Economia

Rogério Marinho diverge de Guedes e defende aumento do gasto público

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é hoje o principal contraponto no governo ao discurso de austeridade fiscal do titular da pasta da Economia, Paulo Guedes. Junto com parte dos militares e de ministros próximos ao presidente Jair Bolsonaro, ele tem defendido a ampliação de gastos públicos para acelerar a recuperação da economia.

O ministro advoga, em especial, por investimentos em infraestrutura básica nas regiões Norte e Nordeste, onde o presidente busca ampliar sua base eleitoral de olho na campanha de reeleição em 2022. E cita projetos de acesso a água, como a transposição do Rio São Francisco.

Os sinais de pressão no governo por mais gastos se multiplicaram nesta semana, com a elaboração de uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) em busca de uma folga orçamentária de R$ 10 bilhões para obras e as
declarações do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) ao GLOBO de que Guedes terá “que arrumar um dinheirinho” para dar continuidade a obras com impacto social e na infraestrutura.

Em entrevista ao GLOBO, Marinho admite divergências com Guedes desde o esboço do plano Pró-Brasil, com investimentos públicos em projetos de infraestrutura, que apoiou junto ao ministro da Casa Civil, Braga Neto, e que enfrentou forte resistência da equipe econômica. Mas diz achar saudável debate de ideias distintas no governo.

Ele frisa que recebeu do presidente a missão de olhar com atenção especial para o Nordeste e defende a ampliação de gastos públicos: “Parece que temos uma faca cravada no olho e estamos preocupados com o cisco”.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, disse que o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem que “arrumar mais um dinheirinho” para tocar obras. Por que o senhor também defende isso neste momento?

Normalmente, o Orçamento do governo federal precisa ser suplementado nos meses de julho e agosto. Temos obras hídricas importantes, como a transposição do São Francisco, de adutoras que estão sendo construídas nos diversos estados do Nordeste, do Centro-Oeste, do Norte e obras de saneamento básico por todo o país. Então, esses recursos precisam ser suplementados.

Como este é um ano excepcional, em que foi decretada uma calamidade pública e houve uma queda da atividade econômica, essa suplementação fica mais difícil porque não há excesso de arrecadação.

Nós pleiteamos e, certamente, o Ministério da Economia vai buscar uma alternativa para que as obras não sejam paralisadas e possamos evitar um prejuízo para milhões de brasileiros.

Qual é a alternativa diante do teto de gastos?

Esse é um processo que o Ministério da Economia precisa responder, que hoje abarca o Planejamento e a Fazenda. Eles têm os instrumentos e certamente vão saber usar de forma adequada porque isso é uma escala de prioridades. O presidente Jair Bolsonaro tem nos orientado de que as obras não sejam paralisadas. Acredito que o ministro Paulo Guedes e sua equipe vão encontrar uma forma dentro da lei do Orçamento.

O país terá de flexibilizar o teto de gastos?

Defendo que, durante a administração do presidente Bolsonaro, mantenhamos o teto, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro. É importante como sinalização de que vamos ter austeridade fiscal e responsabilidade para manter a confiança de que o país é solvente e vai honrar seus compromissos com o mercado e os investidores.

Agora, 2020 é um ano de excepcionalidade. A calamidade foi decretada pelo Parlamento. O que interessa é que a economia continue sólida, que ela volte a crescer a partir do próximo ano para que tenha capacidade de honrar os compromissos assumidos neste ano. A partir de janeiro de 2021, defendemos que todos os instrumentos da política fiscal sejam restabelecidos, inclusive o teto.

Uma saída seria uma negociação com o TCU?

Não existe negociação. Tem que se verificar, somente para dar conforto ao próprio Ministério da Economia, se o entendimento do Tribunal de Contas é o de que aquilo que já foi definido na legislação e, posteriormente, na PEC (proposta de emenda constitucional já aprovada) da emergência, abarca a possibilidade de novas obras. É mais uma questão de conforto que de negociação.

A PEC da emergência já disse que os efeitos causados pela pandemia afetam a economia. Infraestrutura é economia? Segurança hídrica para a população, saneamento básico, tudo a ver com saúde e economia. São obras que precisam ser impulsionadas para gerar um start da economia.

Será preciso prorrogar o decreto de calamidade pública?

Há uma série de condicionantes. Estamos vivendo no que se denomina “novo normal”. Se não houver um recrudescimento da doença, o que temos que aguardar, não tem sentido continuar com esse processo de calamidade, de abertura de crédito extraordinário. Temos que voltar à normalidade.

Como está a sua relação com o ministro Paulo Guedes. Vocês entraram em rota de colisão desde o Pró-Brasil?

Temos uma relação respeitosa. É o ministro da Economia que tem protagonismo, e as decisões finais nessa área são dele. Agora, temos opiniões diferentes. É uma demonstração de que temos um ambiente vivo, saudável, porque o debate tem que acontecer, não podemos interditar.

No fim, qualquer que seja, vai ser a minha posição e a do ministro Paulo Guedes. Conversamos bastante em relação ao marco do saneamento e sobre uma série de projetos que tramitam no Congresso.

O Pró-Brasil continua de pé?

