A inflação nunca esteve em níveis tão baixos no Brasil. Mas o cenário geral esconde o impacto desigual no bolso das famílias, e os preços podem pesar três vezes mais no caso das mais pobres.
A taxa oficial medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta média de 2,13% nos últimos doze meses, bem abaixo da meta oficial, de 4%.
“Esse número, no entanto, não reflete a variação do custo de vida dos mais humildes, para quem o que importa é a inflação de alimentos, cuja trajetória conta uma história muito diferente da do índice geral”, diz André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Isolados do IPCA, os preços dos alimentos subiram 7% nos últimos doze meses. O avanço tomou mais fôlego a partir da segunda quinzena de março, quando começou o isolamento social.
Houve pressão pelo medo de um possível desabastecimento, que levou uma a uma corrida aos supermercados. Passado esse efeito inicial, os preços seguiram pressionados, já que, durante a quarentena grande parte das refeições das famílias foi feita em casa.
Quanto maior é a renda de uma família, mais diversificada é sua cesta de consumo, explica Braz. No caso das mais pobres, grande parte do orçamento vai para a compra de alimentos, o que significa que a pressão que elas sentem é mais próxima de 7% do que dos 2,5%.
A tendência do peso maior dos preços no bolso de famílias de menor renda pode ser verificado no INPC, também medido pelo IBGE. Ele mede a “inflação dos mais pobres” por considerar na cesta básica de consumo os itens mais consumidos por famílias com até cinco salários mínimos de renda.
Nos últimos doze meses, o INPC apresentou alta de 2,35%, 022 ponto percentual a mais do que o IPCA:
“Mesmo assim, nada comparado com o que seria o índice se a gente focasse exatamente nas famílias que vivem com maior restrição, com renda pouco acima de um salário mínimo”, diz Braz.
São pessoas que vivem nas periferias, interior de cidades e com pouco acesso ao mercado de trabalho, diz o especialista, como diaristas, guardadores de carro, serventes de obras:
“Essa são as famílias que percebem uma inflação muito mais alta, porque a cesta delas é formada basicamente por comida. Há muito pouco espaço para roupas ou algo mais sofisticado, nem que seja comer fora de casa”.
Mais de 16 milhões de famílias ganham uma renda de até R$ 1.908 por mês no Brasil, segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), divulgada pelo IBGE em outubro do ano passado.
Vilões para quem?
Em abril e maio, a inflação foi negativa, o que em tese poderia amenizar este problema. Os itens que fizeram o IPCA cair nestes meses, porém, são importantes para o consumo da população de forma geral, mas nem tanto para o público de mais baixa renda, explica o economista.
A alimentação, decisiva para este segmento, representa algo em torno de 20% da inflação geral. Os outros 80% são de itens com preços pressionados para baixo pela pandemia, seja pela interrupção das atividades não essenciais ou pela queda da demanda internacional.
Foi o caso do petróleo, por exemplo. a gasolina, cujo preço depende do barril do petróleo e do câmbio, teve peso determinante para o IPCA ficar negativo em abril e maio.
Os preços do petróleo vinham caindo com força desde antes do início da pandemia, depois de a Arábia Saudita, em conflito comercial com a Rússia, anunciar aumento na oferta da commodity. O recuo foi potencializado pela redução da demanda global com a crise do coronavírus. A queda no preço da gasolina só não foi maior por conta da grande desvalorização cambial registrada no período.
A expectativa é que os alimentos continuem a subir no curto prazo, segundo Braz, impondo mais alguns meses desafiadores para famílias mais humildes. O processo, porém, não deve durar para sempre.
“O pior da pandemia já passou e daqui para frente a situação pode ir normalizando gradualmente, com o aparecimento de novos empregos”, diz.