RESUMO
A dissertação aborda o papel dos historiadores no tempo presente, analisando as demandas contemporâneas, o diálogo com o jornalismo, as escolhas seletivas de passados recuperados e a coexistência de múltiplas temporalidades. O artigo de Elio Gaspari é utilizado como exemplo prático, conectando a diplomacia de Richard Nixon na década de 1970 aos desafios geopolíticos atuais. Baseando-se em autores como Koselleck, Hartog e Ricoeur, o texto explora como a historiografia do tempo presente pode fornecer uma análise crítica e contextualizada, promovendo um entendimento mais amplo das complexidades sociais e políticas.
PALAVRAS-CHAVE
Historiografia contemporânea; tempo presente; diplomacia de Nixon; memória histórica; pluralidade temporal; presentismo; jornalismo e história; análise crítica.
INTRODUÇÃO
A relação entre o passado e o presente é uma questão central para os historiadores que se dedicam ao estudo do tempo presente. Este campo de pesquisa busca compreender como eventos recentes são recuperados, reinterpretados e ressignificados no contexto contemporâneo. Este texto analisa o papel dos historiadores frente às demandas atuais, as conexões entre historiografia e jornalismo, as escolhas dos passados recuperados e a pluralidade de temporalidades que compõem o presente. A análise é enriquecida pelo exemplo do artigo de Elio Gaspari, que revisita a diplomacia de Richard Nixon e seus desdobramentos no cenário geopolítico atual, evidenciando a complexidade das relações entre memória e história. Autores como Koselleck, Hartog e Ricoeur contribuem para uma reflexão mais ampla sobre os temas abordados.
OS HISTORIADORES E AS DEMANDAS DO PRESENTE
Os historiadores têm uma responsabilidade crescente em responder às demandas de uma sociedade em constante transformação. Hartog (2021) destaca que vivemos em um regime de historicidade marcado pelo presentismo, onde o presente se torna o foco central da percepção temporal. Nesse cenário, o papel do historiador é dar sentido a eventos recentes, promovendo uma análise que vá além da superficialidade das interpretações imediatas.
O artigo de Gaspari exemplifica como eventos históricos, como a visita de Nixon à China em 1972, são reinterpretados à luz das dinâmicas geopolíticas atuais, como a aliança entre China e Rússia e as tensões na Ucrânia. Koselleck (2014) aponta que a história oferece “horizontes de expectativa” que ajudam a interpretar o presente. Nesse sentido, a recuperação de Nixon como figura histórica reflete não apenas seu papel na política externa americana, mas também as consequências de suas decisões no longo prazo.
A memória coletiva, como observa Ricoeur (2018), é um recurso fundamental para a construção de identidades sociais e políticas. No caso do presente, as demandas incluem lidar com questões como desinformação e a reconstrução de narrativas históricas que atendam às necessidades do público. Isso coloca o historiador em um papel ativo na mediação entre passado e presente, contribuindo para uma compreensão mais crítica e informada da realidade.
HISTORIADORES E JORNALISTAS: DIÁLOGOS E TENSÕES
O jornalismo e a historiografia compartilham a responsabilidade de interpretar e comunicar eventos. No entanto, enquanto o jornalismo privilegia a urgência e a síntese, a história valoriza a contextualização e a análise profunda. Le Goff (1998) observa que os historiadores têm o desafio de dialogar com outras disciplinas sem abrir mão de sua metodologia rigorosa.
No texto de Gaspari, é evidente a força do jornalismo em conectar fatos passados e presentes de forma acessível. A análise da aproximação entre Nixon e Mao Tsé-tung é apresentada como um evento marcante que influencia relações geopolíticas até hoje. Apesar disso, Prost (2008) adverte que a superficialidade inerente ao jornalismo pode comprometer a complexidade das narrativas históricas, destacando a importância da intervenção historiográfica para corrigir anacronismos e simplificações.
