Com a cabeça baixa, Larry Nassar escutou palavras que o abalaram na Corte do Condado de Ingham, na cidade de Lansing. Depois de sete dias de depoimentos de suas vítimas de abuso sexual, o ex-médico americano recebeu nesta quarta-feira a sentença referente a sete dos seus crimes cometidos em Michigan. A juíza Rosemarie Aquilina cumpriu o prometido às sobreviventes que compartilharam suas histórias e deu a pena para Nassar: entre 40 e 175 anos de prisão. Ele tem 21 dias para recorrer da sentença desta quarta-feira.
– Estou considerando o impacto de todos os depoimentos, não apenas das sete mulheres relacionadas às acusações. Não era médico o que você fez, não era um tratamento. Você não é um médico. Não mandaria meus cachorros para você. Você sabia que tinha um problema desde jovem, antes de virar um médico. Isso está claro para mim. Você poderia ter se afastado da tentação, mas não o fez. Sua decisão de molestar foi precisa, calculada, desonesta, desprezível. Vou honrar o acordo e fazer o que me foi solicitado. É meu privilégio te condenar a 40 anos. Você é um perigo. Você continua sendo um perigo – disse a juíza Aquilina.
Nassar, de 54 anos, já estava cumprindo 60 anos de prisão por pornografia infantil. Ele se declarou culpado por molestar de sete mulheres no Condado de Ingham e três no de Eaton. Por esses crimes ele foi condenado nesta quarta-feira, mas todas as vítimas de Nassar ganharam voz em declarações de impacto. Somando a primeira condenação, o médico pode pedir liberdade condicional em 99 anos – já cumpriu o primeiro ano de prisão.
– Suas palavras nos útlimos sete dias tiveram um impacto significativo em mim, me abalaram muito. Não tenho palavras para dizer o quanto estou arrependido. Vou carregar suas palavras pelo resto dos meus dias – disse Nassar, minutos antes de receber a sentença.
Os crimes de Larry Nassar ganharam as manchetes principalmente por ele ter molestado as ginastas da seleção americana, inclusive as campeãs olímpicas Simone Biles, Gabby Douglas, Aly Raisman, Jordyn Wieber e McKayla Maroney. Ele também abusou de atletas da Universidade de Michigan.
O julgamento
Antes de a juíza Rosemarie Aquilina anunciar a sentença, ela deu voz a todas as vítimas que quiserem dar um depoimento de impacto. Foram 156 mulheres que encararam Nassar. Algumas o fizeram por cartas, por vídeos. Algumas o fizeram de forma anônima. Mas a maioria foi à Corte do Condado de Ingham para contarem suas histórias e enfrentarem o molestador, entre elas as campeãs olímpicas Aly Raisman e Jordyn Wieber.
A lista de vítimas encorajadas a falar pela força das primeiras vítimas a depor só cresceu dia a dia. Inicialmente, 88 mulheres iriam contar suas histórias em quatro dias de julgamento. O número de depoimentos quase dobrou.
Alguns depoimentos levaram Larry Nassar às lágrimas. Na quinta-feira, ele chegou a enviar uma carta à juíza Rosemarie Aquilina afirmando ser muito difícil escutar os depoimentos da posição de testemunha, temendo por sua saúde mental e a acusando de tornar o julgamento em um "circo midiático". O ex-médico foi repreendido pela juíza.
– Eu tenho que dizer que isso não vale o papel em que está escrito. Você pode achar duro estar aqui escutando, mas nada é mais difícil do que aquilo que suas vítimas encararam por milhares de horas nas suas mãos – disse Rosemarie Aquilina.
No último dia de julgamento, Rachael Denhollander encerrou as falas com um forte depoimento. Ela foi a primeira vítima a tornar públicas as denúncias de Nassar e foi ovacionada na Corte do Condado de Ingham.
Os próximos alvos
Durante muitos depoimentos, as vítimas criticaram a USA Gymnastics e a Universidade de Michigan – o Comitê Olímpico dos Estados Unidos também foi lembrado não raras vezes. As entidades são acusadas de acobertarem os crimes de Larry Nassar. Algumas mulheres inclusive pediram para o ex-médico contar quem sabia de seus abusos e quando.
– É preciso haver uma investigação massiva sobre por que houve silêncio e inatividade contra os abusos de Nassar em um quarto de século – disse a juíza Rosemarie Aquilina.
A Universidade de Michigan recebeu relatos de abusos de Larry Nassar nos anos 90, mas fechou os olhos para os crimes, permitindo que ele continuasse molestando meninas por anos. Muitas vítimas pediram o afastamento da presidente Lou Anna Simon, movimento estudantil liderado por uma brasileira da MSU.
A USA Gymnastics é acusada de pagar as campeãs olímpicas Aly Raisman e McKayla Maroney para não tornarem públicas as denúncias contra Nassar. A entidade tentou abafar o caso. CEO da USA Gymnastics desde novembro, Kerry Perry iniciou mudanças. Na segunda-feira, três diretores pediram renúncia por causa do caso. O Rancho Karolyi, centro de treinamento da seleção americana onde muitos crimes de Nassar ocorreram, deixou de receber a equipe. No entanto, as vítimas pedem mudanças mais significativas e que a entidade seja responsabilizada.