Em audiência de conciliação realizada hoje (15) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), um novo prazo foi fixado para a conclusão dos cadastros dos moradores de Mariana (MG) atingidos no rompimento da barragem da Samarco acontecido em novembro de 2015. Passados quase sete anos da tragédia, diversas famílias ainda aguardam para serem indenizadas.
As negociações que definiram o novo prazo envolveram representantes dos atingidos, da Samarco, das suas acionistas Vale e BHP Billiton e do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A audiência também teve a participação da Fundação Renova, entidade criada para gerir todas as medidas para reparação dos danos previstos em acordo firmado em março de 2016 entre as três mineradoras, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Os 135 cadastros que estão em andamento devem ser finalizados em até quatro meses e os 177 que ainda não foram iniciados, em oito meses.
Na tragédia, 19 pessoas morreram e dezenas de cidades mineiras e capixabas na Bacia do Rio Doce sofreram impactos. O novo prazo para conclusão dos cadastros, no entanto, diz respeito apenas aos atingidos do município de Mariana, epicentro do episódio. Dois distritos na área rural da cidade – Bento Rodrigues e Paracatu – ficaram destruídos pela força da onda de rejeitos. Até hoje a reconstrução das duas comunidades não foi concluída.
Diferentemente do restante da Bacia do Rio Doce, onde o cadastramento ficou sob responsabilidade da Fundação Renova, a comissão de atingidos do município de Mariana obteve judicialmente o direito de realizar o seu próprio cadastro. O processo ficou a cargo da Cáritas, entidade escolhida pelo próprio atingidos para atuar como assessoria técnica. Os custos, porém, são de responsabilidade da Fundação Renova.
Na audiência, o MPMG sustentou que o andamento do processo dependia dos recursos financeiros e cobrou que fossem garantidos os repasses necessários. Ficou acertado que a Fundação Renova fará uma transferência de aproximadamente R$ 8 milhões para a assessoria técnica.
De acordo com informações disponíveis no site da Cáritas, foram concluídos 1.199 cadastros de núcleos familiares, restando pendentes os 135 em andamento e os 177 ainda não iniciados. A partir dos cadastros, são preparados dossiês que listam os tipos de danos sofridos. Também foram finalizados os documentos de 15 de entidades e associações afetadas na tragédia.
A Cáritas também preparou uma matriz de danos, isto é, uma tabela com a valoração de cada prejuízo causado. Para estipular cada valor, foram firmados acordos com instituições de pesquisa como o Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas (Ipead) e o Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar), ambos vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A entidade, no entanto, tem afirmado que a Fundação Renova desconsidera informações do cadastro e oferece frequentemente valores insatisfatórios.
Caso seus danos não tenham sido reconhecidos ou não concorde com a proposta apresentada, o atingido tem a possibilidade de abrir uma ação judicial, o que alonga ainda mais o processo de reparação. Os primeiros acordos de indenização individual em Mariana foram firmados no final de 2018, três anos após o rompimento da barragem. Até então, haviam sido pagos somente alguns adiantamentos: quem perdeu casa, por exemplo, recebeu R$ 20 mil. No entanto, era um valor parcial, a ser descontado quando fosse definido o montante da indenização final.
Em nota, a Fundação Renova informa que até maio desse ano recebeu 1.341 dossiês, dos quais 1.023 tiveram suas análises concluídas com a proposta de indenização formalizada ou com a negativa por inelegibilidade. "Foram pagos R$ 251,9 milhões em indenizações para 607 famílias de Mariana", diz a entidade. Também em nota, a Samarco afirmou manter o compromisso com a reparação da tragédia.
Outro assunto tratado na audiência envolveu o tempo para prescrição. As mineradoras defenderam que, uma vez finalizados os cadastros, se inicie a contagem de um período de 13 meses em que os atingidos podem reivindicar valores indenizatórios. Caso não concordem com a proposta apresentada pela Fundação Renova e não judicializem a questão dentro desse prazo, perderiam o direito à indenização.
Para o MPMG, a proposta é restritiva. Isso porque, após a conclusão do cadastro de cada núcleo familiar, a Fundação Renova ainda tem 90 dias para avaliá-lo e apresentar sua proposta ou considerar o atingido inelegível. Assim, o MPMG quer que o prazo prescricional comece a ser contado a partir da apresentação da proposta da Fundação Renova. O tema deverá voltar à pauta em nova audiência marcada para o dia 29 de julho.
Além das indenizações, a Fundação Renova precisa concluir em Mariana a reconstrução de Bento Rodrigues e Paracatu para reassentar as famílias que hoje vivem em imóveis alugados e pagos pela entidade. Morando hoje no centro da cidade ou em municípios vizinhos como Ponte Nova e Barra Longa, esses atingidos possuem uma rotina completamente distinta daquela que possuíam nas comunidades da zona rural. As obras de reassentamento se constituem como um dos principais gargalos do processo reparatório. As casas deveriam ter sido entregues em 2018 e 2019 conforme o primeiro cronograma negociado.
Com os atrasos, uma decisão judicial fixou o prazo de 27 de agosto de 2020. Em função de fatores que provocaram mudanças o projeto, uma nova sentença prorrogou essa data para 27 de fevereiro de 2021, o que não foi respeitado. O MPMG cobra judicialmente uma multa de R$ 1 milhão por dia de atraso com base nessa última data. Em março, segundo dados divulgados pela Fundação Renova, apenas sete das 306 moradias previstas estavam concluídas.