A interação entre historiadores e jornalistas pode ser mutuamente enriquecedora. Ricoeur (2018) propõe que os historiadores ajudem a ancorar o jornalismo em uma análise mais profunda, enquanto o jornalismo traz questões contemporâneas para o centro do debate historiográfico. Esse diálogo é particularmente relevante em tempos de rápida circulação de informações, onde a narrativa histórica é constantemente mobilizada para atender a interesses políticos e ideológicos.
AS MATRIZES DO TEMPO PRESENTE: PASSADOS REVISITADOS
Nem todos os passados recebem a mesma atenção no presente. Koselleck (2014) argumenta que o passado é um “campo de experiências” que é continuamente reinterpretado em função das expectativas do presente. No artigo de Gaspari, a recuperação do encontro de Nixon com Mao é um exemplo de como determinados eventos são mobilizados para justificar ou criticar decisões políticas contemporâneas.
Ricoeur (2018) enfatiza que a memória histórica é seletiva e orientada por interesses políticos e culturais. A evocação do passado diplomático dos Estados Unidos e da China é utilizada para refletir sobre as estratégias de poder atuais, como a resistência à expansão da OTAN e o fortalecimento das alianças sino-russas. Essa escolha não é neutra, mas sim um reflexo das prioridades e preocupações do presente.
Catroga (2015) observa que a memória coletiva muitas vezes privilegia eventos que possuem um caráter simbólico forte, capazes de sintetizar complexas dinâmicas históricas. No caso da política externa de Nixon, sua visita à China é apresentada como um marco de transformação nas relações internacionais, mas também como um aviso sobre os riscos de decisões unilaterais que podem gerar consequências imprevistas no longo prazo.
A PLURALIDADE DE TEMPOS NO PRESENTE
O tempo presente é caracterizado por uma coexistência de temporalidades distintas que se interpenetram e influenciam. Koselleck (2014) introduz o conceito de “estratos do tempo”, sugerindo que diferentes camadas temporais coexistem no presente, moldando percepções e decisões. Essa ideia é exemplificada no artigo de Gaspari, onde eventos do passado, como a política externa de Nixon, são apresentados como fatores determinantes para compreender o cenário geopolítico atual.
Porto Jr. (2007) argumenta que a história do tempo presente deve levar em conta essas sobreposições temporais para oferecer uma análise mais rica e complexa dos eventos. Ao recuperar a visita de Nixon à China, Gaspari ilumina não apenas as decisões daquele momento, mas também como essas escolhas reverberaram em contextos posteriores, moldando as relações entre as grandes potências globais.
Essa pluralidade temporal também desafia os historiadores a considerar como diferentes memórias e interpretações históricas coexistem e competem no espaço público. Hartog (2021) destaca que a tarefa do historiador é justamente mediar essas narrativas, promovendo um entendimento mais equilibrado e crítico dos processos históricos.
CONCLUSÃO
A história do tempo presente é um campo indispensável para compreender as conexões entre o passado e o presente, oferecendo ferramentas analíticas para interpretar desafios contemporâneos. O artigo de Gaspari demonstra como eventos históricos, como a diplomacia de Nixon, podem ser recuperados para iluminar questões geopolíticas atuais. Ao dialogar com autores como Koselleck, Hartog e Ricoeur, fica evidente que a análise histórica é essencial para superar simplificações e promover uma compreensão crítica e contextualizada da realidade. Em última análise, o historiador tem a responsabilidade de atuar como um mediador entre o passado e o presente, contribuindo para uma visão mais ampla e informada do mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CATROGA, Fernando. Memória, história e historiografia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.
COSTA, Josefina. História del presente. Madrid: Eudema, 1993.
GASPARI, Elio. A carta chinesa virou um mico. Folha de S. Paulo, 22 fev. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.
KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre a história. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC Rio, 2014.
LE GOFF, Jacques (org.). A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
PÔRTO JR., Gilson (org.). História do tempo presente. Bauru, São Paulo: Edusc, 2007.
PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.