Serão os governadores, prefeitos e chefes dos Poderes Judiciário e Legislativo que vão decidir se — e como — ocorrerão os cortes de salários e carga horária de servidores públicos previstos no pacote de ajuste fiscal apresentado pelo governo ao Congresso. Caso a proposta seja aprovada, a medida não será obrigatória para todos os governos regionais que se enquadrarem nos critérios de emergência fiscal. Mas os gestores que decidirem adotar o mecanismo deverão editar decreto especificando que órgãos serão afetados e por quanto tempo.
O texto foi pensado para evitar que o arrocho inviabilize a prestação de serviços essenciais. Para especialistas, contudo, a regra pode abrir espaço para que lobbies protejam determinadas categorias e tornem o aperto desigual.
A redução de salários está prevista na chamada proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, um dos três projetos do plano de reforma do Estado elaborado pela equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo o texto, União, estados e municípios poderão acionar gatilhos para conter gastos em caso de descontrole das contas. Um deles é o corte de até 25% nos vencimentos e na jornada de servidores públicos. Se a proposta for aprovada, a União e 14 estados já estão enquadrados nos critérios que autorizam as medidas de ajuste.
Diante do risco de que nem todos embarquem na proposta, a aposta da equipe econômica é sensibilizar lideranças. Só na última semana, Guedes se reuniu com integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) para apresentar o plano.
O ministro chama o mecanismo de cortes de “ shutdown à brasileira”, uma referência à paralisação de serviços públicos que ocorre nos EUA quando o governo não consegue autorização para gastar. Na versão americana, é a própria legislação que define que áreas são afetadas primeiro. Serviços essenciais, como de segurança, são obrigatoriamente preservados.
Na prática, no Brasil, será possível reduzir jornadas e salários de auxiliares administrativos, mas não alterar a carga horária de policiais militares e professores, por exemplo.
"Temos carreiras que eventualmente têm uma especificidade que torna difícil reduzir a carga horária em 25%. Professor, às vezes, não tem muita lógica reduzir a carga horária, por exemplo. Isso vai ser pensado caso a caso", explica o secretário especial adjunto da Fazenda, Esteves Colnago.
Espaço para investimento
Na avaliação da economista Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, é possível que lobbies interfiram no processo, mas ainda assim a medida é válida:
“Tem áreas hoje onde sobra gente e áreas onde falta. A redução da jornada em algumas áreas não é dramática, e você abre espaço para investimentos. As categorias mais protegidas vão fazer lobby. Sempre é um risco. Mas isso não significa que não tenha que fazer o ajuste”.
Pela PEC Emergencial, os gatilhos de ajuste são acionados, na União, quando ocorre o descumprimento da chamada regra de ouro, que proíbe que o governo se endivide para pagar despesas correntes. Como essa regra já foi descumprida, as medidas de ajuste previstas no texto passariam a valer imediatamente, caso a proposta seja aprovada.
Nos estados e municípios, a regra é diferente. Governadores e prefeitos poderão lançar mão do dispositivo, se quiserem, caso as despesas correntes superem 95% da receita corrente. Segundo dados do Tesouro, pelo menos 14 estados já estão nessa situação, inclusive o Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.”