O setor industrial em Mato Grosso continua distante dos polos nacionais, mas com uma fatia expressiva da produção na economia estadual. Responde hoje por 16,40% do PIB (Produto Interno Bruto) e 17,5% do mercado do trabalho. Isso num cenário que persiste há anos de precária logística e insegurança jurídica que espantam os empresários. O presidente da Fiemt (Federação das Indústrias de Mato Grosso), Gustavo Oliveira, diz ao Circuito Mato Grosso que esses continuam os principais entraves para a expansão, num Estado com grande potencial de industrialização de commodities, minerais e hidroelétrica. Segundo ele, as leis sobre sustentabilidade ambiental não são problemas, o que falta é um planejamento para impulsionar o setor.
CMT: O cenário da indústria em Mato Grosso é historicamente menor que no restante do País. Onde está o entrave?
GO: Temos um mercado interno pequeno e estamos distantes dos grandes centros de consumo – dos quais dependemos tanto para a aquisição de insumos e matéria-prima quanto para consumir nossa produção. Esse cenário posto, um dos nossos principais entraves é a questão da logística. Transporte ineficiente e caro eleva custos e reduz a competitividade da produção. O mesmo acontece com o custo da energia, especialmente considerando a alíquota de ICMS cobrada por Mato Grosso sobre esse insumo -27%, a segunda mais alta do país. Em terceiro lugar, está a insegurança jurídica, provocada pelas constantes mudanças em normatizações, especialmente nas áreas tributária e ambiental. O quarto fator é o acesso ao crédito, especialmente importante considerando o panorama exposto acima. Hoje, além dos fatores regionais, enfrentamos ainda um momento de grande incerteza nacional, com a dificuldade do governo federal em fazer caminhar as reformas estruturantes, fundamentais para o equacionamento dos gastos públicos. Enquanto o equilíbrio nas contas públicas não for alcançado – em todas as esferas de governo – a incerteza vai manter o setor produtivo em estado de espera, sem arriscar novos investimentos.
CMT: Mato Grosso tem produção já o suficiente para instalação de indústrias ou esse fator não necessário, obrigatório, para o desenvolvimento industrial?
GO: No que diz respeito à agroindústria, nosso menor problema sem dúvida é matéria-prima. Soja, algodão, milho, carne bovina, suína, de frango, tudo isso temos de sobra para industrializar. E exportamos a maior parte da nossa produção in natura. Isso, para um industrial, é motivo de tristeza, pois quanto maior o valor agregado nos produtos que lotam uma carreta com destino aos portos de Santos, Paranaguá ou Miritituba, maior será a geração de riqueza em Mato Grosso. Estar perto das áreas de grande produção agropecuária é uma vantagem, mas não é o suficiente. Porque estamos longe dos mercados consumidores. Então, o que dificulta a industrialização da nossa produção não é o volume de matéria-prima e sim a questão da viabilidade de todo o investimento, fechando a cadeia lá na frente, garantindo o acesso do produto final ao mercado.
CMT: Além das commodities do agronegócio, qual outro insumo o senhor vê com potencial para transformação em produtos industrializados em Mato Grosso?
GO: Temos um enorme potencial para a geração de energia com fontes limpas, como a fotovoltaica. O uso da biomassa na geração de energia também é uma grande tendência, que resolve a questão da destinação de resíduos. A madeira nativa proveniente dos projetos de manejo florestal também representa um enorme potencial de industrialização, já que é cada vez mais valorizada em todo o mundo. E os projetos de manejo são uma garantia de conservação da floresta em pé, por uma questão de sustentabilidade. Além disso, não podemos deixar de lado a digitalização do processo industrial. Podemos estimular que Mato Grosso se torne um polo de soluções tecnológicas e digitais, um tipo de indústria que não depende tanto da logística nem da proximidade física com seus mercados.
CMT: O atrativo para as indústrias passa necessariamente pela política de incentivos fiscais?
GO: No caso de Mato Grosso, dadas todas as peculiaridades já descritas – mercado interno reduzido, alto custo logístico e de energia, insegurança jurídica, dificuldades no acesso ao crédito – sim. Uma política robusta de incentivos fiscais se traduz em investimento com alto retorno para o Estado, sob vários pontos de vista. Um deles é a própria receita, pois cobram-se alíquotas menores, mas a base de contribuintes aumenta, assim como a arrecadação indireta. Outro é o estímulo à geração de empregos qualificados. Quando se contabilizam aí os benefícios de toda a massa salarial de uma indústria circulando mensalmente pelo comércio dos municípios, todos os fornecedores locais de insumos e serviços que são beneficiados com um empreendimento industrial, a melhoria dos índices de distribuição de renda, a gente percebe que a política de incentivos é necessária e positiva para o Estado. Naturalmente, com critérios bem definidos e fiscalização adequada.
CMT: A discussão ambiental, de sustentabilidade, é um entrave? As leis são muito rigorosas?
