilhões
Exportação da Produção Rural: R$ 6,26 bilhões
Seguro rural: R$ 218 milhões
Zona Franca de Manaus: R$ 1,24 bilhão
– Assistência Social: R$ 12,73 bilhões (4,47% do total)
Aposentadoria de Declarante com 65 Anos ou Mais: R$ 6,44 bilhões
Automóveis – Pessoas Portadoras de Deficiência: R$ 367 milhões
Cadeira de Rodas e Aparelhos Assistivos: R$ 244 milhões
Dona de Casa: R$ 240 milhões
Entidades sem Fins Lucrativos – Associação Civil: R$ 2,7 bilhões
Entidades sem Fins Lucrativos – Filantrópica: R$ 1,39 bilhão
– Ciência e Tecnologia: R$ 10,1 bilhões (3,55% do total)
Despesas com Pesquisas Científicas e Tecnológicas: R$ 1,48 bilhão
Informática e Automação: R$ 5,76 bilhões
Inovação Tecnológica: R$ 2,05 bilhões
– Comércio e Serviços: R$ 82,78 bilhões (29% do total)
Simples Nacional: R$ 64,09 bilhões
Zona Franca de Manaus: R$ 17,19 bilhões
– Cultura: R$ 1,83 bilhão (0,64% do total)
Atividade Audiovisual: R$ 282 milhões
Entidades sem Fins Lucrativos – Cultural: R$ 163 milhões
Programa Nacional de Apoio à Cultura: R$ 1.35 bilhão
RECINE: R$ 10,7 milhões
– Desporto e Lazer: R$ 706 milhões (0,25% do total)
Entidades sem Fins Lucrativos – Recreativa: R$ 258 milhões
Incentivo ao Desporto: R$ 235 milhões
Olimpíada: R$ 212 milhões
– Direitos da Cidadania: R$ 753 milhões (0,26% do total)
Fundos da Criança e do Adolescente: R$ 346 milhões
Fundos do Idoso: R$ 87 milhões
Horário Eleitoral Gratuito: R$ 319 milhões
– Educação: R$ 14,17 bilhões (4,98% do total)
Creches e Pré-Escolas: R$ 21 milhões
Despesas com Educação: R$ 4,29 bilhões
Entidades Filantrópicas: R$ 4.54 bilhões
Entidades sem Fins Lucrativos – Educação: R$ 3,61 bilhões
PROUNI: R$ 1,32 bilhão
Transporte Escolar: R$ 6 milhões
– Energia: R$ 4,14 bilhões (1,46% do total)
Biodiesel: R$ 65 milhões
Gás Natural Liquefeito: R$ 666 milhões
Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura: R$ 2,41 bilhões
Termoeletricidade: R$ 740 milhões
– Habitação: R$ 11,25 bilhões (3,95% do total)
Financiamentos Habitacionais: R$ 2,19 bilhões
Minha Casa, Minha Vida: R$ 582 milhões
Poupança: R$ 8,43 bilhões
– Indústria: R$ 35,13 bilhões (12,34% do total)
Inovar-Auto (indústria automobilística): R$ 1,21 bilhão
Petroquímica: R$ 1,09 bilhão
Setor Automotivo: R$ 2,49 bilhões
Simples Nacional: R$ 18,9 bilhões
SUDAM: R$ 1,84 bilhão
SUDENE: R$ 2,71 bilhões
Zona Franca de Manaus: R$ 6,42 bilhões
– Saúde: R$ 36,01 bilhões (12,64% do total)
Assistência Médica, Odontológica e Farmacêutica a Empregados: R$ 5,08 bilhões
Despesas Médicas: R$ 12,69 bilhões
Entidades Filantrópicas: R$ 6,82 bilhões
Entidades sem Fins Lucrativos – Assistência Social e Saúde: R$ 3,79 bilhões
Medicamentos: R$ 5,31 bilhões
Produtos Químicos e Farmacêuticos: R$ 2,13 bilhões
– Trabalho: R$ 43,17 bilhões (15,16% do total)
Aposentadoria por Moléstia Grave ou Acidente: R$ 10,75 bilhões
Benefícios Previdênciários e FAPI: R$ 4,45 bilhões
Desoneração da Folha de Salários: R$ 17,03 bilhões
Indenizações por Rescisão de Contrato de Trabalho: R$ 5,99 bilhões
MEI – Microempreendedor Individual: R$ 1,55 bilhão
Incentivo à Formalização do Emprego Doméstico: R$ 685 milhões
– Transporte: R$ 4,99 bilhões (1,75% do total)
Embarcações e Aeronaves: R$ 1,46 bilhão
Leasing de Aeronaves: R$ 787 milhões
Motocicletas: R$ 107 milhões
TAXI: R$ 219 milhões
Transporte Coletivo: R$ 1,66 bilhão