“A única coisa que me dizem é para esperar. Não consigo ingerir nada, pois vomito tudo de volta. Estou há duas semanas sem comer”, disse com lágrimas nos olhos a estudante Viviane Faria Mendes, de 18 anos, na entrada da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Morada do Ouro, na capital. A jovem esperava por orientação médica há três horas, mas já fazia duas semanas que ela não conseguia ser recebida por nenhum profissional – e nem se alimentar.
A equipe do Circuito Mato Grosso flagrou momentos de tensão na unidade de saúde em visita na quarta-feira (16). Policiais haviam saído ha pouco do lugar, em virtude da necessidade de tentar “acalmar” um homem com problemas mentais que estava ameaçando funcionários e pessoas presentes no local. Em seguida, a maioria dos pacientes que aguardava atendimento – alguns deles há mais de oito horas – iniciou uma discussão com os servidores da UPA, cobrando agilidade no atendimento.
Universalizar o acesso à saúde é uma tarefa complexa, que exige esforços de muitos seguimentos da sociedade e, a despeito do pioneirismo do Brasil, que instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição de 1988, a população sente na pele a falta de recursos materiais e humanos, sobretudo médicos. E a UPA Morada do Ouro não é a única unidade de saúde na capital mato-grossense que sofre com o deficit de profissionais.
Eram três horas da tarde quando a auxiliar de serviços gerais Cristiane Mota dos Santos saía da Policlínica Dr. José Eduardo Vaz Curvo, também conhecida como Policlínica do Coxipó, carregando sua filha. Depois de esperar por quatro horas, com uma criança que tinha 39 graus de febre, ela finalmente conseguiu atendimento para a pequena e, mesmo assim, segundo ela, “nem examinaram direito”.
“Receitaram alguns remédios e depois me mandaram para casa. Nem examinaram minha filha direito. Isso porque estou há mais de quatro horas com ela nos braços e vim aqui pois no Osmar Cabral, que é onde moro, não tem pediatra”, diz ela.
Situação parecida com outras unidades de saúde também foi encontrada na Policlínica Anízio Sabo Mendes, no Pedra 90, bairro que fica nos limites de Cuiabá. Ao chegar ao local, nossa equipe conversou com a aposentada Maria Peres, que se queixava da falta de médicos e que não conseguia marcar cardiologista havia três meses. “Já sofri muito com a falta de médicos nesta cidade”, diz.
Capital recusa programa
Mesmo com outra crise batendo às portas da saúde na capital, que pretende contratar em regime emergencial 40 médicos para suprir parte da demanda existente, a cidade de Cuiabá não aderiu ao programa Mais Médicos – iniciativa do Governo Federal que prevê, dentre outras ações, levar estes profissionais onde exista escassez ou falta deles.
Presentes na capital para o quarto ciclo do projeto, isto é, para a etapa da qual eles conhecerão um pouco mais da situação da saúde em Mato Grosso, e onde terão seus primeiros contatos com os gestores da área nos municípios em que irão trabalhar, 53 médicos – sendo 51 cubanos – aguardam o fim dos eventos de receptividade para se dirigirem a seus postos de trabalho. Nenhum deles, entretanto, permanecerá em Cuiabá.
Ana Paula Louzada, integrante da Comissão Estadual do Projeto Mais Médicos, se mostrou otimista em relação à iniciativa e cita como exemplo os moradores do município de Vila Bela da Santíssima Trindade (525 km de Cuiabá), que precisavam, antes do programa, se deslocar 200 km para encontrar um clínico. Porém, uma das coordenadoras da ação no Estado lamenta que gestores e entidades de classe façam pouco-caso de um plano que já beneficiou 33 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Saúde.
“Cuiabá é contra o programa Mais Médicos. Se a capital aderisse, teríamos um saldo muito positivo”, pondera.
Além da falta de responsabilidade social dos gestores e representantes de classe dos médicos em Cuiabá, o município poderia economizar até R$ 300 mil por mês se aderisse ao programa, tendo em vista que cada um dos 40 profissionais previstos para contratação em regime emergencial, proposta pelo secretário de Saúde municipal Werley Perez (PDT), deverá ter salário bruto mensal em torno de R$ 7,5 mil.
Para o tutor estadual do Mais Médicos e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Reinaldo Mota, o programa tem uma importância particular no Estado por conta da “retórica privatizante” que se instalou nas últimas gestões. Citando as OSSs, ele afirma que “nada melhor que um país socialista para nos ensinar a socializar a saúde” e diz também que a capital, nos últimos anos, tem apresentado resistência às iniciativas do Governo Federal que objetivam melhorar a saúde da população. Ele também critica os profissionais locais.
“Nos últimos dez anos não houve alinhamento em Cuiabá e Mato Grosso com políticas públicas adequadas, propostas pelo Governo Federal. Além disso, os médicos cubanos têm uma formação solidária, voltada para o social, diferente dos profissionais daqui, que têm orientação para atender à demanda do mercado e não da população”, analisa.
De acordo com a Secretaria de Saúde de Cuiabá, a cidade não aderiu ao Mais Médicos pelo fato de os profissionais do programa prestarem apenas atendimento ambulatorial, e a área que mais carece de clínicos, segundo a assessoria, é o pronto atendimento.