O jornalista Jamil Chade registrou queixa contra o aparato da Presidência da República do Brasil, em Roma, por agressões que sofreu, junto com outros jornalistas brasileiros, quando tentavam entrevistar o presidente Jair Bolsonaro. A informação foi difundida pelo Twitter. Os crimes a serem apurados foram praticados durante a cobertura do encontro do G20, grupo das maiores economias do mundo.
O jornalista da Globo Leonardo Monteiro foi agredido com um soco no estômago por um dos agentes de segurança de Jair Bolsonaro depois de perguntar ao presidente por que ele não tinha participado de encontros da cúpula do G20, em Roma.
Segundo o portal G1, Jamil Chade filmou a agressão para tentar identificar o responsável, mas o segurança também o empurrou, agarrou pelo braço para torcê-lo e levou o celular do repórter. Mais adiante, atirou o aparelho na rua.
A Globo afirmou, em editorial, que está buscando informações sobre os procedimentos necessários para solicitar investigação para as autoridades italianas. Não foi possível saber se o agressor do repórter era policial ou segurança particular do presidente.
Denúncia feita agora em Roma, pela agressão que sofremos em plena cobertura presidencial.
Em 21 anos como correspondente, foram 70 países e vários presidentes. Mas violência em cúpula foi a 1a vez.
Silêncio revelador por parte do Itamaraty e Presidência
A violência, aparentemente, teve origem na contrariedade com as notícias cruéis e vexaminosas sobre a passagem de Bolsonaro pela Itália. No momento em que presidentes de outros países davam entrevistas coletivas, Bolsonaro preferiu confraternizar com apoiadores, na rua. Os jornalistas brasileiros se aproximaram para fazer perguntas, e foram hostilizados. Quando o correspondente da Globo se identificou, ouviu de Bolsonaro: "É da Globo? Você não tem vergonha na cara."
Mesmo antes de Bolsonaro chegar à embaixada, uma assistente da Globo foi provocada pelos apoiadores do presidente, chamada de "infiltrada". Depois, quando seguranças e policiais italianos chegaram, um agente empurrou a jornalista Ana Estela de Sousa Pinto, da Folha de S.Paulo, e disse para ela se afastar do local.
Segundo relatos de um jornalista da BBC, a truculência não se estendeu aos apoiadores do presidente. Vários deles, usando as cores do Brasil, se aproximaram de Bolsonaro. Parte dos manifestantes também xingou e hostilizou os jornalistas — embora uma apoiadora de Bolsonaro tenha sido derrubada também por agentes.
No editorial, a Globo atribuiu o episódio à "retórica beligerante do presidente Jair Bolsonaro contra jornalistas". "Essa retórica não impedirá o trabalho legítimo da imprensa. Perguntas continuarão a ser feitas, os atos do presidente continuarão a ser acompanhados e registrados. É o dever do jornalismo profissional. Mas essa retórica pode ter consequências ainda mais graves. E o responsável será o presidente."
A Folha, por sua vez, divulgou nota dizendo que "repudia as agressões sofridas pela repórter Ana Estela de Sousa Pinto e outros jornalistas em Roma, mais um inaceitável ataque da Presidência Jair Bolsonaro à imprensa profissional."
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou nota, afirmando que "repudia com veemência e indignação as agressões sofridas por jornalistas brasileiros na cobertura das atividades do presidente Jair Bolsonaro em Roma. A violência contra os jornalistas, na tentativa de impedir seu trabalho, é consequência direta da postura do próprio presidente, que estimula com atos e palavras a intolerância diante da atividade jornalística. É lamentável e inadmissível que o presidente e seus agentes de segurança se voltem contra o trabalho dos jornalistas, cuja missão é informar aos cidadãos. A agressão verbal e a truculência física não impedirão o jornalismo brasileiro de prosseguir no seu trabalho. A ANJ espera que os atos de violência cometidos contra os jornalistas sejam apurados e os culpados, punidos. A impunidade nesse e em outros episódios é sinal de escalada autoritária."
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) disse que "repudia mais esse ataque à imprensa envolvendo a maior autoridade do país. Ao não condenar atos violentos de seus seguranças e apoiadores a jornalistas que tão somente estão cumprindo seu dever de informar, o presidente da República incentiva mais ataques do gênero, em uma escalada perigosa e que pode se revelar fatal. Atacar o mensageiro é uma prática recorrente do governo Bolsonaro que, assim como qualquer outra administração, está sujeito ao escrutínio público. É dever da imprensa informar à sociedade atos do poder público, incluindo viagens do presidente no exercício do mandato. E a sociedade, por meio do art 5º da Constituição, inciso XIV, tem o direito do acesso à informação garantido."
Já o Conselho Federal da OAB, por meio de sua Comissão de Liberdade de Expressão, afirmou que "repudia ataques dos seguranças do presidente aos jornalistas que cobriam sua passagem em Roma. Lamentável que incidentes como esse ocorram, refletindo uma postura frequente de desrespeito ao trabalho dos profissionais de imprensa". A nota é assinada por Felipe Santa Cruz, presidente da OAB Nacional e Pierpaolo Bottini, presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da OAB Nacional.
É comum guarda-costas de presidentes da Alemanha e dos Estados Unidos serem truculentos quando seus protegidos arriscam-se nas ruas. O condicionamento de agentes brasileiros, sejam militares ou da Polícia Federal, é mais defensivo. Em especial quando se trata de jornalistas identificados, com credencial visível e que, claramente, não oferecem perigo.
A hipótese de que o aparato — integrado também por italianos (não se sabe se da embaixada brasileira) — tenha sido orientado ou autorizado pela Presidência a agredir jornalistas suscita questões graves. Ao Estado brasileiro não é dado colocar em risco a integridade de alguém, imotivadamente — já que o presidente não corria perigo algum.