O filho da ajudante de cozinha Rosimeire de Jesus, de 32 anos, foi o primeiro paciente a entrar no pronto-socorro após a reabertura. Daniel de Jesus, de 14 anos, precisava ser submetido a uma endoscopia e foi encaminhado de um hospital na Zona Norte para a Santa Casa.O adolescente, que segundo sua mãe sofre de estreitamento de esôfago, está desde terça com dificuldade para respirar.Está sem comer, sem tomar água, sem nada desde ontem, disse a mulher.
Dinheiro
A decisão de reabrir o pronto-socorro e retomar exames e cirurgias ocorre após o governo do estado informar, nesta tarde, que vai liberar R$ 3 milhões para a entidade. Além disso, o Ministério Público notificou a entidade sobre a ilegalidade do fechamento.No fim da manhã, o secretário estadual de Saúde, David Uip, liberou a verba. O governo, porém, exigiu, em contrapartida, uma auditoria nas contas da instituição.
À tarde, o provedor da Santa Casa, Kalil Rocha Abdalla, que é o equivalente ao diretor principal da entidade, e representantes do governo estadual participaram de reunião. No encontro, ficou definido que o hospital terá ajuda para quitar uma dívida de R$ 50 milhões com fornecedores.O provedor afirmou que ficou negociado que a Secretaria de Estado da Saúde continuará fornecendo, de forma parcelada, os outros R$ 47 milhões pedidos. Ele ressaltou, porém, que ainda não sabe de que forma isso será feito. "Não é que foi necessário parar, eu pedi para comprar remédio e o fornecedor falou: ‘Não forneço mais’. Tentei, não consegui, fui obrigado a fazer o fechamento.
O restante da dívida, de aproximadamente R$ 300 milhões, deve ser financiada com ajuda do BNDES, segundo o provedor.Ainda nesta tarde, a promotora Paula Vilanichi afirmou que o provedor foi notificado sobre a ilegalidade do fechamento do pronto-socorro, o que poderia acarretar em uma ação civil. Segundo a promotora informou à Rádio CBN, o fechamento teria que ter sido avisado previamente.
Crise em etapas
A Santa Casa fechou o pronto-socorro na terça-feira (22). Nesta quarta, foram suspensos exames e cirurgias eletivas (não urgentes).A Santa Casa é um hospital filantrópico privado, que não cobra dos pacientes. O atendimento é financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e complementado pelo governo do estado.O secretário estadual de Saúde, David Uip, disse que a auditoria nas contas do hospital terá representantes dos governos federal, estadual e municipal.
Segundo David Uip, a Santa Casa recebeu, em 2013, verba equivalente a 2,6 vezes o valor gasto em atendimentos conforme a tabela do SUS. No ano passado, o valor da produção, segundo a tabela, foi de 155 milhões. No período, o total repassado pelos governos federal e estadual foi de mais de 415 milhões.É um problema de gestão e financiamento, disse Uip.Ainda de acordo com dados apresentados pelo secretário, nos cinco primeiros meses do ano, o total repassado foi de pouco mais de R$ 173 milhões e o custo da produção foi de R$ 63 milhões."Ninguém está suspeitando de nada aqui. Não é fácil ser gestor de um grande hospital, eu já fui e conheço a dificuldade", disse.
Falta de recursos
Segundo o provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Kalil Rocha Abdalla, o fechamento ocorreu por causa da dívida acumulada com fornecedores, que levou à falta de medicamentos e materiais cirúrgicos.Não tem material nenhum. Não tenho seringa, esparadrapo, não tenho remédio. Estamos em um pronto-socorro à mingua, afirmou Abdalla em entrevista ao Bom Dia São Paulo.Achavam que eu estava blefando, que eu estava pedindo dinheiro desnecessariamente, disse Abdalla. "A Santa Casa precisa de uma infinidade de dinheiro. Nós não sabemos quantas pessoas virão aqui. Quem vier aqui será atendido, é o que sempre aconteceu."