Acredito que sim, mas quem coordena o programa é o ministro Braga Netto. Ele é quem tem que falar. Fizemos a nossa parte quando fomos instados a trazer subsídios e colaborar com o Pró-Brasil. Apresentamos a nossa carteira com vários projetos no Brasil inteiro.

Aumentar o gasto em obras nesse momento não pode passar uma imagem ruim do país para os investidores?

A gente está falando de obras hídricas e saneamento. Vou repetir, nós vamos ter um déficit de R$ 800 bilhões neste ano. Estamos falando de R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões de acréscimo no fiscal. Parece que temos uma faca cravada no olho e estamos preocupados com o cisco.

Como responde à crítica de que é um ministro gastador?

Só posso gastar o que está no meu orçamento. Serei eficiente se executar o meu orçamento. O que interessa para a sociedade é que as obras que estão paralisadas sejam retomadas.

Não há maior desrespeito ao cidadão que paga seus impostos do que esse enorme cemitério de obras inacabadas que estão espalhadas pelo país em função dos equívocos que permearam administrações passadas. O que tenho feito aqui é racionalizar o nosso trabalho.

Estou retomando as obras paralisadas por orientação do presidente e executando o meu orçamento.

Bolsonaro criticou o Bolsa Família e agora pretende ampliar o programa criando o Renda Brasil. Isso não o aproxima do governo do PT?

Não podemos reconstruir o país do zero e fazermos de conta que não aconteceu nada antes. O presidente tem essa sensibilidade. Em função dessa calamidade, descobrimos que existiam milhões de “invisíveis”, que não foram atendidos ao longo de décadas. De oito milhões a dez milhões de famílias precisam de algum suporte financeiro.

O que o governo vai fazer é realocar recursos públicos que perderam a razão de ser porque estão mal aplicados. Não haverá aumento do gasto público. Será feito um reordenamento do Orçamento.

Essa guinada do presidente Bolsonaro para as questões sociais, com viagens para o Norte e Nordeste vai render frutos eleitorais?

Qualquer ação do presidente tem viés político. Ele é o principal mandatário do país e o fato de ele emitir qualquer opinião tem repercussão de imediato. Qualquer ato, gesto ou ação. Ele é uma pessoa pública. Ele está simplesmente dando visibilidade ao que o governo federal já faz. A nossa maior dificuldade é conseguir comunicar isso à sociedade.

O foco do presidente em levar água para todo o país é uma estratégia para 2022?

Quem tem que avaliar isso é a população oportunamente.

E a sua opinião?

Recebi uma missão do presidente de ter um olhar todo especial para o Nordeste. E a nossa luta tem sido no que chamamos de segurança hídrica, que é uma espécie de guarda-chuva. Vem desde a questão do saneamento, tratamento de água, esgoto e resíduos sólidos até adutoras que permitam que população possa ser abastecida de água potável, barragens, cisternas, poços de dessalinização.

O senhor tem acompanhado o presidente nas viagens em estados que são redutos do PT. O ele tem em mente?

O presidente tem muita sensibilidade por esses temas. Cada viagem dessa ele se recarrega, se oxigena porque a reação das pessoas nos emociona. O Nordeste nunca foi propriedade de um partido político, é uma região formada por pessoas que, na sua maioria, têm dificuldades financeiras. Essas pessoas querem governos realizadores.

Historicamente, o Nordeste tem sido um local onde as pessoas têm se preocupado pouco com o desenvolvimento regional e muito com a questão dos votos. O presidente tem trazido para o Nordeste a segurança hídrica.

Se você fizer qualquer pesquisa, qualquer consulta, vai perceber que houve uma mudança muito grande e ânimo, de lideranças da população do Nordeste em relação ao presidente, desde a sua eleição.

A aproximação do presidente com o centrão no Congresso não afronta o discurso contra o “toma lá, dá cá”?

O presidente tomou essa decisão junto com seus articuladores políticos, como os ministros Ramos e Braga Netto. É muito complicado você apresentar projetos dentro do Parlamento e não ter aderência porque não há uma base de sustentação. Não há outro motivo a não ser governabilidade.

O que é o toma lá, da cá? É a participação no governo? Participação em recursos de verbas públicas que cada um leva para seu respectivo estado e município? A própria Constituição estabelece isso como uma prática absolutamente normal.

O senhor pretende disputar a eleição para o governo do Rio Grande do Norte?

A minha cabeça está focada em fazer um bom trabalho no ministério, tanto é que estou até sem partido desde março. Não vou me meter em campanha eleitoral e tenho tido o cuidado de receber aqui todos os partidos.

E o novo Minha Casa Minha Vida? Sai quando?

Estamos com uma medida provisória que deve sair nos próximos dias. Será um novo programa habitacional. Não temos mais um país que pode fazer investimentos com recursos públicos da maneira que fazíamos anteriormente.

Queremos é diminuir taxa de juros para permitir que as pessoas possam ingressar no mercado imobiliário, estamos diminuindo custos de agentes operadores, spread bancário, melhorando a questão de regularização fundiária. Queremos ajudar os municípios nessa área e na de reformas residenciais.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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