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Pequena referência as origens do direito ambiental no Brasil

Ao se buscar as origens do direito ambiental no Brasil é necessário fazer uma curta incursão na história do país a partir da sua colonização inicial por Portugal, retrocedendo-se ao século XVI. Eram aplicadas as Ordenações Manuelinas, que traziam a proibição de caça de alguns animais silvestres, como perdizes, lebres e coelhos (Livro V, título LXXXIII), além de coibir o corte de árvores frutíferas tipificando a conduta como crime. O Governo Geral de 1548 baixou regimentos, ordenações, alvarás e outros documentos legais relativamente a exploração da fauna e flora, com o que se diz ter nascido neste momento o direito ambiental.

Não se pode deixar de lembrar o domínio espanhol, quando foram colocadas em vigor as Ordenações Filipinas (1603), estando nelas disciplinadas várias regras ambientais, tendo como exemplos as constantes do livro I e título LVIII, do livro II e título LIX, do  livro IV e título XXXIII, e do livro V e títulos LXXV e LXXVIII.  Algumas penas eram muito pesadas, como a do livro V, título LXXV, aplicando a quem cortasse árvore ou fruto, o açoite e o degredo para a África por quatro anos, se o dano fosse mínimo, pois, caso contrário, o degredo seria para sempre”.

Afirmam alguns autores que a primeira lei de proteção florestal teria sido o Regimento do Pau-Brasil (1605), pois deveria ser exigida autorização real para o corte dessa árvore, mas isso na verdade não seria uma proteção efetiva da flora, mas sim uma proteção a exploração pela Coroa, sendo certo que as autorizações ajudaram a dizimar quase que definitivamente essa espécie tão cobiçada. E a Carta Régia (1797) trazia regras de defesa da fauna, das águas e dos solos e o primeiro regimento de cortes de madeira (1799) estabelecia rigorosas regras para a derrubada de árvores.

O patriarca José Bonifácio de Andrada sugeriu que fossem baixadas as primeiras instruções para reflorestar a costa brasileira (1802) e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi criado (1808) como área de preservação ambiental, sendo considerada nossa primeira unidade de conservação, destinada a preservar espécies e estimular estudos científicos. Por sua vez, D. João VI expediu ordem (1809), que prometia a liberdade aos escravos que denunciassem contrabandistas de pau-brasil, sendo talvez o primeiro caso de delação premiada em matéria ambiental, sobrevindo Decreto (1817), que proibia o corte de árvores nas áreas circundantes do rio Carioca, na cidade do Rio de Janeiro.

A Lei 601/1850, primeira Lei de Terras do Brasil, considerava a derrubada de matos ou o ateamento de fogo crime punível com prisão, de 2 a 6 meses, e multa, estabelecendo a responsabilidade por dano ambiental fora do âmbito desta legislação, uma vez que o infrator sendo submetido a sanções civis e administrativas. E a posse tinha de ser legitimada por plantações, “princípio de cultura”, não se considerando como tal os simples roçados, derrubadas ou queimadas de matos ou campos. Tudo para tentar evitar a simples derrubadas e queimadas indiscriminadas.

No período republicano foi publicado o Decreto 8.843/1911, para ser criada a primeira reserva florestal do Brasil, no antigo Território Federal do Acre, e em 1921 foi criado o Serviço Florestal do Brasil, sucedido pelo Departamento de Recursos Naturais Renováveis, e esse pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF – e, atualmente, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA. Os primeiros códigos de proteção dos recursos naturais, tais como florestal, de mineração, de águas, de pesca, de proteção à fauna também foram criados.

A elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento, constante da Lei 5.727/1971, incluiu entre as suas inovações o PIN – Programa de Integração Nacional e o PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à Agropecuária do Norte e do Nordeste, cujas experiências causaram muitos prejuízos ambientais e se mostraram negativas do ponto de vista preservacionista, levando a revisão no II Plano Nacional de Desenvolvimento, aprovado pela Lei 6.151/1974, com adoção de medidas um pouco mais efetivas de proteção do meio ambiente.

