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MPF pede intervenção do Ibama no processo de licenciamento da construção de usina hidrelétrica em MT

O Ministério Público Federal (MPF) pediu a intervenção do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no processo de licenciamento da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) de Castanheira. O empreendimento está previsto para ser instalado próximo ao Rio Arinos, na bacia hidrográfica do Rio Juruena, na região de Juara, a 690 km de Cuiabá. O Ibama tem um prazo de 30 dias para responder a recomendação.

A usina tem previsão para ocupar área de 94,7 km², equivalente a quase 9,5 mil campos de futebol, estendendo-se por mais 67 km. No entanto, um levantamento feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostrou que existem terras indígenas ocupando parte do território da bacia e que poderiam ser fortemente impactadas pela construção da usina hidrelétrica.

O jornal entrou em contato com o Ibama, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

O documento foi feito em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU).

O MPF disse que é obrigatória a intervenção do Ibama nos licenciamentos e estudos prévios relativos a empreendimentos e atividades com impacto ambiental que afetem terras indígenas ou bens da União.

Segundo a recomendação do MPF, a usina Castanheira poderá afetar Unidades de Conservação Federais como o Parque Nacional do Juruena e a Estação Ecológica do Iquê, o que, por si só, já justificaria a intervenção do Ibama no processo de licenciamento.

A recomendação destaca, também, laudo técnico da Operação Amazônia Nativa (Opan) que alerta quanto ao risco da sobrevivência física e cultural dos povos indígenas que habitam a região e aqueles que vivem em isolamento voluntário, e poderiam ser impactados pela construção.

O MPF disse que a construção da usina, associada aos demais empreendimentos na bacia do Rio Juruena, tem a possibilidade de impactar negativamente Mato Grosso, Pará e Amazonas.

Entenda o caso

A pesquisa revelou que a construção da Usina Hidrelétrica de Castanheira pode bloquear o principal canal da foz, que equivale a cerca de 600 km. A barragem também coloca 97 espécies de peixes migratórios em ameaça de extinção.

O estudo foi feito pela professora doutora da Universidade Internacional da Flórida, Simone Athayde, e pela pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Renata Utsonomiya.

Segundo a professora Simone, como o bloqueio vai interferir na conectividade entre os dois rios e, consequentemente, no volume de peixes, a alimentação dos povos indígenas que vivem na região pode ser colocada em risco.

“Existe uma série de impactos cumulativos que podem, realmente, comprometer toda a biodiversidade, incluindo a vida dos peixes migratórios que existem nessa região. A pesca é muito importante, tanto do ponto de vista da sobrevivência física e cultural de comunidades indígenas locais, quanto na própria economia regional”, disse.

Conforme a pesquisa, a construção do empreendimento pode causar impactos irreversíveis ao meio ambiente, sendo eles socioculturais, socioeconômicos e ambientais. O Rio Arinos é o que mais sofrerá com a implantação da usina, por causa da barragem que bloqueará o fluxo das águas.

“O que não consta nos documentos de licenciamento é que os peixes migratórios e os ecossistemas de água doce são únicos do Rio Arino, portanto, a construção da usina gera um impacto ambiental de grande magnitude”, explicou Simone.

A finalidade da usina hidrelétrica é produzir energia através do aproveitamento das águas de rios e represas. A ideia inicial parece boa, mas, de acordo com a pesquisadora, a implantação do sistema se baseia na descentralização da geração de eletricidade, ou seja, utiliza energia limpa como fontes renováveis, gerando impactos que influenciam nas mudanças climáticas.

“Temos cinco povos indígenas que serão, diretamente, impactados por essa hidrelétrica. Por isso a nossa pesquisa recomenda que novos estudos sejam realizados, para que sejam planejadas outras opções de geração de energia, até porque a construção da UHE Castanheira já se mostrou inviável de vários pontos de vista, inclusive técnico”, ressaltou.

Ainda de acordo com a professora, a qualidade da água, também, será colocada em risco devido à quantidade de aditivos, sinérgicos, agrotóxicos e fertilizantes, que podem ser adicionados no rio, por conta das atividades agrícolas.

“O que nos preocupa é exatamente os impactos cumulativos, porque sabemos que os parâmetros serão exacerbados pela própria dinâmica de fluxo interrompido, água parada e acumulação de nutrientes. Então tudo isso pode influenciar em um cenário agravante, em relação à qualidade da água que, consequentemente, vai impactar na qualidade de vida das populações humanas e das espécies aquáticas que ali habitam”, concluiu.

O estudo ainda aponta a inviabilidade econômica do empreendimento, devido as perdas materiais e culturais sofridas pelos povos indígenas.

“A UHE Castanheira poderia gerar um prejuízo de aproximadamente R$ 408 milhões aos investidores. Acrescentando-se os custos dos impactos negativos, emissões de gases de efeito estufa, perda econômica gerada pela inundação de áreas produtivas e diminuição da renda de pescadores, foi calculada uma perda potencial de aproximadamente R$ 589 milhões”, diz um trecho do documento.

O projeto

A usina é um empreendimento do Programa de Parcerias e Incentivos (PPI), do Governo Federal, e está em fase de licenciamento ambiental.

O governo diz, em nota, que o Estudo de Impacto Ambiental foi realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), e tramita na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema-MT) para manifestação quanto à viabilidade ambiental do empreendimento. "Após manifestação sobre a viabilidade, o projeto poderá ser leiloado, ocasião em que será definido o responsável pela construção do empreendimento".

Prevista para gerar 140 megawatts, a usina entregaria 98 megawatts de energia firme, capaz de abastecer apenas 20% da população de Mato Grosso. O custo do empreendimento é estimado em mais de R$ 15 milhões.

O empreendimento seria o maior já construído na Bacia do Juruena até o momento.

Trata-se da mais extensa bacia hidrográfica do estado, drenando mais de 19 milhões de hectares em uma área que abrange 29 municípios. A região também concentra 23 terras indígenas, que ocupam cerca de 27% de sua área total. A área abriga 12 dos 43 povos de Mato Grosso.

Redação

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