O nome do ministro da Agricultura e ex-governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, aparece em um grande vazamento de informações do escritório de advocacia Appleby, especializado em empresas offshores. Além de Maggi, empresário do agronegócio, é mencionado o nome do ministro Henrique Meirelles (Fazenda).
Informações são de reportagem publicada neste domingo (5) pela BBC Brasil. O vazamento está sendo chamado de "Paradise Papers", e envolve figuras importantes do governo do presidente norte-americano, Donald Trump.
Os dados – cerca de 1,4 terabytes de informações – foram encaminhados por uma fonte anônima ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung, de Munique, e compartilhados com jornalistas de todo o mundo organizados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês). No caso do Brasil, as informações são do site Poder360, do jornalista Fernando Rodrigues.
O ministro da Agricultura aparece relacionado a uma offshore chamada Ammagi & LD Commodities SA. De acordo com os registros da Appleby, o ministro da Agricultura é diretor da offshore, junto com outros familiares.
A empresa tem o mesmo nome de uma empresa registrada no Brasil, da qual a empresa da família Maggi é sócia. Trata-se de uma joint venture entre os Maggi e o grupo multinacional de origem holandesa Louis Dreyfus Company, especializado na produção e comercialização de matérias primas, principalmente grãos.
A joint venture brasileira é a controladora da offshore em Cayman.
Maggi – que já foi governador de Mato Grosso (de 2003 a 2010), é senador licenciado pelo PP, cargo para o qual foi eleito em 2010. A empresa da família chegou a ser a maior produtora mundial de soja, nos anos 1990 e começo dos 2000. Em 2014, a revista Forbes publicou que Blairo Maggi era o segundo político mais rico do país, com uma fortuna estimada em R$ 960 milhões, pela mesma revista.
Segundo o Poder360, a Louis Dreyfus Company e a empresa dos Maggi firmaram uma parceria em 2009 com o objetivo de atuar no mercado de grãos na Bahia, Maranhão, Piauí e Tocantins. O objetivo seria a exportação.
Ao Poder360, o ministro negou qualquer tipo de irregularidade. Ele diz não ter recebido pagamentos diretos da empresa nas ilhas Cayman, e sim da empresa em solo brasileiro.
Henrique Meirelles
Antes de se tornar ministro de Temer, Meirelles presidiu o Banco Central brasileiro (de 2003 a 2010), durante o governo do ex-presidente Lula (PT). Na semana passada, Meirelles disse em entrevista à revista Veja que pretendia se candidatar à presidência da República.
Cidadãos brasileiros possuem o direito de manter empresas offshores – e as contas bancárias associadas a elas – no exterior. A única exigência da lei é que os recursos sejam devidamente declarados à Receita, para que os impostos sejam pagos. Menções a pessoas e empresas na série "Paradise Papers" não significam necessariamente que tais pessoas estejam envolvidas em irregularidades.
Meirelles enviou à reportagem do Poder360 cópia de sua declaração de Imposto de Renda, provando que a offshore dele está devidamente registrada.
Embora a prática seja legal, empresas offshore podem ser usadas também para cometer crimes, como sonegação de impostos, ocultação de patrimônio (no caso de pessoas que deixam de pagar dívidas) e evasão de divisas. Podem ser usadas também para criar "fundos paralelos" em empresas, possibilitando o pagamento de propinas sem que estas apareçam na contabilidade oficial da companhia. E ainda, para esconder dinheiro de origem ilícita.
Para o Ministério Público Federal, empresas offshores em países como Bahamas, as ilhas Cayman e Bermudas foram usadas pela empreiteira Odebrecht para viabilizar pagamentos a políticos, por exemplo.
"Propósitos de caridade"
Uma das offshores registradas em nome de Meirelles chama-se "The Sabedoria Trust". A documentação da empresa diz que foi estabelecida "a pedido de Henrique de Campos Meirelles, especificamente para propósitos de caridade", segundo um documento mencionado pelo Poder360.
"O objetivo é que, na eventualidade da morte (do ministro) os administradores do trust renunciarão aos seus direitos e apontarão novos beneficiários, cujos nomes estão indicados no testamento datado de 9 de dezembro de 2002", diz o texto.
O dispositivo sugere que a offshore de Meirelles foi criada para fins de sucessão – isto é, para facilitar e garantir a transmissão de uma herança após a morte do proprietário. É uma finalidade comum para o uso de offshores. A data de criação da offshore (23 de dezembro de 2009) coincide com a semana anterior à chegada dele ao Banco Central.
Meirelles também aparece nos arquivos vazados da Appleby relacionado a outra offshore, chamada "Boston – Administração e Empreendimentos Ltda". Esta última foi criada em 1990 e encerrada em 2004. Na década de 1990, Meirelles chegou ao posto máximo no Bank of Boston, dos EUA, cargo que ocupou entre 1996 e 1999.
O ministro enviou à reportagem do Poder360 uma cópia de sua declaração de imposto de renda, na qual aparece o Trust Sabedoria. Em nota, o ministro disse ainda que o trust foi criado para que, na eventualidade de sua morte, uma parte de seus bens possa ser doado a entidades beneficentes da área de educação.
Vazamento global
A Appleby é uma das maiores empresas de criação de offshores do mundo. Conta com dez escritórios espalhados pelo globo, e cerca de 200 advogados para atender aos clientes. O vazamento deste domingo traz dados sobre milhares de pessoas – aparecem nos arquivos 31.180 endereços nos Estados Unidos, 14.434 no Reino Unido e 5.924 na China, por exemplo.
A investigação também encontrou offshores relacionadas a pessoas próximas ao presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump. Entre os citados estão o secretário de Comércio, Wilbur Ross.
Ao todo, participaram da reportagem 382 jornalistas de 67 países, atuando em 96 veículos de mídia. A BBC participou das investigações por meio do programa Panorama, do canal de TV britânico BBC One.