Aprovado em primeira votação na Câmara Municipal de São Paulo, um projeto de lei que quer “formalizar” os blocos de rua têm preocupado organizadores. Eles temem que isso inviabilize a existência dos blocos menores e que a repressão policial volte ao carnaval de rua.
O projeto é o PL 279/16, do vereador Aurélio Nomura (PSDB). No entanto, o que causou a discordância foi a emenda do vereador Milton Leite (DEM), que diz que o carnaval de rua deve ser organizado em “parceria com as entidades privadas que congregam as agremiações de carnaval da cidade”, como a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo.
O texto ainda diz que "será firmado termo de parceria onde será definido o plano de trabalho do parceiro, conclusão do projeto e cotas de patrocínio a serem assumidas pela entidade privada, conforme o caso". Neste ano, o prefeito Fernando Haddad disse que o carnaval de rua deu mais retorno a São Paulo do que o Sambódromo.
Ao G1, o vereador Milton Leite disse que essas “entidades privadas” também podem ser formadas pelos próprios blocos, que ser formalizariam como alguma Organização Social (OS). O vereador defende que os blocos têm que ser “legalmente constituídos” e precisam ter “um mínimo de legalidade formal”. Ele explicou que, pela proposta, os blocos pequenos não seriam proibidos de participar, mas que seriam vetados da organização do carnaval.
“O objetivo é que os recursos oriundos do carnaval paulistano fiquem aqui”, disse o vereador. “Os blocos de rua estão sendo organizados por gente do Rio de Janeiro”. Milton Leite se refere a grandes blocos como Sargento Pimenta, Monobloco e Bangalafumenga. No Carnaval 2017, cerca de 400 blocos devem desfilar em São Paulo.
Um dos organizadores do Monobloco, Rogério, disse que o Monobloco não é um bloco do Rio, e sim do Brasil. "Em São Paulo tem mais de 200 integrantes, paulistanos, que ensaiam semanalmente", disse o organizador. "O que mais nos surpreende dessa colocação é a gente começar a querer criar um bairrismo entre cidades em relação ao carnaval".
O projeto de lei precisa de uma segunda votação na Câmara para depois ir para a sanção do prefeito. “Votamos em primeira, colocou a discussão na mesa”, disse o vereador. Segundo ele, o PL não será votado neste ano. “Não há acordo para votar esse ano, vai ficar para o ano que vem”. Nesta terça-feira (13), organizadores de blocos fizeram um protesto na Câmara contra o projeto.
Uma das manifestantes era Paula Klein, organizadora do bloco “Agora Vai”, que ocupa o Minhocão há 12 anos. Ela disse que esse tipo de formalização exigiria uma estrutura que não é a realidade do bloco. “A graça do carnaval que a gente faz é que é muito ajudado pelos foliões, que não são pessoas que vão passar o ano mobilizadas pelo bloco”, disse Paula. Não faz sentido, na estrutura e o tipo de organização que a gente tem, ter um CNPJ, por exemplo”.
Outra preocupação da organizadora é a volta da repressão policial em blocos de rua. “Há sete anos vi um bloco do Bexiga, constituído de crianças e velhos, sendo reprimido porque na época precisava de autorização para sair. Tenho muito medo disso voltar a acontecer”.
Criador do Jegue Elétrico, Emerson Boy disse que esse tipo de formalização também dificultaria a permanência do bloco, que tem 17 anos. “Teríamos que pagar impostos, contador, taxas e exigências que dificultariam muito um bloco sair. Isso atrasaria muito o carnaval de São Paulo. Beneficia só quem é grande, quem tem patrocinador”.
História
Renato Dias, criador do Kolombolo Diá Piratininga, que desfila há 12 anos nas ruas da Vila Madalena, disse que é possível fazer um paralelo entre essa proposta de lei com um fato histórico do carnaval de São Paulo.
Na primeira metade do século XX, cordões carnavalescos, como o Grupo Barra Funda, desfilavam e eram reprimidos na cidade. “Esses cordões estavam cansados de ser perseguidos e estavam tentando um jeito de legalizar o carnaval, no sentido de poder colocar o carnaval na rua”.
Os criadores desses cordões se reuniram em 1968 com o então prefeito José Vicente Faria Lima, que era carioca. Faria Lima disse que apoiaria o carnaval de São Paulo desde que eles seguissem algumas regras. O prefeito importou o modelo das escolas de samba do Rio de Janeiro, e em 1968 aconteceu o primeiro desfile oficial das escolas de samba do carnaval de São Paulo.
“E aí muda totalmente a cultura dos cordões, que era genuinamente paulista”. A formação dos cordões carnavalescos de São Paulo tinha outros elementos de formação, como as rumbeiras, o baliza e a porta-estandate. “Cai o baliza, cai a porta-estandarte, entra mestre-sala e porta-bandeira. Sai a rumbeira e entram as baianas”.
Outra transformação foi na parte instrumental. Uma característica dos cordões eram os instrumentos de sopro. “Caem os instrumentos de sopro e fica só percussão”. A tradição dos cordões foi “modificada para atender um processo político que estava vigente no Brasil naquela época”, explica Renato, que é especialista na história do samba de São Paulo.
Para Renato, o projeto de lei iria descaracterizar mais uma vez uma manifestação “autêntica”. “Sou totalmente contra a legalidade obrigatória de qualquer manifestação popular tradicional, seja ele um cordão carnavalesco, ou um bloco, ou uma banda de carnaval”.
Fonte: G1