Limitar a internet fixa afeta o acesso a serviços de streaming de vídeo e música, bem como a jogos, mas não é só a diversão dos brasileiros que está em xeque, segundo o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Claudio Lamachia. "Há muitos outros prejuízos embutidos", relata ele.
O tema virou alvo de crítica pelos consumidores a partir da decisão da Vivo de limitar dados de internet fixa para novos clientes –e da possibilidade de o limite ser adotado por outras operadoras. É o mesmo que as operadoras de telefonia celular já fazem, cortando o acesso ou diminuindo sua velocidade quando termina a franquia do plano de dados.
Com a mudança, os usuários terão que aprender a controlar o consumo de dados de acordo com o pacote contratado, principalmente aqueles que não têm como pagar por pacotes adicionais. Terão, por exemplo, que diminuir o consumo de vídeos (1h de Netflix, em resolução padrão, consome 1 Gbyte, 10 mil vezes mais que um e-mail sem anexos, segundo a Proteste) e o download de jogos (baixar um game consome cerca de 44 GB).
'Volta' da internet discada
"Seria a volta da internet discada para muitos consumidores", afirma Luiz Santin, diretor da NextComm Consultoria, ao se referir ao período em que os brasileiros viviam "um racionamento do acesso".
Quem viveu essa época deve lembrar que o uso da internet nas madrugadas era mais frequente por uma questão de custo: as operadoras cobravam apenas um pulso a partir da meia-noite. "A tecnologia evoluiu, mas parece que temos um retrocesso a caminho."
Desigualdade entre internautas
Esse retrocesso, segundo Carlos Affonso Souza, diretor do ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), pode gerar uma desigualdade entre os usuários de internet. "Aqueles que podem pagar por planos com maior volume de dados continuarão tendo acesso aos variados recursos da rede. Os demais, no entanto, ficam restritos a funções ou poderão passar parte do mês sem acesso."
Para Souza, a limitação tende a diminuir ainda mais a presença da banda larga fixa nas casas dos brasileiros.
Em 2014, 54,9% dos brasileiros tinham acesso à internet, segundo os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nas casas com acesso à rede, o celular era usado para esse fim em 80,4% dos casos e o computador, em 76,6%.
A limitação fere o direito fundamental de acesso à internet, bem como as diretrizes do Programa Nacional de Banda larga (Decreto 7.175 de 2010), que buscou massificar o acesso a serviços de conexão e reduzir as desigualdades social e regional, defende Coriolano Almeida Camargo, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Digital e Compliance da Faculdade Damásio.
"Direito fundamental implantado não pode sofrer retrocesso. O acesso à internet, além de consagrar o direito à informação, educação, diz respeito à concepção contemporânea de cidadania."
Planos mais baratos ou mais caros?
Por outro lado, Eduardo Tude, da consultoria de telecomunicações Teleco, acredita que a adoção do limite pode favorecer a criação de planos mais baratos.
"Atualmente, os planos custam de R$ 30 a R$ 50, a depender da velocidade. Mas há pessoas que usam mais e outras, menos. Com a definição de dados, torna-se possível criar opções mais em conta."
Luiz Santin, diretor da NextComm Consultoria, não se mostra otimista. "Os que usam menos vão continuar a pagar a mesma coisa. Mas, na média, a previsão é que os preços subam ainda mais", afirma. Ele cita como exemplo a situação da telefonia móvel no Brasil. "Temos uma das piores internet do mundo e uma das mais caras."
Em contrapartida, a Vivo informa que "a mudança contribui para o dimensionamento mais adequado da rede e, com isso, oferecer uma melhor experiência de uso da internet fixa".
Quem será mais afetado?
Para Tude, da consultoria Teleco, a mudança terá maior impacto para os chamados "heavy users", que são minoria dos usuários. "Eles correspondem a 5% do público".
Porém, Souza, da ITS-Rio, afirma que atualmente os vídeos estão presentes não apenas nos serviços de streaming, mas também nas redes sociais, nos meios de comunicação e "em tudo que é canto". "Todos querem ter acesso a esses conteúdos, não apenas os heavy users."
Além da diversão, o que pode ser afetado?
Educação: a limitação deve prejudicar o desenvolvimento da educação, segundo o presidente da OAB. "A internet é utilizada como o meio mais importante para disseminação da formação. Quantas pessoas utilizam a rede para formação profissional?", pergunta.
Wi-Fi compartilhado ou grátis: "emprestar" ou oferecer Wi-Fi grátis tende a ficar cada vez mais raro, diz Souza, do ITS-Rio. "Uma família passar a pensar dez vezes antes de sair dando a senha da internet para as visitas." Os comércios que oferecem o serviço gratuito aos clientes tendem a passar a cobrar pelo acesso ou embutir o custo extra da internet em seus produtos. "Uma cafetaria pode ter que aumentar um pouco o preço do café para conseguir manter a oferta de Wi-Fi gratuito."
Negócios: a limitação deve causar, ainda, grande prejuízo aos negócios ligados diretamente à internet e, consequentemente, à economia e desenvolvimento do país, afirma Satin, da NextComm. "Podemos citar aqui os youtubers e também os desenvolvedores de jogos e apps. Esses são setores em crescimento que podem sofrer um grande impacto."
Fonte: UOL