Cidades

Saviano lamenta ausência e cita Tim Lopes

Durante a mesa de encerramento da 13ª edição da Flip, o jornalista Roberto Saviano lamentou sua ausência no evento em um vídeo de pouco mais de 11 minutos, exibido para a plateia do evento. Ele fez uma homenagem ao jornalista brasileiro Tim Lopes, morto pelo tráfico carioca, e diz que as organizações criminosas só florescem com conivência da burguesia.

A Festa Literária Internacional de Paraty encerrou sua 13ª edição neste domingo (5). O italiano cancelou sua participação dias antes do início da Flip, alegando questões de segurança. O jornalista é jurado de morte pela Máfia italiana pelas revelações do best-seller "Gomorra". Ele vive sob escolta 24 horas por dia e é obrigado a trocar de endereço periodicamente. No vídeo, ele narra em uma parte como é ter essa vida que "te enoluquece".

"Sinto muitíssimo por não estar no festival em Paraty. Realmente seria uma ocasião maravilhosa para nos encontrarmos, para discutirmos, para estarmos juntos. Infelizmente aconteceu aquilo que sempre acontece na minha vida, isto é, que as coisas mudam no último instante", começou ele. Mais tarde ele falaria que tem a pretensão de ir à Flip em uma edição futura.

Mais adiante o jornalista italiano disse que a burguesia favorece o fortalecimento dessas organizações criminosas:
"Não pode existir a criação de um poder economico, criminoso, sem uma conivência e uma aliança com a burguesia saudável do país. É este o elo que deve ser descrito. A periferia napolitana bombeia dinheiro do centro da Itália. As favelas, o mundo criminoso brasileiro, bombeiam dinheiro da economia legal brasileira".

Os lucros da cocaína
Saviano então cita dados impressionantes da lucratividade do negócio da cocaína: "Se alguém investir US$ 1.000 em uma ação, por exemplo, da Apple no auge do desenvolvimento, quando produziu por exemplo o mini iPad, depois de 1 ano ganhará US$ 1.400, US$ 1.600. Se investir US$ 1.000 em cocaína, depois de 1 ano ganhará US$ 180 mil. Então com esse valor imenso pode se justificar toda a violência que por exemplo vocês brasileiros conhecem bem e veem, como nós italianos vemos pelas ruas e nos confrontos".

E fez uma homenagem a jornalistas que morreram por investigar as ações do narcotráfico, como o brasileiro Tim Lopes. "[O livro 'Zero zero zero'] é também uma homenagem a pessoas como Tim Lopes, pessoas como Christian Poveda e todos aqueles que tiveram a vida destruída por terem escrito contra as organziaçoes ou sobre as organizações."

O repórter da TV Globo morreu em 2002, executado pro traficantes da Vila Cruzeiro. Poveda era um documentatrista e fotógrafo de origem argelina morreu em 2009 morto por investigar as ações dos Maras, grupo criminoso de El Salvador.

"Espero realmente que este livro possa ajudar o debate no Brasil. Eu quis usar os versos da poeta búlgara Blaga Dimitrova no início do meu livro dizendo: 'Nenhum medo de que me pisoteiem / Pisoteada, a grama se torna um caminho'. Quando você escreve sobre essas coisas, você sabe que não vai receber nada em troca, a não ser difamação, até pressão."

Como é viver sob ameaça
Saviano também falou sobre como é viver constantemente sob o risco de ser morto por uma vingança da Máfia.

"Humanamente as coisas vão mal. Mesmo porque todos os aspectos em geral arriscados deste ofício [de jornalista] – o narcisismo, o egocentrismo, a vontade de fama – enfim todos esses aspectos são devorados pelo risco, pela batalha política, por tudo aquilo que de algum modo começa a ser a sua vida, a sua vida toda. Ou seja, você não é mais Roberto, um escritor ou um jornalista ou o que seja. Começa a ser só você contra eles. E as denúncias e as ameaças, o que se exige de você, em suma, como que te enlouquece, como se te colocasse continuamente, todos os dias, diante da escolha de voltar ao ataque ou fugir. É doloroso viver assim."

Por final, Saviano disse que espera estar na próxima Flip: "Espero que essa minha dificuldade não prejudique ir ao festival de vocês. Talvez no ano que vem, talvez daqui a dois anos, e peço que me prometam uma coisa que não resignarão às minhas difíceis, terríveis condições e que encontrarão uma maneira junto comigo de conseguir me levar ao Brasil, para um evento público. Por hora meu abraço a vocês, sonhando com o céu brasileiro e jantarmos juntos o quanto antes. Um abraço, tchau".

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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