A legislação brasileira, como regra, permite o desempenho de forças de trabalho a partir dos dezesseis anos de idade, com poucas exceções previstas, entre elas para os adolescentes maiores de quatorze anos que trabalhem na condição de aprendiz. Contudo, para os desenvolvidos em horário noturno, de forma perigosa ou insalubre, somente serão permitidos a partir dos dezoito anos de idade.
Não obstante, ainda que conte com ampla cobertura de proteção, presente em normas elaboradas especialmente para tutelar o assunto, o trabalho exercido por pessoas com idade inferior à mínima permitida faz parte de uma cruel realidade, que insiste manter-se presente em grande parte do território nacional. E para os que acham que esse contexto fazia parte de um cenário que ficou no passado, somente em 2016, pelo menos 1,8 milhões de crianças e adolescentes foram encontradas trabalhando naquele ano, de acordo com estudos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Dentro dessa estatística, estavam, aproximadamente, 30 mil crianças de cinco a nove anos de idade, além de 160 mil crianças entre dez a treze anos de idade. Os números chamam à atenção principalmente para a região Norte, seguida da região Nordeste, onde há a maior proporção de trabalho infantil, que precisa ser urgentemente combatido, ou seja, aquele entre crianças de 5 a 13 anos de idade. Quanto às características desses menores, 34,7% era do sexo feminino, enquanto 65,3% era do sexo masculino. Ainda, destaca-se que havia um predomínio das crianças pretas e pardas em relação às brancas.
Muitas podem ser as causas, mas a pobreza, notadamente, pode estar mais seriamente vinculada ao trabalho nessas condições, e o ingresso precoce pode decorrer da ajuda que essa categoria dá à família, na função de trabalhadores familiares auxiliares, que geram ganhos que são auferidos pelo núcleo familiar como um todo. Os dados fornecidos pelo IBGE são de que, entre crianças com idades entre cinco a treze anos, aproximadamente três quartos delas não recebiam renda monetária em razão do trabalho desempenhado, o que pode confirmar a ideia anterior. Outro dado revelado, que não surpreende, é que dos menores com idade entre cinco a dezessete anos que trabalhavam em 2016, e que frequentavam a escola, 94,8% estudavam na rede pública de ensino.
Dessa forma, além da pobreza, as causas também podem estar relacionadas ao sistema educacional deficiente, que muitas vezes não oferece o básico para que as crianças e os adolescentes possam conviver entre si e aprender de forma digna, tornando a escola desinteressante aos alunos e promovendo elevadas taxas de repetência e evasão. Ainda, a estrutura familiar, a escolaridade dos pais, ou mesmo o conjunto de valores e costumes da sociedade, também podem estar relacionados com a execução do trabalho de forma precoce.
Os efeitos desse cenário podem ser devastadores ao completo desenvolvimento desses indivíduos, considerando que até os seis anos de idade estão em formação os alicerces das competências e habilidades emocionais e cognitivas do futuro adulto. Ainda, estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que a entrada de indivíduos no mercado de trabalho, ainda na infância, aliada aos poucos anos de escolarização, está diretamente relacionada com salários inferiores aos das demais pessoas na idade adulta.
Os riscos vão além da interferência no pleno desenvolvimento cognitivo e da perda da infância, há também o perigo de crianças manuseando aparelhagens muitas vezes incompatíveis com suas forças, gerando riscos iminentes à integridade física daquele menor. O trabalho infantil, além de muitas vezes repetir o ciclo da pobreza, prejudica a aprendizagem da criança, quando não a afasta totalmente da escola, contribundo para a exposição a situações de vulnerabilidade, como violência, assédio sexual, esforços físicos intensos, além de outras que são inerentes às diversas formas de trabalho. Mais uma vez, mostra-se evidente a importância de se investir em educação de boa qualidade, na melhoria do acesso e das estruturas das escolas, na tentativa de um dia contornar essa cruel realidade.
Carolina Fernandes é advogada, especialista em Psicologia Jurídica, com ênfase em Direito Familiar. @carolinafernandes.adv