Cintia Borges/ Fotos Ahmad Jarrah
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, apontam que o Brasil conta atualmente com 45,6 milhões de pessoas que possuem alguma deficiência. O número representa 23,9% da população do País. Desses, 2,6 milhões têm alguma deficiência mental ou intelectual, cerca de 1,4% dos brasileiros. Em Mato Grosso, são mais de 872 mil pessoas com alguma deficiência visual, motora, auditiva ou intelectual.
Apesar desse número expressivo, o principal meio para que a pessoa com deficiência tenha acesso adequado e especializado à saúde em Mato Grosso, o Centro de Reabilitação Integral Dom Aquino Corrêa (Cridac), apresenta graves falhas estruturais.
A presidente da Associação Mato-Grossense da Pessoa com Deficiência (Amde), Mariley Auxiliadora de Jesus conta que a unidade, que deveria trabalhar como referência de saúde para a pessoa com deficiência, não funciona em sua totalidade. “A Amde e outras entidades reivindicam melhorias para o local, mas a estrutura está caótica. Já ouvimos várias promessas de mudanças, mas até agora nada”, diz.
O Cridac foi criado há 40 anos com o objetivo de “reabilitar para incluir”. Lá, serviços como o de neurologia, fisioterapia, terapia ocupacional, oficina ortopédica e outros deveriam ser oferecidos a pessoas com necessidades especiais, sejam elas de natureza física ou intelectual.
Contudo, a presidente da Amde afirma que a oficina ortopédica, por exemplo, apesar de essencial a quem necessita de próteses de braços e pernas, funciona com precariedade. “O telhado caiu e alugaram uma sala ali do lado, um barracão igual oficina de carro. Um caos. Eu fui levar a prótese da voluntária da Amde para conserto e não puderam nos ajudar, porque lá não tem material nenhum”, conta.
Segundo a presidente, os funcionários alegam que os produtos estão em fase de licitação e que não há previsão de chegada. “Eu te pergunto: quem precisa de uma perna mecânica para andar, vai esperar licitação?”.
Além da precariedade dos serviços oferecidos pela oficina, os pacientes reclamam de falta de profissionais, em especial neurologistas. “Os médicos estão indo embora. Hoje apenas um neurologista atende no hospital. Vinham cinco a seis ônibus cheios de gente para o Centro de Reabilitação. Os corredores eram cheios. Hoje não tem mais ninguém. Dependendo do médico que você precisa, eles fazem encaminhamento para outros hospitais para que os exames sejam feito lá, já não é feito mais aqui”, afirma Ernesto Dickmann.
O aposentado é pai do Rudmar Dickmann, de 37 anos, e o acompanha regularmente nas consultas do Cridac. Para ele houve queda significativa no atendimento desde que frequenta o local.
O filho, que sofreu um traumatismo craniano após um acidente de moto, realiza tratamento no Cridac há 4 anos. Segundo o pai, apesar da falta de médicos e de estrutura, o atendimento que é feito é fundamental para que a saúde do filho tenha melhoras.
“Meu filho ficou dois anos sem falar e andar. Ele fez fisioterapia, começou a fazer Terapia Ocupacional, e voltou a falar”, disse o aposentado que frequenta o Centro de Reabilitação duas vezes na semana.
Secretário reconhece necessidade de melhorias
O secretário adjunto de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Marcione Mendes de Pinho, pasta ligada à Casa Civil, corrobora a denúncia da presidente da Amde e diz que o Centro de Referência precisa de investimentos.
“O Cridac hoje não tem vários serviços que deveriam ser ofertados. E esses não são mais ofertados porque não há a manutenção do serviço. Nós temos que cobrar da Secretaria da Saúde, até porque a gestão não cabe a nós”, pontua.
A Saúde da Pessoa com Deficiência faz parte das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Nela, os deficientes auditivos, visuais, físicos e intelectuais devem ser atendidos de forma a proteger sua saúde; reabilitar a capacidade funcional e desempenho, contribuindo para a sua inclusão social. E ainda, prevenir situações que possam levar ao aparecimento de deficiências, como por exemplo: acidentes domésticos, profissionais ou de trânsito.
Na gestão do governador do Estado, Pedro Taques (PSDB), foi criado uma Comissão de Políticas Públicas para pessoas com deficiência no Estado. Nela, 19 órgãos do Estado e mais a sociedade Civil farão parte por meio do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conede).
“O trabalho dos membros é criar subcomissões dentro das secretarias e essas subcomissões ficam com a incumbência de nos trazer, tanto a parte orçamentária, quanto a parte de planejamento para a execução política para as pessoas com deficiência”, revela Pinho, que afirma que em 2017 a Comissão já deve estar criada.
Serviço Fundamental, estrutura precária
A reportagem do Circuito Mato Grosso foi até o Centro de Reabilitação para conhecer a realidade de quem frequenta o local. Na unidade de saúde, Adriely Miranda Nascimento acompanhava o pai, Nilson Benedito do Nascimento, 47 anos, que precisava tirar medidas para que uma cadeira de banho fosse disponibilizada pela unidade. Há um ano, após uma brônquio-pneumonia Nilson teve uma parada cardíaca e ficou com sequelas neurológicas por falta de oxigênio no cérebro.