Ápice de crise
O fechamento do pronto-socorro é o ápice de uma crise que se agrava ao longo dos anos e que afeta também outros hospitais filantrópicos pelo país. Em junho, a TV Globo mostrou que cirurgias estavam sendo canceladas por falta de materiais e que a dúvida estimada da Santa Casa era de R$ 400 milhões. A dívida com fornecedores, motivo do fechamento anunciado nesta terça, é de R$ 50 milhões.
A Irmandade é referência no atendimento hospitalar no estado e a estimativa é que tenha sido fundada em 1560. A sede na Santa Cecília foi inaugurada em 1884.De acordo com o secretário municipal de Saúde, José de Filippi Junior, o pronto-socorro do Hospital Central é o segundo em número de atendimentos na cidade. Depois do Pronto-Socorro Municipal do Tatuapé, com 1,2 mil pacientes por dia, o PS da Santa Casa atende cerca de mil pessoas por dia, segundo Filippi Junior.
Recursos
Na terça, em nota, o Ministério da Saúde informou ter recebido "com preocupação" a informação sobre o fechamento. "A medida unilateral não foi previamente comunicada ao Ministério da Saúde. Nesta tarde, a pasta entrou em contato com a secretaria Estadual de Saúde, gestora do contrato com a Santa Casa, para conhecer as providências que serão adotadas e contribuir na solução da situação", informou em nota.
O Ministério da Saúde negou que os valores repassados para a Santa Casa se limitem ao pagamento de procedimentos da tabela do SUS. "Desde 2012, o total de incentivos federais mais que dobra o valor anual repassado por esses procedimentos", afirma. "Apenas do governo federal, dos R$ 303 milhões previstos para 2014, a Santa Casa receberá 49,7% em repasse por procedimentos (tabela SUS) e 50,3% em incentivos. Os pagamentos estão em dia", informou o Ministério da Saúde.
Também nesta noite, o governo estadual disse que "tem auxiliado sistematicamente" as Santas Casas e hospitais filantrópicos com recursos extras. "Somente neste ano pelo programa SOS Santas Casas serão 571 milhões de reais extras para 125 entidades, o dobro do valor repassado nos últimos anos, para cobrir a defasagem de valores da tabela do Ministério da Saúde, congelada há anos", informa em nota."Apenas para a Santa Casa de SP serão encaminhados 168 milhões em recursos extras do tesouro estadual neste ano, totalizando R$ 345 milhões em dois anos.
Crise na saúde filantrópica
A crise afeta diversos hospitais filantrópicos pelo país. No ano passado, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil (CMB), estimava as dívidas das instituições de saúde filantrópicas em cerca de R$ 15 bilhões. Deste total, R$ 5,4 bilhões são referentes a débitos com a União (relativos a dívidas tributárias e previdenciárias) e R$ 10 bilhões acumulados com bancos e fornecedores.
Em outubro de 2013 o Ministério da Saúde lançou o programa de renegociação das dívidas das santas casas. Segundo o Ministério, a nova legislação permite que a dívida das instituições de saúde seja abatida desde que os hospitais mantenham o pagamento das demais contas em dia e garantam o aumento de atendimentos por meio do SUS.A expectativa do ministério é de que o perdão total das dívidas das santas casas com a União ocorra em até 15 anos, a partir de 2014.
Santa Causa
Em julho de 2012, a direção da Santa Casa firmou uma parceria com a Eletropaulo, concessionária de energia elétrica, que permitia doações por meio da conta enviada às residências. O valor arrecadado é direcionado para o hospital. Mais informações podem ser obtidas pelo site da parceria: www.santacausa.org.br.Atualmente a Irmandade mantém diretamente ou através de Organização Social de Saúde 13 unidades hospitalares, duas policlínicas e uma unidade de pronto atendimento (UPA) em Guarulhos, três prontos-socorros municipais e 11 unidades básicas de saúde. A estimativa é que faça atendimento de cerca de 8 mil pessoas diariamente em todas as especialidades médicas.
G1