Muita espera e agonia é a realidade dos cidadãos que precisam de atendimento nos hospitais públicos de Cuiabá e Várzea Grande. A superlotação, o calor, a falta de materiais médicos, medicamentos e leitos são uma constante no dia a dia dessas unidades. Os dois municípios são referências para as pessoas que moram no interior de Mato Grosso e necessitam de serviços de saúde pública que faltam em suas cidades.
Sem recursos e com repasses estaduais atrasados, esta semana o prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, tomou uma decisão polêmica para reduzir a demanda excessiva que pesa sobre a saúde municipal. Em um decreto publicado na segunda-feira (13), foi decidido que o Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (PMSC) irá passar por “medidas emergenciais” e atenderá apenas os pacientes de urgência e emergência da própria Cuiabá, não aceitando mais os pacientes de outras cidades mato-grossenses.
O prefeito afirmou que a Prefeitura não tem responsabilidade para com retorno desses pacientes. “Se o município de origem tem condições de mandar para Cuiabá, ele também deve ter condições de buscar”, declarou.
Segundo a Prefeitura de Cuiabá, 65% dos atendimentos realizados na unidade envolvem pacientes de cidades do interior. A média de atendimento do Pronto-Socorro Municipal é de R$ 1.200 mensais. Atualmente estão nos corredores da unidade cerca de 140 pacientes. Ao todo, o hospital atende no momento 346 pessoas, sendo que dispõe de 271 leitos.
O metalúrgico Adavilson Amaro Leite foi visitar um amigo que é cadeirante e há dois meses espera uma cirurgia no Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá. Segundo ele, o local está lotado e há falta de alguns materiais pela alta demanda de atendimentos. “Há muito tempo que não vejo o Pronto-Socorro tão cheio. Os corredores estão completamente lotados de pacientes, é difícil até de andar lá dentro. Meu amigo está bem confortável lá, pois aguarda uma cirurgia que está esperando há dois meses; disseram que esta semana vai ser feita”, relata.
Em Cuiabá, 65% dos atendimentos realizados no Pronto-Socorro são de pessoas de outros municípios. O medo é uma constante entre os acompanhantes de pacientes que estão lotados na capital. Todos conversam a respeito do tema, porém não aceitam conceder entrevistas por temerem represálias contra seus familiares. Por dias seguidos, segunda e terça-feira, a reportagem do Circuito Mato Grosso foi proibida de entrar no hospital.
Do outro lado da ponte
Desde a medida do prefeito de Cuiabá, a lotação de pacientes no Pronto-Socorro Municipal de Várzea Grande (PSMVG) subiu de 25% para 40%. A grande maioria é justamente de atendimentos de pacientes do interior.
Um deles é o simpático poconeano David Amarante de Souza, de 80 anos, o Seu David. O idoso está há menos de uma semana no local, fazendo exames para fazer uma cirurgia no coração. Ele irá ser transferido nesta quarta-feira (15) para a Santa Casa para fazer cirurgia.
“Fui bem atendido, bem tratado e medicado. Mesmo com as dificuldades que percebi, eu não tenho nada a reclamar. Me deram muita atenção e cuidaram de mim”, relata Amarante.
O diretor geral do Pronto-Socorro de Várzea Grande, Ney Provenzano, conta que muitos dos pacientes que chegam à unidade de saúde não estão regulamentados no Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme Provenzano, foram atendidos 408 novos pacientes, somando os 213 que já estavam no local. Além disso, foram consumidas mil refeições oferecidas aos acompanhantes e pacientes.
“Fica muito caro manter o Pronto-Socorro, começam a faltar material e medicamentos. Temos um planejamento, e um aumento desta proporção faz com que falte até o básico. Para comprar materiais é feita uma licitação, e isso demora. Não conseguimos dar o atendimento ideal”, conta.
A principal dificuldade destacada pelo diretor Ney Provenzano é a falta de leitos. O Pronto-Socorro de Várzea Grande ainda não atende na sua capacidade máxima, pois está em obras. “Cerca de 30% da unidade estão em reforma, assim é humanamente impossível dar o atendimento que todos merecem no momento. As pessoas ficam nos corredores até que abram uma vaga em um novo leito. A gente recebeu a determinação da prefeita Lucimar Campos (DEM) de atender a todos que venham aqui. A equipe de enfermagem atende da melhor forma que dá, mas não é o atendimento ideal”, declarou Ney.
Médicos contestam medida da Prefeitura de Cuiabá
Apesar da publicação do decreto de prefeito Emanuel Pinheiro, os médicos que atendem no PMSC afirmam que vão continuar seguindo o procedimento. “Não vamos dar alta para ninguém em risco, independente do município de origem. Nossa prioridade é com a saúde. Já avisamos que só serão transferidos os pacientes que estiverem em condições de saírem daqui”, afirmou um médico do PMSC que preferiu não se identificar, em entrevista ao jornal.
O médico revelou que até terça-feira nenhum paciente do interior deixou a unidade ou foi transferido. “Até concordamos que tem pacientes que estão aqui e que poderiam ser atendidos em suas cidades, mas isso é culpa de um sucateamento da saúde nas cidades que vem desde a década de 1970, porém notamos que de uns meses para cá a demanda cresceu muito”, conclui.
