Jurídico

Programa Entrega legal à Justiça dá nova vida à criança e pais adotivos

 Diz o dicionário que a felicidade é uma sensação de satisfação plena, um sentimento que as pessoas não podem pegar, apenas sentir. O casal Edclay Souza Franco e Edilene Onorato de Almeida discorda, justamente porque tem a certeza de que a felicidade, pelo menos a deles, tem nome, altura e peso. Ela se chama Maria Helena, pesa 8,9 kg e foi adotada há oito meses.

Ela chegou ainda neném depois que o casal estava há 8 anos na fila de adoção.  Paralelamente, optaram por medidas alternativas, como quatro inseminações artificiais, que totalizaram cerca de R$ 150 mil. Esse valor era quase um sonho para eles, pois não o tinham, mas conseguiram proveniente do acerto de quando Edilene deixou um trabalho de muitos anos. Valia tudo pela realização do sonho de serem pais.

 Das quatro tentativas de inseminação, uma foi em Edilene e outras três em uma prima de Edclay que se ofereceu para ajudar. A parente engravidou, na segunda tentativa, mas perdeu o bebê, o que causou desgaste emocional e psicológico enorme ao casal. Foram seis anos de tentativas, sofrimento e abalo no relacionamento do casal.

 “A gente se sente incapaz como mulher por não poder gerar um filho. Me perguntava por que não posso? No início nem queria me casar, pois já sabia que não poderia ter uma criança e sabia o quanto Edclay queria. Mas, ele me tranquilizou. Durante o tratamento, descobri que na clínica tinham mulheres de todos os tipos e classes e não era só eu que não conseguia formar uma família. Quando desistimos das tentativas, decidimos esperar em Deus, ver o que tinha pra nós e esperamos o resultado da fila”, explica Edilene.

 Em meio a tantas angústias, durante a espera, um dia o telefone tocou no serviço de Edclay.  Era do gabinete da juíza Maria das Graças Gomes da Costa, da Vara Especializada da Infância e Juventude de Rondonópolis (220 km de Cuiabá), avisando que a filha deles tinha nascido. Eles foram em seguida para a maternidade e ali mesmo já ficaram cuidando da criança, depois a levaram pra casa. A vida mudou completamente.

 “Ela não nasceu de mim, mas para mim. É um presente de Deus para toda a família, pois todos a adotaram também – família e amigos. Ela teve chás de boas-vindas na empresa em que trabalho, na empresa em que meu marido trabalhava, entre os meus vizinhos e também na família. Ela é a nossa vida agora e tudo o que fazemos é para ela”, explica a mãe.

 O pai, orgulhoso, ressalta que a filha é a cara dele quando era criança e prova com foto. “Nosso amor é enorme. A gente a adotou, mas era importante que ela também nos adotasse e isso aconteceu. Não consigo mais viver sem ela, na verdade, nem imagino minha vida sem ela. Além de tudo, eu e ela somos superparecidos, é a minha cara quando era criança”, conta Edclay.

 A adoção de Maria Helena só foi possível por conta do artigo 19-A da Lei 13.509/2017 que afirma que a mãe ou gestante que manifestar o interesse em entregar o filho para adoção deverá ser encaminhada à Justiça da Infância e Juventude. Dentre os direitos dessa mãe, está a garantia ao sigilo sobre o nascimento da criança. A lei também evita a adoção irregular, na informalidade, em que as mães entregam os filhos diretamente a quem quiser, sem um estudo psicossocial anterior.

 A entrega legal 

A bebê, que hoje traz felicidade para o casal, já foi sinônimo de tristeza para a genitora, tanto que ela decidiu entregar a criança para adoção assim que soube que estava grávida.

 De acordo com a juíza Maria das Graças, quando a genitora descobriu a nova vida, buscou ajuda na unidade de saúde da cidade e lá conheceu o programa Entrega Legal, desenvolvido pelo Poder Judiciário de Mato Grosso, campanha que ampara as mães biológicas que, psicológica ou financeiramente, não podem ou querem cuidar das crianças que estão gerando.

 Na comarca, a propaganda da ação é feita nas escolas, na maternidade e nos postos de saúde. “À mulher brasileira é permitido fazer a entrega da criança ao Judiciário, diante de um juiz, e isso não é caracterizado crime de abandono. Faz sete meses que estamos fazendo a divulgação da lei na cidade e temos tido resultados maravilhosos. Já temos cinco crianças entregues que fizeram a felicidade de pessoas que estavam na fila de espera aguardando para conhecer os filhos”, explica a magistrada.

 Além de Maria Helena, outras quatro crianças já foram confiadas ao Poder Judiciário de Rondonópolis depois da campanha. A juíza Maria das Graças ressalta ainda que essas mulheres têm a consciência de que criar essas crianças não é possível.

“Pode parecer estranho, mas há pessoas que não nasceram para ser pais, e têm clareza disso. Como antes abandonar uma criança era crime, as genitoras passavam pelo conflito do que fazer com os pequenos e, muitas vezes, os encostavam em algum parente que se sentia na obrigação moral de criá-las, ou ainda, buscavam o aborto como último recurso.”

 A opção de entregar o filho ao juiz de comarca pode ser feita em todo território nacional, e a mãe biológica pode procurar a autoridade ainda durante a gestação. Nesse caso, é acompanhada por uma equipe de assistência social e psicológica do Fórum.  Eles trabalham verificando se a genitora tem plena consciência e real clareza do que significa perder o poder familiar sobre a criança – depois que o bebê é adotado por uma família substituta não será mais devolvido.

 “Essas mulheres que vieram até nós souberam exercer bem esse direito. Não eram apenas mulheres que estavam em condições de vulnerabilidade emocional ou econômicas. O perfil delas é de quem tem ensino superior e estabilidade psicológica e emocional. Elas pensaram bem e viram que não dava para criar as crianças. E não devem ser julgadas por isso, porque foram decisões pensadas e seguras que vão possibilitar a inserção dessas crianças em um lar cheio de amor e ansioso por recebê-las”, explica a magistrada.

 Atualmente, a fila em Rondonópolis têm 56 cadastrados a pretendente à adoção aguardando uma criança.

Redação

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