“Quando nós procuramos o Centro de Reabilitação fomos muito bem atendidos. Os médicos e os profissionais em geral são muito bons. Mas a infraestrutura do local é feia. Tem lugares apertados… Nas salas de consulta e fisioterapia faltam equipamentos e ar-condicionado adequado”, revela Adriely.
Para a dona de casa, Rosa Maria Leite da Silva, a falta de infraestrutura é a principal deficiência do serviço, que para ela é fundamental. “Há nove anos nós fazemos parte do Cridac. A não ser a estrutura que está bem debilitada, eu sempre fui bem atendida, tanto nas terapias que eles fazem, quanto no atendimento. Hoje, o Centro de Reabilitação não comporta mais a quantidade de atendimento que comportava e nem todo mundo que procura acha tratamento no Centro, porque a demanda é muito grande e a estrutura não suporta”, diz.
Rosa leva o filho Wdson, de nove anos, para fazer Terapia Ocupacional (T.O.) e Fonoaudiologia duas vezes na semana no Centro de Reabilitação. A criança teve paralisia cerebral três dias após seu nascimento. O diagnóstico era que Wdson nunca chegaria a falar ou a andar, mas atualmente realiza os dois, graças à dedicação da mãe e aos serviços oferecidos no Centro.
Expectativa de um novo Cridac
Uma nova estrutura para o Cridac está planejada para ser implantada no Hospital Central do Estado, também chamado de a “Cidade da Saúde”. Parada há 30 anos, a obra deveria ter sido retomada pelo Governo de Mato Grosso em dezembro de 2015. À época, a promessa era de que o hospital ficaria pronto até setembro de 2016, ou seja, neste mês.
Em agosto deste ano, o procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Cleber de Oliveira Tavares Neto, do Ministério Público Federal (MPF), cobrou das autoridades do Governo do Estado a conclusão do hospital, tendo em vista o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) referente à construção da “Cidade da Saúde”.
Responsável pela retomada das obras do antigo, o Núcleo de Ações Voluntárias (NAV), por meio de nota, afirmou que houve uma readequação no cronograma. Segundo o NAV, o novo calendário se deve principalmente ao levantamento da documentação necessária para o início das obras, à readequação do projeto às normas do Manual de Ambiência dos Centros. A conclusão da sede do Cridac, de acordo com o novo cronograma, está prevista para ser entregue em julho de 2017.
33 mil atendimentos de janeiro a julho de 2016
A Secretaria de Estado de Saúde (SES), por meio da diretoria do Centro de Reabilitação Integral Dom Aquino Correa, esclarece que em relação aos usuários que necessitam de acompanhamento ambulatorial de neurologista, o atendimento está sendo realizado pelos médicos na rede de serviços.
Informa também que o Centro Especializado em Reabilitação (CER) III, no Cridac Cuiabá, mantém os serviços especializados em reabilitação em consonância aos instrutivos legais vigentes.
Sobre a oficina de produção, a SES afirma que está funcionando plena e diariamente. O espaço está localizado em um imóvel locado pela SES desde 2013.
Devido à necessidade de restauração, o prédio foi interditado e para realizar qualquer reforma precisa obedecer aos parâmetros estabelecidos pela coordenadoria de patrimônio cultural da Secretaria de Estado de Cultura. A SES vem monitorando esse processo entre os intergestores.
Quanto aos números de atendimentos do Cridac Cuiabá de janeiro a junho de 2016, somam 33 mil. O atendimento da Rede Estadual de Reabilitação em 133 municípios do estado foram 300 mil atendimentos, até junho.
Semana da pessoa com deficiência
Dia 21 de setembro é comemorado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Do dia 19 ao dia 24 de setembro será realizado em Cuiabá (MT) a II Semana Estadual da Pessoa com Deficiência.
Dentre a programação, está o II Meeting, encontro entre profissionais da saúde e sociedade sobre a Saúde da Pessoa com Deficiência que traz como tema “Mato Grosso Unindo forças para uma saúde acessível, inclusiva e integral”.
O evento tem como objetivo aprofundar, e acima de tudo, mudar a concepção da assistência às pessoas com deficiência, realizando atendimento com mais segurança e apresentando alternativas na assistência à saúde.
“Hoje nós temos pouquíssimos profissionais [de saúde] capacitados no atendimento para pessoas com deficiência. A variedade de patologias é bem grande e são poucos os Centros que atendem os diversos perfis. O evento é voltado para os servidores do Sistema Único de Saúde (SUS), e um dos objetivos é melhorar essa assistência à população, onde pretendemos instrumentalizar esses profissionais para esse atendimento. Tanto é que os dois principais assuntos serão o Autismo e a Microcefalia”, afirma a coordenadora dra. Diurianne França.