GO: O conceito de sustentabilidade vai muito além do ambiental: ele se apoia em um tripé, formado pelas dimensões financeira, ambiental e social de um negócio. Apenas quando essas três dimensões estão em equilíbrio é possível falar em sustentabilidade. Portanto, tratar o meio ambiente como um entrave não faz sentido, pois sem a preservação do meio ambiente não existe vida. O que precisa ser avaliado com urgência é a eficiência na criação e aplicação de normas, para que sejam modernizadas e permitam simplificar e desburocratizar processos. Na imensa maioria dos casos, o empreendedor quer fazer tudo de acordo com a lei, mas desanima por ter que esperar um ou dois anos para obter uma licença – e ainda correr o risco de ter a licença cassada judicialmente em seguida. Desanima tentar se ajustar a normas que se contradizem, normas estaduais diferentes das federais, normas que mudam de uma hora para outra, processos judicializados antes mesmo que se esgotem as discussões administrativas. Resumindo: preservar o meio ambiente não é um entrave. O que entrava é a burocracia, a falta de regras claras e a insegurança jurídica.
CMT: O senhor considera os setores de industrialização de mineiras e do couro mal aproveitados?
GO: O desenvolvimento da indústria do couro está atrelado aos produtos finais que serão elaborados a partir dele. E a indústria do couro brasileira, especialmente de artefatos, vem apresentando baixa competitividade há quase duas décadas. Então, a exportação de wet blue [couro passado pelo processo inicial de curtimento] é a única demanda forte de couro no momento no país – e isso Mato Grosso já exporta. Para que a gente possa ter uma indústria de couro bem desenvolvida e com alto valor agregado, é preciso que a competitividade do setor se recupere no país.
CMT: E no caso dos minerais?
GO: Não temos dúvidas de que existem grandes reservas minerais em Mato Grosso, o que falta é uma logística que favoreça a exploração dessas reservas. Um exemplo é a caso da exploração de zinco pela Nexa, em Aripuanã: o zinco tem viabilidade porque é um minério que se concentra para transportar. É o caso do ouro e também do diamante, em cuja produção Mato Grosso é campeão nacional. Temos boa participação nacional na produção nos minerais que se concentram. Somos campeões também na produção de calcário, que é volumoso, mas utilizado em larga escala aqui mesmo no Estado, para a correção do solo. Agora, minérios como fosfato, bauxita e diversos outros que estão no mapeamento geológico do Estado dependem de logística para o escoamento, porque são muito volumosos. A título de comparação: o Pará tem minério de ferro, mas tem ferrovias para transportar, assim como ocorre em Minas Gerais.
CMT: Qual é o peso da indústria na economia de Mato Grosso hoje? Quanto gera em produção de material e em cifra?
GO: A indústria responde hoje por 16,4% do PIB do Estado (R$ 18,3 bilhões) e 17,5% dos empregos gerados (140 mil vagas). São cerca de 10,8 mil indústrias no Estado. Com a liberação dos gargalos que hoje sufocam o crescimento do setor, temos potencial para aumentar expressivamente esses percentuais.
CMT: Se fala muito no agronegócio como a matriz da economia estadual ao mesmo tempo em que a geração de emprego pelo setor é pontual, é um mercado de sazonalidade. A indústria poderia assumir esse lugar do agro e se firmar como mercado sem intermitência?
GO: Não existe nenhuma razão para que a vocação econômica de Mato Grosso mude, desde que, quando falarmos em agronegócio, tenhamos em mente também a industrialização local da produção, com foco na agregação de valor. Não há porque ignorar, no contexto atual, o imenso volume de matéria-prima que Mato Grosso já produz e que pode servir como base para um enorme e enriquecedor processo de expansão e fortalecimento da indústria. Não precisamos construir aviões em Mato Grosso – ao menos não nos próximos anos. Se conseguirmos transformar nosso milho em etanol e DDG, já estamos ganhando. Se toda a carne produzida aqui deixar o Estado cortada e embalada, sem transporte de animais vivos para outros Estados, estamos ganhando. Quanto menos grãos e mais óleo, farelo e glicerina de soja mato-grossense saírem daqui em direção a outros mercados, tanto melhor. Até a questão da sazonalidade dos empregos no campo pode ser melhorada com a industrialização. É o caso do milho, por exemplo, que até pouco tempo era visto como safrinha, uma cultura secundária e opcional pelo baixo preço de mercado. Com a implantação de usinas de etanol de milho no Estado e o anúncio de expansão do setor nos próximos anos, cresce o interesse dos produtores em garantir o plantio da safrinha. Isso faz com que a atividade no campo seja mais uniforme ao longo do ano. Fenômeno similar pode ocorrer com outras culturas. Então, voltando à pergunta: substituir ao agro? Não vejo motivos. Complementar o agro para trazer mais riqueza e desenvolvimento para Mato Grosso? Esse é o nosso papel. É isso que a Fiemt defende, uma indústria cada vez mais presente.
CMT: O que falta a Mato Grosso para o desenvolvimento da indústria para além do agronegócio?
GO: Liberar nossos gargalos e desenvolver primeiro a nossa agroindústria. Preparar o terreno, fortalecendo a educação básica e oferecendo qualificação profissional em áreas tecnológicas e inovadoras, com foco na indústria 4.0. Atrair investimentos, o que só vai ocorrer com a garantia de um bom ambiente de negócios, segurança jurídica, soluções diversificadas para a logística, oferta de mão de obra qualificada e fontes alternativas de energia limpa e de custo reduzido. Se isso acontecer nos próximos anos, ampliar os horizontes para além do agro será um processo natural e mais simples, disso não temos dúvidas.