Segundo a tese firmada pela 2ª Seção no julgamento do REsp 1.599.511, sob o rito dos recursos repetitivos, é válida a cláusula contratual que transfere ao comprador a obrigação de pagar a corretagem.
Assim, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou parcialmente acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), para afastar a devolução em dobro do valor retido pelo vendedor a título de comissão de corretagem, após a rescisão de contrato de compra de imóvel por iniciativa do consumidor.
Segundo o relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, a falta de informação clara no contrato — reconhecida pelo TJ-MS — quanto à obrigação do comprador de arcar com o custo da corretagem impõe a devolução da verba retida, porém de forma simples, pois a restituição em dobro, prevista no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), só seria cabível na hipótese de má-fé.
Para o relator, além de a corte local ter considerado que o contrato foi mal redigido nessa parte, deixando de estabelecer claramente a obrigação do comprador, a retenção foi justificável diante da Lei 13.786/2018 (a chamada Lei do Distrato), que admite que a comissão de corretagem seja deduzida integralmente da verba a ser restituída em caso de desfazimento do negócio.
No julgamento, a 4ª Turma também permitiu a retenção de 25% dos valores pagos pelo comprador, independentemente de ele ter ocupado o imóvel — mesmo para contratos firmados antes da vigência da Lei 13.786/2018 —, e admitiu a cobrança de taxa administrativa de análise de crédito.
A controvérsia julgada pelo colegiado teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul contra duas empresas, para apurar eventuais irregularidades nos contratos de adesão para a compra de imóveis.
Confirmando a sentença, o TJ-MS declarou a nulidade de cláusulas contratuais que impunham ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem e taxas de análise de crédito e envio de correspondência; a restituição parcelada do valor pago e a retenção de 10% do valor do contrato, em caso de resolução contratual; a cobrança onerosa em caso de cessão de direitos; e a necessidade de anuência da vendedora para a cessão de direitos, mesmo após a quitação do contrato.
Uma das empresas recorreu ao STJ, alegando, entre vários argumentos, que a corte, em recurso repetitivo, considerou válida a transferência ao consumidor da obrigação de arcar com a comissão de corretagem; e que a cobrança de taxa administrativa e de cessão de direitos é legal e devida.
Retenção de valores
Segundo o ministro Salomão, é válida a retenção de 25% dos valores pagos pelo comprador, independentemente da ocupação da unidade imobiliária, no caso de rescisão contratual provocada por ele. Tal percentual, acrescentou, é adequado para indenizar a construtora das despesas gerais e desestimular o rompimento unilateral do contrato, conforme entendimento consolidado pela 2ª Seção do STJ. Salomão observou que a Lei 13.786/2018 disciplinou diversos aspectos referentes ao desfazimento do contrato de compra e venda de imóveis na planta.
"O artigo 67-A, I e II, da Lei de Incorporação Imobiliária (Lei 4.591/1964), também incluído pela novel Lei 13.786/2018, dispõe que, em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, a pena convencional não poderá exceder a 25% da quantia paga, e que poderá ser deduzida também a integralidade da comissão de corretagem", afirmou.
Em relação à taxa administrativa para remunerar serviços de pré-análise de cadastro e de capacidade financeira do comprador, Salomão entendeu que o valor total cobrado pela incorporadora – de R$ 480 – é razoável.
De acordo com o magistrado, a obtenção de certidões e outros documentos para montagem do dossiê a ser enviado à Caixa Econômica Federal, independentemente da aprovação do financiamento, é serviço "necessário e efetivamente prestado", cuja cobrança não pode ser tida como arbitrária.
Porém, em relação à taxa de cessão de direitos, o magistrado confirmou o acórdão do TJ-MS, por considerar "desproporcional" a cobrança sobre o valor do contrato. Segundo o relator, tal cobrança não guarda correspondência com nenhum serviço prestado pela empresa, "sendo patente a sua ilegalidade, uma vez que implica desvantagem exagerada para o consumidor".