Opinião

Jacutinga: ser trezentos, trezentos e cincoenta

Sou muito grata ao povo Nambiquara, especialmente aos grupos do Cerrado, Chapada dos Parecis. Senhores da arte de contar “histórias de antigamente”, repassaram-me tantos e tantos saberes, fazendo-me acreditar que a magia da vida está em entendê-la com muito encantamento. Na aldeia, recordam de um tempo de alegrias, de um tempo de tristezas. A memória coletiva, enriquecida pela memória individual, permite uma bricolagem de acontecimentos pouco contemplada pelo Ocidente. Olhando o mundo com olhos gregos, é como se eles estivessem embebidos da água fresca de Mnemosyse e da seiva da eternidade fornecida por Clio, como um antídoto ao esquecimento. Na aldeia, divertidamente chegamos a trocar de nomes, à maneira Nambiquara, para experimentar a gostosa sensação de sermos “trezentos, trezentos e cincoenta” e, assim, nos mostrarmos de diversas formas, mesmo aquelas mais recônditas.

Hoje, a vida em comunidade me chega como um acervo constituído de pedaços de diálogos, de sensações e da saudade do tempo pretérito, a estabelecer relações com imagens da aldeia envoltas, principalmente, nos aromas das sementes vermelhas do urucum; da mandioca recém-ralada; da fumaça do fumo dos homens; do fogo que afugenta insetos, cozinha, ilumina, delimita o espaço e aquece corpos. A perspectiva parcial da aldeia mantém-se em minha memória, em tons terno e melancólico, como em “Tristes Trópicos”, de Lévi-Strauss. Essa aparência é moldada às imagens advindas dos sentimentos, dos pensamentos das pessoas que, na análise do historiador Marc Bloch, se faz integral, “como seu corpo, sua sensibilidade, sua mentalidade, e não apenas suas ideias e atos”.

Em princípios dos anos de 1980, ser “trezentos, trezentos e cincoenta”, à maneira de Mário de Andrade, ganhou uma dimensão inesperada com o encontro com Jacutinga. Hoje, numa reflexão polifônica dos tempos da aldeia, disponho de uma “caixa de ferramentas”, no sentido foucaultiano, onde, em seu interior, encontro intercessores e seus construtos fundamentais à reconstrução do passado, à existência do presente.

Redação

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