A falta de repasse para a saúde em Mato Grosso
A Prefeitura de Cuiabá afirma que o governo do Estado tem um passivo de R$ 52 milhões com o munícipio. Além disso, o prefeito Emanuel Pinheiro aponta um crescimento de 30% a 50% na demanda desde a crise na saúde estadual, com fechamento de alguns serviços nas unidades no interior.
Para contornar o problema, a Prefeitura decretou um repasse emergencial de R$ 10 milhões que deverá ser realizado pelo Tesouro municipal para a Secretaria Estadual de Saúde para a compra de insumos. Já foram repassados R$ 2 milhões e até dia 30 de novembro deverão ser repassados R$ 3 milhões. E no dia 31 de dezembro, outros R$ 5 milhões para completar o montante.
A falta de repasses é denunciada por outros municípios de Mato Grosso. O presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios, Neurilan Fraga, convocou uma reunião com outros prefeitos do estado e para defender o afastamento do governador do Estado, Pedro Taques (PSDB), do comando do Executivo por atrasos nos repasses da saúde.
Em entrevista coletiva na quarta-feira 8, ele disse que já foram esgotadas todas "as possibilidades de diálogo para que o governo repassasse os recursos que estão em aberto e não vemos outro caminho". Em relação à saúde básica, o atraso chega a cerca de R$ 150 milhões.
Governo do Estado contesta Emanuel sobre verbas
Segundo Cassiano Moraes Falleiros, secretário adjunto de Políticas e Regionalização do Estado de Mato Grosso, o prefeito Emanuel Pinheiro tem que aceitar os pacientes do interior, até porque tem recursos do governo federal que são alocados dos municípios pequenos para a capital.
“Cada município tem um recurso federal alocado. Feliz Natal, se quiser fazer 20 atendimentos para pneumologia, ele pode fazer. Só que se ele não tem condições de levar o pneumologista até lá, ele pega esse recurso e transfere para o município de Cuiabá. Então o atendimento de pneumologia de Feliz Natal, por exemplo, seria atendido em Cuiabá, porque Feliz Natal jogou recurso para cá”, explica.
Segundo Falleiros, a transferência anunciada desses pacientes também é irregular. “Tem que fazer toda uma negociação em um Comitê Intergestor Bipartite. Todos os meses tem uma reunião da qual todos os gestores municipais participam, inclusive Cuiabá, e que precisam, então, estabelecer a negociação”, conta.
Para fechar a porta do Pronto-Socorro aos pacientes do interior, a Prefeitura também teria que negociar com todas as partes, inclusive com o Estado. “Em nenhum momento essa medida foi negociada com o Estado, não foi conversada, porque nós precisamos acionar todos os municípios que estão envolvidos nisso. Como Cuiabá é uma central muito requisitada e se há uma quantia muito grande alocada aqui, ele não pode simplesmente deixar de colocar em negociação com todos os gestores, inclusive com o gestor estadual”, conclui.
Taques leva dinheiro da saúde para o Incra
Um dos pontos centrais para reduzir o caos na saúde que tomou a capital de Mato Grosso seria a inauguração do novo Pronto-Socorro de Cuiabá, prevista para o dia 8 de abril de 2018, dia do aniversário da cidade.
O secretário da Casa Civil Max Russi (PSB) já anunciou ser muito difícil inaugurar o novo Pronto-Socorro nessa data. Russi disse que as emendas impositivas da bancada federal de Mato Grosso de R$ 126 milhões que seriam destinadas para equipar a unidade foram transferidas para o governo do Estado.
Segundo Russi, o governador Pedro Taques quer que uma parte da emenda vá para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). “Tivemos uma reunião com a bancada federal, junto com o prefeito Emanuel Pinheiro, e nós estamos discutindo uma emenda de R$ 126 milhões, que seriam aproximadamente R$ 88 milhões para a saúde e R$ 36 milhões para o Incra. Até este momento não foi apresentado o que vai ser usado de equipamento para o Pronto-Socorro de Cuiabá", conta o secretário.
A Prefeitura quer que a emenda seja dividida: 50% para o Estado e 50% sejam destinados ao município, ou seja, R$ 63 milhões cada. “A bancada federal quer que seja unânime a decisão. Eles querem equipar o novo Pronto-Socorro e esse também é o desejo do governador Pedro Taques. Todo mundo sabe da crise da saúde, dos atrasos e do que vem ocasionando. Tem gente que precisa ser atendido e o Estado não está conseguindo prestar esse atendimento”, disse Max Russi.
Segundo o secretário, o Estado fez mudanças na emenda. "Nós teríamos que aprovar esse projeto até o final do ano, senão perderíamos a emenda. Por isso fomos até Brasília e fizemos essa mudança, seriam R$ 50 milhões para o governo do Estado para custeio, para pagar os filantrópicos, os hospitais regionais e a atenção básica dos municípios. Outros R$ 50 milhões nós faríamos um convênio com a Prefeitura e colocando mais R$ 30 milhões do governo, equiparíamos o Pronto-Socorro", explicou. Enquanto a polêmica entre os prefeitos e o governo do Estado segue, os pacientes aguardam, muitos em macas no chão.