O direito fundamental de inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas não é absoluto e, em certos casos, comporta restrição ou mitigação, desde que prévia e devidamente justificadas, especialmente quando colidir com outro direito fundamental.
O entendimento é da 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo ao negar pedido do Google contra a quebra de sigilo telemático de um canal do YouTube. A medida foi determinada em primeira instância para apurar a prática de propaganda enganosa.
O inquérito foi instaurado após denúncias de que duas empresas estariam oferecendo cursos nas áreas de construção civil e de arquitetura e urbanismo, e, mesmo sem exigir qualquer qualificação dos interessados, anunciavam que os alunos poderiam exercer, após a conclusão das aulas, as atividades de arquiteto e urbanista.
Diante das infrutíferas tentativas de contato e identificação dos responsáveis pelos cursos, a Polícia pediu a quebra do sigilo dos dados telemáticos do canal YouTube que fazia a divulgação das aulas. Contra essa medida, o Google impetrou mandado de segurança junto ao TJ-SP.
O argumento foi que os dados solicitados pela Polícia não identificariam os terminais usados para a suposta prática do delito, e ainda poderiam expor a intimidade e a vida privada do usuário do YouTube, "sendo certo que essa exposição poderá extrapolar, em muito, os fins da investigação criminal".
Porém, a relatora, desembargadora Gilda Alves Barbosa Diodatti, denegou a segurança e disse que os direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas não são absolutos e podem ser flexibilizados se houver confronto com outros direitos fundamentais, como ocorreu no caso em questão.
"A abstenção de quebra do sigilo de dados telemáticos (CF, artigo 5º, XII) coloca em risco a vida, a incolumidade e a segurança da coletividade, em razão do potencial exercício de trabalho, ofício ou profissão, desprovido de qualificação profissional exigida por lei (CF, artigo 5º, XIII)", explicou.
A desembargadora também observou que a quebra de sigilo telemático pressupõe decisão judicial devidamente fundamentada, nos termos dos artigo 7º, incisos II e III, e 22, caput e seu parágrafo único, ambos da Lei 12.965/14 (Marco Civil da Internet).
"Ao contrário do sustentado pelas impetrantes, não se exige que o ilícito penal, objeto de investigação ou de reconstrução em processo judicial, seja apenado com reclusão, não se aplicando ao caso, pois, o disposto no artigo 2º, III, da Lei 9.296/96, dada a existência de legislação específica sobre o tema", completou.
No caso dos autos, para a magistrada, a quebra do sigilo é "imprescindível" para revelar a autoria delitiva, seja porque as informações já fornecidas pelo Google (dados cadastrais e registro de conexão do usuário) não foram capazes de alcançar tal pretensão, seja porque as diversas tentativas de contato com as empresas responsáveis pelos cursos restaram infrutíferas.
"E, tratando-se de ordem judicial que, ao determinar a quebra do sigilo de dados telemáticos, restringiu o fornecimento de dados, pelo provedor de aplicações de internet, de um único usuário, por período certo, determinado e não excessivo, com demonstração do fumus comissi delicti e da imprescindibilidade desse meio de obtenção de prova para apurar infrações penais praticada por lapso temporal razoável, contra consumidores indeterminados (Lei 12.965/14, artigo 22, parágrafo único), não há que se falar em ofensa ao direito constitucional à inviolabilidade da imagem, vida privada, intimidade e honra", disse.
2156170-34.2021.8.26.0000