Após anunciar na terça-feira (22) a interrupção dos atendimentos do pronto-socorro, a Santa Casa não está realizando vários outros tipos de atendimento nesta quarta-feira (23). Pessoas com exames ou cirurgias eletivas (não urgentes) são orientadas a voltar para casa.
O caseiro Afonso Costa Nunes, 46 anos, foi surpreendido pela suspensão da realização de um exame do filho Alan Nunes, de 12 anos. "Ele tem problema de rins e faz acompanhamento desde os 9 meses aqui. Vou fazer o quê? Vou ter que voltar. Se a gente tivesse condições não viria aqui. O hospital é bom. O jeito é esperar", contou.
Durante a madrugada pacientes que haviam sido encaminhados à Santa Casa buscavam alternativas. Um senhor idoso que teve o rosto machucado durante um assalto foi atendido por bombeiros civis do lado de fora do hospital.
Pacientes que pretendiam passar por triagem para serem encaminhados para especialistas também não foram recebidos. "No meu caso não é um caso de pronto-socorro, mas eu teria que ser atendida também", avalia uma paciente com dores abdominais. Ela encontrou os portões fechados. "Agora eu volto pra casa e continuo sentindo dores, sem saber o que eu tenho", afirma.
Com a mão enfaixada após atendimento no pronto-socorro da Barra Funda, uma paciente que desejava passar pela triagem na Santa Casa precisou voltar para casa. "Informaram que foi fechado por condições de atendimento", explica Vagner Jacobuti, que acompanhava a paciente. Ao Bom Dia São Paulo outra paciente informou que havia marcado uma cirurgia ginecológica e que também não seria atendida nesta quarta-feira. Funcionários e bombeiros civis encaminhavam pacientes para o Hospital das Clínicas, na Avenida Doutor Arnaldo, na região da Paulista.
O fechamento do Pronto-Socorro da Santa Casa de São Paulo também pegou de surpresa Kaleb Velasquez, que, por volta das 21h30, buscava atendimento para a mãe dele, portadora de diabetes. "Minha mãe está passando mal", gritava, de dentro do carro. Ante a informação de que o PS estava fechado, ele disse que buscaria auxílio em outro hospital, na Barra Funda, Zona Oeste da capital.
Morador na Bela Vista, Claudio Antônio dos Santos, de 42 anos, marido de Sueli Felix dos Santos, de 34 anos, teve mais sorte. Ele foi atendido às 17h40, pouco antes do fechamento do PS. "Ele estava sentindo dor do lado esquerdo da virilha. Acredito que seja hérnia, porque ele já foi operado uma vez. Ele foi atendido, passaram a receita médica e falaram que, qualquer coisa, ele voltasse", afirmou ela.
Vizinha de Sueli, Vanda Rithon disse que achou ótimo o fechamento do PS, porque acredita que assim serão tomadas providências para suprir medicamentos e gaze. "No PS, todo mundo estava sendo atendido. Quem está no soro, no soro. Quem estava com medicação, já estava. Só não vai entrar mais gente", afirmou.
Referência na América Latina
A instituição diz ser o maior centro médico filantrópico da América Latina com 8 mil atendimentos diários em todas as suas unidades. O fechamento do pronto-socorro é o ápice de uma crise que se agrava ao longo dos anos e que afeta também outros hospitais filantrópicos pelo país. Em junho, a TV Globo mostrou que cirurgias estavam sendo canceladas por falta de materiais. A dívida estimada da Santa Casa é de R$ 400 milhões.
O hospital, que é administrado pela Irmandade da Santa Casa, diz que faltam recursos para a aquisição de materiais e medicamentos. De acordo com Kalil Rocha Abdalla, provedor da Santa Casa de Misericórdia, a Irmandade não poupa esforços “para reverter a situação junto às autoridades responsáveis pela saúde pública e voltar a oferecer os serviços de qualidade aos pacientes”.
A Santa Casa é um hospital filantrópico privado, que não cobra dos pacientes. O atendimento é financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e complementado pelo governo do estado.
Dívida acumulada
Em junho, o Bom Dia São Paulo mostrou que cirurgias chegaram a ser adiadas para não atrapalhar o funcionamento do Pronto-Socorro. Na ocasião, Antônio Carlos Forte, superintendente da Santa Casa, admitiu que o atendimento poderia ser suspenso por falta de recursos. A direção da Santa Casa estimava a dívida do hospital em R$ 400 milhões.
À época, o secretário estadual de Saúde, David Uip, afirmou que o SUS paga 40% do custo do atendimento de um paciente no pronto-socorro e que o governo estadual complementava o valor. "Então, quanto mais esse pronto-socorro internar, maior a dívida. (…) O estado tem entrado financiando esse subfinanciamento (do SUS)", disse Kalil.
À época, o Ministério da Saúde informou que criou uma linha de apoio para as Santas Casas no país e que o hospital de São Paulo precisava se credenciar no programa.
Crise na saúde filantrópica
A crise afeta diversos hospitais filantrópicos pelo país. No ano passado, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas do Brasil (CMB) estimava as dívidas das instituições de saúde filantrópicas em cerca de R$ 15 bilhões. Deste total, R$ 5,4 bilhões são referentes a débitos com a União (relativos a dívidas tributárias e previdenciárias) e R$ 10 bilhões acumulados com bancos e fornecedores.
Em outubro de 2013 o Ministério da Saúde lançou o programa de renegociação das dívidas das santas casas. Segundo o Ministério, a nova legislação permite que a dívida das instituições de saúde seja abatida desde que os hospitais mantenham o pagamento das demais contas em dia e garantam o aumento de atendimentos por meio do SUS.
A expectativa do ministério é de que o perdão total das dívidas das santas casas com a União ocorra em até 15 anos, a partir de 2014. O governo também abriu uma linha de crédito junto à Caixa Econômica Federal para que as instituições possam renegociar dívidas contraídas com a iniciativa privada. Os hospitais terão até 120 meses para pagar o financiamento, com taxa de juros de 1% ao mês.
G1