Os primeiros bebês brasileiros que nasceram com microcefalia por causa do vírus da zika estão completando agora um ano de vida. E os médicos que investigam, que pesquisam essa doença, têm descoberto outras complicações.
Guarde bem estes nomes: Ana e Vanessa Van Der Linden, Adriana Melo. Médicas obstinadas que entraram para a ciência mundial no capítulo dramático e ainda inacabado da microcefalia.
Ana e Vanessa são mãe e filha, neuropediatras. Dividem a vocação e a inquietude. Foram as primeiras a alertar as autoridades sobre o aumento inesperado dos bebês com a malformação do cérebro.
“Eu vi dois casos de crianças com intervalo de uma semana, de crianças com cabeça pequena, microcefalia. Quando eu fui fazer os exames, então tinha sete internados. Então, juntando os dois que eu já tinha visto com os sete, não era possível que fosse de nenhuma doença que a gente já estava conhecendo, certo? Tinha que ser uma coisa nova”, conta a neuropediatra Ana Van Der Linden.
Em outro hospital do Recife, a filha, Vanessa, investigava o que parecia muito grave.
“Eu afastei todas as causas conhecidas e deram todas negativas e um volume grande de casos num curto período de tempo”, lembra a neuropediatra Vanessa Van Der Linden.
Era mesmo de se estranhar. Pernambuco registrava 12 casos de microcefalia por ano. Só em setembro de 2015, 39 bebês nasceram com a malformação do cérebro no estado.
Em Campina Grande, na Paraíba, a doutora Adriana Melo, especializada em medicina fetal, acompanhava o que acontecia em Pernambuco. Ela coletou o líquido amniótico de duas pacientes grávidas e enviou para análise na Fiocruz no Rio de Janeiro.
“Naquele momento a gente não poderia afirmar que era só o zika, mas a gente poderia afirmar que o zika estava presente no líquido amniótico daqueles dois fetos que tinham aqueles achados tão diferentes que a gente não tinha visto até então”, explica a especialista em medicina fetal Adriana Melo.
Foi em um laboratório simples, com equipamentos básicos, todos doados, em Campina Grande, no interior da Paraíba, que foi comprovada pela primeira vez a ligação do vírus da zika com a microcefalia nos bebês. Quase um ano depois desta comprovação tão importante para a ciência no mundo, a falta de estrutura continua, mas a equipe da doutora Adriana Melo não desistiu das pesquisas.
Ela conta com a ajuda de médicos e pesquisadores voluntários que investem do próprio bolso para fazer exames, coletar material e enviar para análise.
“Eu acho que o maior sentimento para mim foi frustração. Está um ano já e ter sido hoje um dos poucos grupos de pesquisas brasileiros que não nunca receberam um tostão para a pesquisa”, lamenta uma das especialistas.
A equipe é responsável pelo único centro de referência no atendimento aos bebês com microcefalia no interior da Paraíba: são 115 pacientes.
À medida em que os bebês estão crescendo, pais e médicos estão descobrindo uma série de complicações. No início, eles choravam sem parar. Depois vieram as crises convulsivas, a epilepsia. A dificuldade mais recente está ligada à alimentação. Muitos bebês engasgam e sufocam com muita facilidade.
Cleane, mãe da Maria Eduarda, aprendeu na prática o significado da nova complicação que os médicos chamam de disfagia. A filha, que já tomava até mamadeira, regrediu.
“Ele disse que teve um probleminha na deglutição que ela não terminou de amadurecer, aí com isso ela esqueceu como é que engole. Tudo o que bota na boquinha dela, ela engole, mas vai para o pulmão. Não consegue ir para o estômago”, diz Cleane.
Os médicos fazem um alerta: a microcefalia não é a única consequência da infecção provocada pelo vírus da zika. Outras alterações estão sendo diagnosticadas em bebês que nasceram com o tamanho da cabeça normal, mas são filhos de mulheres que tiveram zika na gravidez.
Foi o caso de Helen, mãe do Caio, que nasceu com a cabeça normal: 35 centímetros de circunferência – três a mais do que a Organização Mundial de Saúde estabelece como característica da microcefalia. O bebê tem problemas motores.
“Hoje a gente tem consciência que é uma síndrome congênita do zika vírus, então é uma coisa de uma proporção muito maior. Mesmo as crianças que não estão tendo microcefalia atualmente podem ter qualquer grau de comprometimento”, afirma a chefe do serviço de infectologia do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Ângela Rocha.
Caio não perdeu tempo. Faz terapias desde o primeiro mês de vida.
“É uma felicidade quando ele senta um pouquinho, segura um pouco mais o pescoço, aí eu chamo todo mundo para ver e digo: ‘Caio está desenvolvendo’. É uma felicidade para a família inteira, porque a família inteira acompanha”, relata a dona de casa Helen Bezerra.
O Ministério da Saúde declarou que apoia vários projetos de pesquisa sobre o vírus da zika em todo o Brasil, e que os pedidos dos médicos de Campina Grande estão em fase final de análise.
Fonte: G1