O Direito Penal brasileiro não entrega o deveria: impedir a criminalidade. Assim, só serve "para punir menino pobre com 100 gramas de maconha”. A opinião é do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, para quem as normas do Brasil não são capazes de impedir os crimes do colarinho branco e alcançar pessoas que ganham mais de cinco salários mínimos por mês.
“Um Direito Penal, como aconteceu no Brasil, absolutamente incapaz de punir a criminalidade do colarinho branco, de punir qualquer um que receba acima de cinco salários mínimos, criou uma nação de delinquentes. Esta é a triste verdade do que aconteceu no Brasil. O país da corrupção passiva e ativa, do desvio de dinheiro, do peculato, da lavagem de dinheiro, da fraude a licitações”, afirmou o ministro, palestra em evento na Argentina, nesta segunda-feira (06).
Segundo ele, a legislação brasileira, é feita da elite para a elite, tornado-se “autoprotetiva”. “É dificílimo punir efetivamente um agente público ou privado que desvia R$ 10 milhões de dinheiro público”, complementou.
Barroso exemplificou essa proteção citando o crime de sonegação fiscal. Ele destacou que delito compensa no Brasil, pois, além de ter pena baixa, a punição pode ser extinta se o valor for pago, mesmo após o trânsito em julgado da ação.
Essa mesma elite, continuou, insiste em criar dois grupos de corruptos, separando aqueles que são distantes e cometem crimes daqueles que são mais próximos, mas praticam as mesmas condutas.
“A elite brasileira acha que a corrupção ruim era a dos inimigos, de quem não gostava, mas a corrupção daqueles que sentam à mesma mesa e frequentam o mesmo banquete não tem problema”, afirmou o ministro durante o evento sobre corrupção, coordenado pelo jurista Eugenio Raúl Zaffaroni.
Destacando que “projetos de apropriação privada do espaço público” não têm mais espaço no Brasil atual, Barroso explicou que o combate à corrupção enfrenta dificuldades porque, uma parcela dos corruptos tem medo de ser punida pelos crimes já praticados, enquanto outra quer mesmo é permanecer cometendo seus crimes.
“Essas pessoas, que se supõem imunes, elas resistem, muitas, compreensivelmente, não querem ser punidas. Mas há um lote pior, é o lote dos que não querem ficar honestos nem daqui para a frente. E que são resistentes a toda e qualquer mudança que se pretenda fazer e, portanto, querem perpetuar esse pacto de saque que ainda existe no Brasil”, disse.
Barroso destacou que o Direito Penal tem que ser moderado, mas sério. Não podendo se amoldar ao estado policialesco citados por alguns nem ser negligente como afirmam outros. “O Estado que pune o empresário que ganhou a licitação porque pagou propina não é um Estado policial, é um Estado de Justiça. O Estado que pune aquele que pune o banqueiro que tinha inside information não é um Estado policial, é um Estado de Justiça.”
Delações e prisões
Esse seria a fórmula, de acordo com Barroso, para acabar com o “país feio e desonesto que nós criamos”. Um desses meios, defendeu, é o uso da delação premiada, que seria “a única forma de repatriar dinheiro enviado a paraísos fiscais ilegalmente”.
Ao comentar a prisão antes do trânsito em julgado do processo, o ministro diz que não seria um problema colocar como trava o Superior Tribunal de Justiça, desde que o réu tivesse direito a apenas "um recurso e uma manifestação no STJ". Mas, segundo ele, o que se quer "é reabrir a porta por onde recursos procrastinatórios indefinidos fazem com que o processo se estique até o momento da prescrição”.
Patrimonialismo arraigado
Uma das causas da corrupção no Brasil, para Barroso, é o patrimonialismo, “que não separava a Fazenda Pública da fazenda do rei” e consagrou o jargão “rouba, mas faz”. Uma das causas, disse, é excesso do Estado em todas as áreas da sociedade: “Estado que se mexe trazendo corrupção, ineficiência e politização a espaços em que não deveria estar”.
Outra das causas da corrupção no Brasil, continuou o ministro, é o processo eleitoral, que é falho e favorece esse tipo de crime. “Sistema político brasileiro reprime o bem e potencializa o mal”, disse, destacando que o custo para se eleger um deputado federal é R$ 10 milhões, enquanto, em quatro anos de mandato, o máximo que um parlamentar pode ganhar é pouco mais de R$ 1 milhão.