O governo criou ainda uma Secretaria Especial do Meio Ambiente, vindo III Plano Nacional de Desenvolvimento, conforme a Resolução nº 1/1979, do Congresso Nacional, com mais avanços para o Direito Ambiental, destacando-se a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Antes já havia sido estabelecida a responsabilidade objetiva nos casos de danos nucleares (Lei 6.453/1977), marco importante para o início das pesquisas nucleares e instalação de usinas nucleares pelo país, com as usinas de Angra I e Angra II.

A Política Nacional para o Meio Ambiente foi obra da Lei Federal 6.938/1981 e trouxe a instituição da polícia administrativa ambiental, exigindo as medidas relativas ao estudo de impacto ambiental e o respectivo relatório (EIA/RIMA) para a obtenção de licenciamento em qualquer atividade modificadora do meio ambiente. As faculdades de direito a partir de então passaram a trazer nas grades de seus cursos a disciplina direito ecológico, posteriormente nominada de forma mais correta de direito ambiental.

A Ação Civil Pública como instrumento processual de preservação ambiental veio com a publicação da Lei Federal 7.347/1985, destacando-se por conta do mérito de sua participação, que o Ministério Público do Estado de São Paulo realizou profundos estudos para as inovações trazidas na nossa Constituição de 1988, onde a evolução do direito brasileiro ficou indelevelmente marcada com capítulo específico relativo ao meio ambiente. E o meio ambiente passa a se transformar constitucionalmente num direito de quarta geração, cuja defesa, preservação, recuperação e revitalização se transformam em obrigação do Poder Público e de toda a coletividade, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento.

Todos os indivíduos passam a ter o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se, como já dito, ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, CF). A visão antropocêntrica começa a ser alterada para a visão ecocêntrica, onde o meio ambiente, ou a natureza, como patrimônio da humanidade, deve prevalecer sobre o homem, pois esse dela é parte integrante e dela necessita para manter a perpetuação da sua espécie no planeta terra.

Por fim, diante das constantes catástrofes ambientais que vem alterando sensivelmente os habitantes da terra, é preciso ter muita atenção com o “paradoxo Giddens”, mote principal do livro “A política da mudança climática”, do professor emérito (e ex-diretor) da London School of Economics e membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido, Anthony Giddens. Esse paradoxo pode ser sintetizado no fato de que os perigos representados pelo aquecimento global não são palpáveis, imediatos ou visíveis no decorrer da vida cotidiana, por mais assustadores que se afigurem, e assim, muita gente, principalmente os governos, continua sentada, sem fazer nada de concreto a seu respeito.

Portanto, todos devem ajudar o Estado a assegurar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo a incentivarem as empresas, o terceiro setor e os indivíduos em termos de políticas a longo prazo, para lidarmos de forma efetiva com os riscos da mudança climática com a promoção de convergência política e econômica entre a mudança climática e as políticas de produção e energética.

Nessa pequena referência as origens do direito ambiental no Brasil, pode ser verificado desde os nossos primórdios como nação colonizada, que sempre existiram normas no tocante ao direito ambiental, ainda que focadas inicialmente na exploração dos recursos naturais para o reino colonizador, mas que traziam alguma referência limitadora a exploração sem observância de algumas mínimas regras de sustentabilidade.

Atualmente, diante do atual quadro legislativo que possuímos, mister se faz a efetiva fiscalização e aplicação das leis ambientais, com a mudança da vontade política dos mandatários do poder, para realmente conseguirmos evitar as catástrofes climáticas que vem se tornando constantes. Resta apenas ocorrer um efetivo engajamento de todos os indivíduos, da sociedade civilmente organizada, das empresas e dos governos, o que se espera seja breve para o bem da humanidade.

Antonio Horácio da Silva Neto

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Antonio Horácio da Silva Neto é juiz de direito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso e presidente da Academia Mato-grossense de Magistrados. Colaborador especial do Circuito Mato Grosso desde 2015.